Justiça de SP determina que Qatar Airways pague tratamento psicológico para vítima de gordofobia no Líbano

A Justiça de São Paulo determinou nesta terça-feira (20) que a Qatar Airways pague tratamento psicológico a Juliana Nehme, que denunciou ter sido impedida de viajar pela companhia aérea "por ser gorda demais", no dia 22 de novembro, em Beirute, no Líbano.

De acordo com decisão da juíza Renata Martins de Carvalho, da 17ª Vara Cível do Foro Central de SP, a Qatar Airways deverá pagar tratamento psiquiátrico ou psicológico para Juliana, por profissional da confiança familiar, "consistente em uma sessão de terapia semanal no valor de R$ 400 cada, pelo período de, pelo menos 01 (um) ano, perfazendo R$ 19.200, a ser depositado na conta bancária da autora", a partir de janeiro de 2023. Cabe recurso.

"A concessão parcial da tutela de urgência se mostra medida razoável e proporcional para assegurar a superação do evento estressante e traumático pela coautora Juliana, bem como, garantir o tratamento psiquiátrico para o transtorno mental e emocional e, assim, evitar o agravamento do distúrbio mental e emocional diagnosticado por profissional especializado", diz a juíza.

Para o advogado Eduardo Barbosa, da defesa de Juliana, "a decisão é um marco na luta contra o preconceito, contra a gordofobia".

"É um marco na luta contra o preconceito, já se constatou a gravidade dos atos praticados pelos funcionários da Qatar Airways e a vítima já está sendo acolhida pela Justiça", disse.

A Justiça também acolheu assistência judicial gratuita para Juliana e sua mãe.

Em entrevista exclusiva ao 💥️g1 e ao 💥️Fantástico, a paulistana Juliana detalhou como tudo aconteceu e relatou os momentos de desespero de quando teve o embarque negado.

Influenciadora digital denunciou gordofobia ao ser barrada em voo da Qatar Airways — Foto: Reprodução/TV Globo 1 de 3 Influenciadora digital denunciou gordofobia ao ser barrada em voo da Qatar Airways — Foto: Reprodução/TV Globo

Influenciadora digital denunciou gordofobia ao ser barrada em voo da Qatar Airways — Foto: Reprodução/TV Globo

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Juliana conta que havia comprado no Brasil apenas as passagens de ida. As de volta decidiu que compraria quando estivesse no Líbano. Porém, ao não conseguir fazer compra online, ela foi até uma agência de viagens na cidade de Biblos.

"Eu fui comprar em uma agência porque eu tentei, na verdade, comprar com o cartão de crédito, mas não estava passando em nenhum site. Não sei o motivo, mas acho que é porque estava lá e não estava sendo liberada a compra. Então, fui até a agência e comprei passagens por mil dólares na classe econômica, assim como foi na ida. Na ida foi tudo muito tranquilo, inclusive", contou.

"Quero frisar que essa foi a minha primeira viagem internacional, mas em nenhum momento ninguém disse para mim que eu precisaria comprar um assento extra porque, claro, se alguém tivesse me dito, com certeza teria comprado para que não houvesse nenhum tipo de problema. Afinal, foi uma viagem que eu planejei por 5 anos, né? Eu não ia estragar uma viagem dessa com algo tão trivial em relação a todo o custo e o sonho das nossas vidas de ir conhecer o país da minha mãe, né? E na minha ida fui normalmente, sem comprar assento extra".

Juliana durante viagem no Líbano — Foto: Reprodução/Instagram 2 de 3 Juliana durante viagem no Líbano — Foto: Reprodução/Instagram

Juliana durante viagem no Líbano — Foto: Reprodução/Instagram

No dia 22 de novembro o voo de Juliana, sua mãe, irmã e sobrinho estava marcado para 21h50. Ela conta que chegou ao aeroporto de Beirute por volta do meio-dia.

"Eu morria de medo de perder o voo, de perder o horário do check-in. Então, a gente foi meio-dia. Quando nós chegamos, a gente ficou sentada ali e até fui comprar doce árabe para trazer de lembrança para algumas amigas. A gente ficou sentada aguardando o momento de poder fazer o check-in".

Perto do horário, Juliana foi fazer o check-in, quando foi solicitado exame PCR de Covid-19 para o sobrinho de 14 anos.

