Governo Lula começa sob pressão e sem a ‘folga’ dos 100 dias na economia

Fernando Haddad e Lula durante o primeiro comício da campanha da chapa em SP, no Vale do Anhangabaú — Foto: WAGNER ORIGENES/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO 1 de 1 Fernando Haddad e Lula durante o primeiro comício da campanha da chapa em SP, no Vale do Anhangabaú — Foto: WAGNER ORIGENES/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Fernando Haddad e Lula durante o primeiro comício da campanha da chapa em SP, no Vale do Anhangabaú — Foto: WAGNER ORIGENES/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Os primeiros 100 dias de governo são conhecidos como uma espécie de “lua de mel” entre o político que chega a um cargo e seu eleitorado. Mas o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não desfruta do tradicional tempo de tranquilidade, em especial na economia.

Analistas de mercado e economistas ouvidos pelo 💥️g1💥reconhecem que a cobrança é mais intensa que a média — visto que, a rigor, o mandato começou há apenas 20 dias —, mas atribuem parte da culpa aos sinais dúbios do presidente e de seus novos ministros.

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Certa forma, o que antecipou a pressão contra o governo Lula foi a completa abdicação de um processo de transição da gestão de Jair Bolsonaro (PL) depois da derrota nas urnas.

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Foram os ministros de Lula que tomaram a frente das negociações para remendar o orçamento enviado ao Congresso Nacional pelos bolsonaristas. O documento não previa recursos para o funcionamento de programas básicos em 2023, entre eles o Farmácia Popular e o Bolsa Família de R$ 600.

Antes mesmo de subir a rampa do Palácio do Planalto, Lula precisou gastar capital político para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que desafogou os recursos para o funcionamento do estado e garantiu o aumento permanente do antigo Auxílio Brasil — uma promessa de campanha de ambos os candidatos.

Ao mesmo tempo, pegou mal o desdém petista com agentes econômicos. O mercado financeiro se sentiu atacado no primeiro discurso do presidente eleito na sede do governo de transição, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A indisposição veio em formato de disparo do dólar e bolsa em queda.

Ficou “engasgada” também a promessa do petista de acabar com o teto de gastos antes mesmo de apresentar uma alternativa. E a indicação de Aloizio Mercadante como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não agradou.

O economista e ex-diretor do Banco Central Tony Volpon faz uma analogia com um jogo de tênis, e chama as decisões de Lula de “erros não forçados”. Para ele, as declarações não trouxeram pistas sobre os planos de governo e serviram apenas para dar um tom “beligerante” (conflituoso) à relação com os agentes econômicos.

Por outro lado, o economista também lembra que o mercado projetou expectativas irreais quanto à pauta de gastos sociais e montagem da equipe econômica do novo governo.

“Quebra de expectativa é quando se espera algo provável, mas que não acontece. Era extremamente improvável que o ministro da Fazenda não fosse um quadro do PT, por exemplo”, afirma.

Ao menos quatro planos do governo estão, desde a eleição, sob escrutínio intenso dos investidores: o reajuste do salário mínimo, a ampliação do Bolsa Família para R$ 600, a eliminação do teto de gastos como âncora fiscal do país e a ampliação da isenção do Imposto de Renda para salários até R$ 5 mil.

As medidas fazem parte de um plano de reforço de resgate social do novo governo, que define a empreitada como forma de “colocar o pobre no orçamento”. O mercado torce o nariz porque as medidas geram aumento das despesas do governo, e há expectativa de que seja criada uma compensação para financiá-las sem comprometer ainda mais as contas públicas.

Em entrevista nesta semana à 💥️GloboNews, Lula comentou a questão. Perguntado se via responsabilidade fiscal e social como antagônicas, o presidente disse que “são antagônicas por causa da ganância das pessoas mais ricas”.

Enquanto o presidente avança no discurso, os agentes financeiros cobram a origem do dinheiro. Após a eleição, chegou-se a um consenso de que seria necessário ampliar a dívida do país para cobrir o momento de emergência, mas a dimensão do pacote gerou ruídos.

Fonte do reajuste do Bolsa Família, a PEC da Transição, que libera R$ 145 bilhões das amarras fiscais, teve seu prazo de vigência reduzido no Congresso Nacional para apenas um ano. A determinação impõe que se encontre um financiamento adequado para o programa nos anos seguintes, o que deve ser rediscutido no Orçamento de 2024.

O tempo é curto, pois, com o fim do teto de gastos, o governo precisará encaixar essa e outras medidas embaixo de uma nova regra fiscal para controlar os gastos públicos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) promete entregá-la até abril — próximo, portanto, ao famoso prazo de 100 dias de governo.

Além do novo “arcabouço fiscal” — nome adotado pelo governo —, Haddad apresentou um plano de aumento de receitas e corte em algumas despesas para fazer frente ao déficit previsto no Orçamento deste ano, de R$ 231 bilhões.

O especialista diz ainda que o pacote prioriza aumento de receita e ataca pouco a despesa pública. “Em um país com o tamanho do gasto que temos, não é o mais adequado. O ajuste precisa vir nas duas frentes. Só pelo lado do gasto, seria muito difícil. E, só pelo lado da receita, seria muito custoso para a sociedade”, explica.

Por fim, Haddad caminha para negociar e votar a reforma tributária ainda no primeiro semestre deste ano. A criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) pretende estimular investimentos no país, restabelecer a competitividade da indústria e melhorar a arrecadação.

A economista pondera, contudo, sobre a capacidade do governo de manter o foco em meio à cena política ainda conturbada em Brasília. Não bastasse o resultado apertado das eleições, que cria uma animosidade logo no início do governo, a invasão terrorista dos prédios dos Três Poderes mobilizou tempo e esforço da alta cúpula de Lula.

O 💥️g1 procurou o Ministério da Fazenda para aprofundar o cronograma de medidas, mas a pasta não concedeu entrevista.

Em viagem a Davos, para participação no Fórum Econômico Mundial, o ministro Fernando Haddad deu as mesmas pistas que repetia no Brasil: diminuição do déficit, envio de arcabouço fiscal até abril e reforma tributária no primeiro semestre.

Mas também afirma que a relação com o mercado melhorou nas últimas semanas com o alinhamento de expectativas.

Antes de um jantar com investidores e banqueiros, o ministro afirmou que a agenda proposta é uma oportunidade de “transformar essa herança delicada” deixada pelo governo anterior, mas que procura também realizar mudanças estruturais.

Ainda que o plano de aumento de arrecadação apresentado pela Fazenda seja um primeiro passo em direção positiva, os analistas esperam mais.

Tony Volpon acredita que houve alguma acomodação dos planos do governo, e principalmente uma definição de método: Lula montou um contrapeso de economistas ortodoxos por meio do Ministério do Planejamento, comandado por Simone Tebet, e será a voz final nos encaminhamentos.

“Os ânimos estavam aflorados dos dois lados. Isso passou e podemos julgar os atos concretos do governo federal”, afirma.

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