A polêmica decisão de reescrever trechos de livros de autor da 'Fantástica Fábrica de Chocolate'
Ilustrações de Quentin Blake baseadas em alguns dos personagens de Roald Dahl — Foto: BBC
A editora britânica que edita os livros do autor infantil Roald Dahl (1916-1990) decidiu remover conteúdo que considera ofensivo dos livros do escritor que estão sendo relançados agora.
Nas novas edições dos livros — inclusive no clássico e —, as referências a gênero, aparência e peso dos personagens foram apagadas ou modificadas.
Os curadores e editores de Dahl disseram que os romances foram atualizados para melhor atender o público moderno. Os livros são editados pela Puffin Books, do grupo Penguin Random House.
Parte da opinião pública mostrou concordar com as mudanças, mas muitos se manifestaram contra, incluindo o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak.
O porta-voz de Sunak afirmou que as obras de ficção devem ser "preservadas, e não retocadas".
Tomando emprestada uma palavra de Dahl, o porta-voz do primeiro-ministro disse: "Quando se trata de nossa rica e variada herança literária, o primeiro-ministro concorda com o grande e bem-humorado gigante BFG [personagem da obra ] que não devemos 'gobblefunk' (brincar) com as palavras".
No Brasil, algo semelhante aconteceu em 2023 com os livros infantis do autor Monteiro Lobato (1882-1948), criador do Sítio do Picapau Amarelo. Diversos termos considerados racistas foram retirados de seus livros, em uma revisão conduzida pela bisneta do autor.
O escritor Salman Rushdie também criticou a mudança.
"Roald Dahl não era um anjo, mas isso é uma censura absurda", postou o autor de em seu Twitter.
"A Puffin Books e os responsáveis pelo legado de Dahl deveriam se envergonhar."
A Roald Dahl Story Company afirmou que as mudanças que surgiram do processo de revisão — iniciado em 2023 — foram "pequenas e cuidadosamente analisadas".
O autor Philip Pullman disse à BBC que seria melhor deixar os livros de Dahl "desaparecerem" do que reescrevê-los se eles hoje são considerados ofensivos.
Mas a poetisa e autora indiano-britânica Debjani Chatterjee discorda. Ela acha "uma coisa muito boa que os editores estejam revisando seu trabalho".
"Acho que foi feito com bastante sensibilidade", disse à BBC.
Ela deu como exemplo a mudança da palavra “gordo” para “enorme” nos textos. Segundo ela, o novo termo “está ainda mais divertido”.
"Não há razão para BFG não ter uma capa preta. Isso parece absurdo para mim", afirmou o autor de livros infantis John Dougherty à BBC.
"No caso de Augustus Gloop, por exemplo, o ponto principal do personagem é que ele está muito acima do peso porque não para de comer, é um glutão."
"Pode haver um argumento de que no mundo de hoje isso é ofensivo", pontua Dougherty.
"Acho que se você decidir que é assim, a única solução é tirar o livro de circulação. Não acho que você pode dizer 'vamos mudar as palavras de Dahl, mas manter o personagem'."
Kate Clanchy, uma ex-professora que revisou suas próprias memórias depois de ser criticada por alguns trechos, disse que os livros infantis devem ser tratados com cuidado especial.
"Augustus Gloop é um personagem ganancioso. Ele continuará sendo moralmente ganancioso e sua ganância moral estará errada, quer tenhamos ou não muitas referências de como ele é gordo, o que eu acho que pode ser irritante."
Laura Hackett, vice-editora literária do jornal The Sunday Times, disse que continuará a ler os originais dos livros de Dahl para seus filhos em "toda a sua glória completa, desagradável e colorida".
“Acho que a malícia é o que torna Dahl tão divertido. Você adora quando, em , Bruce Bogtrotter é forçado a comer o bolo de chocolate inteiro para não ficar preso no Chokey [um dispositivo de tortura]. É isso que as crianças adoram."
"E remover todas as referências a violência ou qualquer coisa que não seja limpa, agradável e amigável é remover o espírito dessas histórias."
2 de 2 Roald Dahl é um dos autores infantis mais populares do Reino Unido — Foto: BBCRoald Dahl é um dos autores infantis mais populares do Reino Unido — Foto: BBC
Os livros foram modificados após serem revisados por leitores orientados a buscar conteúdo potencialmente ofensivo nas obras.
A empresa que administra o legado do autor, a Roald Dahl Story Company, trabalhou com as editoras Puffin e Inclusive Minds, coletivo que trabalha pela inclusão e acessibilidade na literatura infantil.
Um porta-voz da The Roald Dahl Story Company afirmou que queria "garantir que todas as crianças continuem a desfrutar das maravilhosas histórias e personagens de Roald Dahl".
“Nosso princípio norteador em todos os momentos tem sido preservar as histórias, os personagens e a irreverência e o espírito incisivo do texto original”, acrescentou.
Dahl, que morreu aos 74 anos em 1990, continua sendo um dos autores infantis mais populares do Reino Unido. Em 2023, a Netflix comprou os direitos de suas obras.
Comentários antissemitas que ele fez ao longo de sua vida o tornaram uma figura problemática nos dias de hoje.
Em 2023, sua família se desculpou publicamente pela "dor duradoura e compreensível causada pelas declarações antissemitas de Roald Dahl".
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