Segundo regras da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), brasileiros e estrangeiros devem apresentar o comprovante de vacinação contra a Covid ou comprovante de realização de teste do tipo antígeno ou RT-PCR, com resultado negativo ou não detectável para Covid-19, realizado um dia antes do embarque.

"Estávamos em quatro, então a gente foi tudo junto e estávamos com o carrinho, com as malas, cada um de nós tinha 2 malas para despachar, então eram 8 malas. A atendente pediu nosso passaporte e o comprovante de vacina. Quando ela viu o do meu sobrinho perguntou porque ele não tinha todas as doses como a gente. Minha mãe, que fala árabe, disse que no Brasil a vacina dos adolescentes não foi junto e minha irmã tinha levado ele recentemente para tomar a vacina por causa da viagem. Então, pediram o PCR no meu sobrinho. Ela devolveu os quatro passaportes e falou: ‘vai lá, faça o PCR, depois volte’. A minha preocupação é que já era 19h10".

"Aí falei: 'meu Deus, onde será que existe um lugar aqui para fazer o PCR?’. Tudo fecha muito cedo e a gente não sabia como fazer para ir lá. Começamos a pedir ajuda para as pessoas que estavam ali em árabe, para que alguém indicasse para nós um lugar de fazer o PCR. Não foi pedido o PCR nem para mim, nem para minha mãe e nem para minha irmã. Só do meu sobrinho por conta da vacina. O nosso estava tudo certo".

"Aí um senhor com o crachá do aeroporto disse que podia levar. Foram minha mãe, minha irmã, meu sobrinho. Eu fiquei sozinha. Em meia hora já estavam de volta", conta.

Ao retornarem para o atendimento e levarem o teste do exame PCR, a família tentou novamente finalizar o check-in, quando a atendente alegou que Juliana não poderia embarcar.

"Já tinha despachado 6 malas e 2 malas estavam na esteira. As passagens já estavam imprimidas. Inclusive meu sobrinho perguntou em inglês para ela [atendente] se ela colocou a gente perto um do outro. Nesse momento, ela ia entregar a passagem para o meu sobrinho, quando puxou a passagem e não entregou, e fez um sinal para o rapaz que carrega as malas para ele parar".

Juliana afirma que a atendente informou que para viajar só poderia se fosse na classe executiva, mas que não poderia vender as passagens e não informou o preço. A mãe dela, então, ligou para a agência de viagens onde as passagens na classe econômica foram compradas, diz Juliana.

A responsável, após falar com a funcionária da companhia aérea, disse que a influenciadora só poderia ir na classe executiva e a compra teria que ser feita no dia seguinte porque já estava tudo fechado no Líbano.

A influenciadora disse que uma passageira brasileira tentou ajudá-la a comprar passagem por um aplicativo quando percebeu que a agência não iria comprar na hora. Foi nesse momento que ela soube que custava 3 mil dólares, sendo cerca de R$ 18 mil.

"Eu teria que ter um cartão de crédito com limite de pelo menos R$ 18 a R$ 20 mil para fazer a compra dessa passagem que, para mim, pelo menos para mim, era impossível. Muitas pessoas estão falando: ‘mas se você não tinha dinheiro, não viaje’. Mas eu comprei as passagens. Só de passagem eu comprei 4 passagens de mil dólares para voltar para casa".

Juliana ainda relata que muitos homens vestidos com farda começaram a rir e um deles tirou o celular das mãos dela enquanto filmava. Na sequência, apagou todos os vídeos.

"Um homem pegou meu celular e começou a apagar tudo. Todos os vídeos. Só que meu celular salva as fotos apagadas para que eu decida depois se eu quero excluir ou não definitivamente. Aí elas ficaram guardadas".

A irmã e o sobrinho conseguiram embarcar, mas Juliana não. A mãe dela, então, ficou no Líbano também para acompanhá-la e as duas foram para um hotel perto do aeroporto. No dia seguinte, 24 de novembro, ela decidiu pedir ajuda nas redes sociais.

Juliana diz que entrou em contato com o Consulado do Brasil. Em seguida, a responsável pela agência disse que a companhia área alegou que ela deveria comprar dois assentos extra, que teria um custo de 700 dólares cada um, e ainda pagar a multa de 200 dólares para a mãe dela por não ter ido no voo anterior.

