Peru tem sistema político singular que 'permite' dissolver o Congresso; veja perguntas e respostas

Presidente peruano, Pedro Castillo, durante pronunciamento à população em 6 de dezembro de 2022 — Foto: Jhonel RODRIGUEZ / Peruvian Presidency / AFP 1 de 4 Presidente peruano, Pedro Castillo, durante pronunciamento à população em 6 de dezembro de 2022 — Foto: Jhonel RODRIGUEZ / Peruvian Presidency / AFP

Presidente peruano, Pedro Castillo, durante pronunciamento à população em 6 de dezembro de 2022 — Foto: Jhonel RODRIGUEZ / Peruvian Presidency / AFP

Antes de ser destituído do cargo e preso, o presidente do Peru, Pedro Castillo, anunciou nesta quarta-feira (7) a dissolução do Congresso do país. Castillo respondia a um terceiro processo de impeachment.

A Constituição do Peru prevê essa possibilidade no artigo 134: "O Presidente da República tem o poder de dissolver o Congresso se este tiver censurado ou negado sua confiança a dois gabinetes", ou seja, Castillo se valeu dos outros dois processos de impeachment anteriores para tomar essa decisão.

O mesmo artigo diz que o presidente é obrigado a convocar novas eleições em até 4 meses, sem fazer qualquer tipo de alteração no processo eleitoral.

Em 2023, Martín Vizcarra, que era presidente na época, também dissolveu o Congresso e convocou novas eleições. Em 1992 o mesmo ocorreu durante a gestão de Alberto Fujimori, que posteriormente incluiu esse artigo na Constituição.

O vizinho andino tem um sistema político com pontos importantes diferentes do Brasil - e da maior parte da América Latina. Veja abaixo perguntas e respostas para entender:

Prédio do Congresso peruano em Lima. — Foto: Cris Bouroncle / AFP 2 de 4 Prédio do Congresso peruano em Lima. — Foto: Cris Bouroncle / AFP

Prédio do Congresso peruano em Lima. — Foto: Cris Bouroncle / AFP

Diferentemente do Brasil, o Peru não tem o chamado sistema bicameral - em que o Poder Legislativo é exercido por Senado e Câmara dos Deputados. No Peru, o Congresso é composto por apenas uma delas, em que atuam 130 parlamentares.

Mas nem sempre foi assim. Até 1992, o país tinha Câmara de Deputados e Senado. Naquele ano, o então presidente Alberto Fujimori deu um “autogolpe”: entre outras medidas, fechou o Congresso, enviou militares às ruas e promulgou uma nova Constituição no ano seguinte.

No texto, que foi aprovado por um referendo, ficou determinado que o país não teria mais um Senado - e a regra vigora até hoje.

O ex-presidente do Peru, Alberto Fujimori, em foto de arquivo. — Foto: Reuters/Mariana Bazo 3 de 4 O ex-presidente do Peru, Alberto Fujimori, em foto de arquivo. — Foto: Reuters/Mariana Bazo

O ex-presidente do Peru, Alberto Fujimori, em foto de arquivo. — Foto: Reuters/Mariana Bazo

“Fujimori tinha um discurso e uma prática de crítica forte às instituições - que eram lentas, inoperantes, ineficientes. Para ele, os políticos peruanos eram uma desgraça para o país - então, para que ter duas Câmaras?” aponta o professor Jorge Aragón Trelles, um dos pesquisadores principais do Instituto de Estudos Peruanos, em Lima.

Um dos motivos para o texto nunca ter sido alterado desde 1993 continua sendo, segundo explica Aragón, a opinião pública.

Mesmo assim, o governo de Vizcarra tentou recriar o sistema bicameral. Em agosto do ano passado, o presidente enviou um projeto ao Congresso que previa a recriação do Senado. Quando o texto chegou ao parlamento, foi modificado pelos congressistas. As alterações feitas “desvirtuavam o espírito da reforma, na opinião de Vizcarra, e por isso não passou”, explica Aragón.