"Eles fizeram de tudo para impedir a ida. Nenhuma companhia exigiu que eu comprasse assento extra. Meu braço esbarra no espaço da minha mãe, que costuma sentar ao meu lado, mas nada que a deixe muito desconfortável. Eu não sou inferior por ser gorda. Eu não sou. Nós não somos inferiores porque somos gordos".

"O embaixador, então, me ligou e disse que me ajudaria. Ficamos em uma casa da embaixada para esperar essa decisão. Aí, ele me ligou no dia 24 mesmo e disse que falou com a presidente do Qatar e estava autorizado eu retornar pagando só o que tinha pago, que eu não precisaria pagar mais nada. Fomos em um voo naquele mesmo dia e cheguei no Brasil no dia 25".

A influenciadora diz que ainda não consegue dormir direito e ainda precisou enfrentar gordofobia nas redes sociais.

"Eu ainda tenho um pouco de crise de falta de ar pela ansiedade até agora. Ainda estou dormindo muito pouco. Está sendo um pouco difícil, ainda mais quando eu vejo comentários de porque fui viajar sendo tão gorda. As pessoas têm uma noção de que uma pessoa gorda não pode viver nesse mundo. É difícil, é difícil. Mas eu estou feliz de estar aqui. Eu estou feliz que minha mãe conseguiu voltar, que ela está bem. Ela também sofreu bastante em relação a isso ainda".

Agora, ela quer entrar com ação contra a companhia aérea por danos morais.

Em nota, a empresa afirmou que a passageira foi realocada para um voo no Brasil e alegou que um dos acompanhantes de Juliana não teria apresentado documentação necessária para entrada no Brasil.

"A Qatar Airways trata todos os passageiros com respeito e dignidade e, de acordo com as práticas da indústria e de forma semelhante à maioria das companhias aéreas, qualquer pessoa que impossibilite o espaço de um outro passageiro e não consiga prender o cinto de segurança ou abaixar os apoios de braço pode ser solicitada a comprar um assento adicional tanto como uma precaução de segurança quanto para o conforto de todos os passageiros. A passageira em questão no Aeroporto de Beirute foi inicialmente extremamente rude e agressiva com a equipe de check-in quando um de seus acompanhantes não apresentou a documentação PCR necessária para entrada no Brasil. Como resultado, a segurança do aeroporto foi solicitada a intervir, pois funcionários e passageiros estavam extremamente preocupados com a situação. Podemos confirmar que a passageira já foi realocada em um voo da Qatar Airways esta noite saindo do Líbano com destino ao Brasil."

A resolução da Anac não prevê desconto exclusivo para pessoas gordas, mas o passageiro, de modo geral, com mobilidade reduzida, tem direito ao assento extra com desconto. A situação deve ser avisada à companhia aérea em até três dias antes.

Segundo a Anac, o valor cobrado deve ser de até 20% em relação ao valor total pago.

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que é ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, notificou no dia 28 de novembro a companhia aérea Qatar Airways a prestar esclarecimentos em um prazo de 10 dias.

Segundo a Senacon, a notificação foi enviada após o órgão tomar conhecimento da prática de possível conduta discriminatória a pessoas obesas pela empresa.

"Diversas reportagens noticiaram na imprensa que, no dia 22/11, a QATAR impediu uma consumidora de embarcar em um voo no Líbano, por ter sido considerada 'demasiadamente gorda' pela companhia, condicionando o seu embarque à aquisição de um bilhete na classe executiva ou dois bilhetes na classe econômica. Além disso, a consumidora deveria pagar multa por não ter embarcado na data e no horário do voo", disse a Senacon.

Com base nessas informações e em relatos da modelo nas redes sociais, o órgão ressaltou que "apura se houve prática infrativa na prestação de serviços do grupo Qatar Airways Group".

Dentre outras informações, a Senacon pede esclarecimentos sobre quais são as medidas operacionais que foram ou estão sendo adotadas para eliminar situações como essa, além da política praticada pela empresa direcionada a passageiros obesos.

Juliana Nehme — Foto: Reprodução/Instagram 3 de 3 Juliana Nehme — Foto: Reprodução/Instagram

Juliana Nehme — Foto: Reprodução/Instagram

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