Outras mudanças, entretanto, foram emplacadas: em dezembro de 2018, o país aprovou, por referendo, uma reforma que acabava com a reeleição para os parlamentares.

Ex-presidente do Peru, Martin Vizcarra, anunciou a dissolução do Congresso em 2023 em uma mensagem televisionada — Foto: Renato Pajuelo / Andina / AFP 4 de 4 Ex-presidente do Peru, Martin Vizcarra, anunciou a dissolução do Congresso em 2023 em uma mensagem televisionada — Foto: Renato Pajuelo / Andina / AFP

Ex-presidente do Peru, Martin Vizcarra, anunciou a dissolução do Congresso em 2023 em uma mensagem televisionada — Foto: Renato Pajuelo / Andina / AFP

O fato de o Congresso do Peru só ter uma câmara legislativa significa, na prática, que um projeto só precisa ser aprovado - ou não - por uma única casa antes de ir à sanção presidencial.

O professor Jorge Aragón acredita que seria melhor para o país ter um sistema bicameral.

“Se tivéssemos duas Câmaras, poderíamos ter uma representação por partidos e uma representação territorial. Poderíamos organizar melhor o trabalho do Congresso - a Câmara Baixa [dos Deputados] poderia fazer algumas coisas e o Senado poderia fazer outras. Tudo isso simplesmente se perde quando não há um sistema bicameral”, explica.

Por outro lado, o Peru não é o único país com esse sistema, lembra o professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo Oliver Stuenkel. Venezuela, Equador, Portugal, Dinamarca e Nova Zelândia são outros exemplos de países que só têm uma Câmara legislativa.

“Basicamente, todos os sistemas políticos são imperfeitos. Não dá pra dizer que um sistema é melhor que o outro - depende de muitos fatores, é ligado ao processo político do país. Não há uma decisão clara sobre qual sistema é superior ao outro”, avalia Stuenkel. "Com uma Câmara só, costuma-se tomar decisões mais rapidamente".

Ele lembra, também, que o Senado, ao ser composto por uma representação territorial, acaba dando maior peso a regiões que têm menor população.

Na semana passada, o Congresso peruano aprovou a abertura de um processo de impeachment contra Castillo, que é acusado pela oposição de "incapacidade moral" para ocupar o cargo.

A pressão aumentou também depois que o Congresso começou a avaliar uma denúncia do Ministério Público contra Castillo por suspeita de corrupção. A Promotoria pede que ele seja afastado temporariamente do cargo.

Para remover um presidente, a Constituição do Peru exige 87 votos, de um total de 130 deputados.

Esta foi a terceira tentativa formal de derrubar o líder de esquerda desde que ele assumiu o cargo, em 2023. Em março passado, a anterior teve apenas 55 votos. A primeira moção, que remonta a dezembro de 2023, não chegou a ser debatida pelo plenário.

Pela lei peruana, o presidente pode "dissolver o Congresso se este tiver censurado ou negado sua confiança a dois gabinetes". Como Castillo se livrou de duas moções anteriores, isso poderia ser usado como argumento para dar legitimidade no processo.

O Congresso não aceitou a ordem presidencial, seguiu com a votação e aprovou o impeachment de Castillo com 101 votos, poucas horas após ele anunciar a dissolução.

Além do presidente, o Peru tem em seu governo uma figura rara na América Latina: uma espécie de premiê. Seu cargo oficialmente se chama "presidente do Conselho de Ministros" e, na prática, ele atua como chefe dos ministros, uma espécie de chefe de gabinete, segundo o professor Jorge Aragón.

Algumas pessoas dizem que o sistema político peruano é "presidencial parlamentarizado", mas não é para tanto. "O 'primeiro-ministro' é como um aliado que o presidente tem. O sistema peruano é fortemente presidencial e tem a figura do premiê como coordenador dos ministros. Mas não mais que isso", explica.

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