Entrevista: Coaf usurpou competência e STF vai buscar solução que respeite individualidade, diz Toffoli
Em entrevista, ministro do STF aborda questões como as declarações dos filhos do presidente, Lava Jato, terras indígenas e a indicação de Augusto Aras (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) usurpou suas competências ao repassar diretamente a órgãos de investigação o levantamento da movimentação financeira de “alvos específicos” sem autorização do Poder Judiciário, e garantiu que o STF vai buscar uma solução que impeça o Estado de perseguir indivíduos.
Em entrevista à Reuters na véspera de completar um ano no comando do Supremo Tribunal Federal, Toffoli disse que a decisão que suspendeu processos baseados no compartilhamento de informações do Coaf com o Ministério Público sem autorização judicial foi em defesa da “cidadania” e da “sociedade”, quando perguntado se ela tinha por objetivo salvar o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.
“Esses órgãos passaram a pedir diretamente ao Coaf para que ele levantasse a movimentação financeira de alvos específicos, na verdade, subvertendo aquilo que eles deveriam pedir ao Judiciário. O Coaf passou a agir em substituição ao Poder Judiciário, uma usurpação de competência. Então, o que é que foi feito: foi feito a suspensão desses casos, dessas irregularidades”, disse.
“É em uma minoria que houve algum tipo de exacerbação e isso faz parte de um aprendizado. E daí nós vamos deliberar sobre isso e com certeza vamos encontrar a melhor solução possível para que se respeite a individualidade de cada um, que não se permita um Estado autoritário que invada a vida das pessoas e persiga pessoas individualizadamente”, acrescentou.
Em julho, Toffoli suspendeu liminarmente uma investigação contra Flávio Bolsonaro e outros em que houve compartilhamento individualizado de dados do Coaf sem aval do Judiciário. Ele disse que o caso será julgado pelo plenário em 21 de novembro, embora “em tese” possa ser antecipado.
Questionado se a decisão tomada por ele foi para salvar Flávio Bolsonaro, Toffoli respondeu: “É uma decisão em defesa da cidadania, defesa de toda a sociedade.”
Lava Jato
O presidente do Supremo destacou que o Brasil criou uma institucionalidade muito forte, moderna e contemporânea em relação ao combate à corrupção. Mas, cauteloso durante uma hora de entrevista, fez uma ponderação.
“Cabe às instituições que passaram a ter maior poder, maior responsabilidade. Os exageros prejudicam, além do cidadão, além da sociedade, prejudicam as próprias instituições… Então, na verdade, são essas próprias instituições que têm que se olhar no espelho e ver os erros que estão cometendo e fazer as coisas direito”, disse.
O presidente do STF rebateu as críticas de que o Supremo atua contra a operação Lava Jato.
Ele destacou que o STF julga recursos a respeito de determinações e investigações e, na maioria dos casos, concorda com as determinações adotadas. Reforçou ainda que instrumentos legais aprovados para aperfeiçoar o combate à corrupção adotados pela operação, como a delação premiada, foram sugeridos pelo Judiciário a outros Poderes.
“Na grande maior parte delas, o Supremo manteve as decisões tomadas, seja em Curitiba, seja no Rio de Janeiro, seja nos tribunais regionais federais respectivos. É que, às vezes, uma outra decisão que estabelece alguma decisão discordante, que reforma uma decisão anterior, fica parecendo que é contra a Lava Jato. Não, isso faz parte do sistema de controle democrático dentro do Judiciário”, disse.
Toffoli refutou que o Supremo esteja conta a operação.
“Nunca. A Lava Jato só existe graças a dois pactos republicanos para o Legislativo e para o Executivo propostos por dois ex-presidentes de Supremo, Nelson Jobim e Gilmar Mendes. Estão lá todos aqueles projetos de lei, aquelas políticas públicas”, completou.
Questionado sobre se as reportagens que apontariam uma atuação parcial do ex-juiz e ministro da Justiça, Sergio Moro, podem mudar a operação, Toffoli não respondeu diretamente. Disse que os casos colocados serão analisados pelos relatores e turmas.
“Eu nem tenho conhecimento que caso concreto já chegou aqui, então não tenho nem como falar sobre isso. Em relação a casos que vão para o plenário, não tenho conhecimento de nenhum”, disse, ao frisar que o presidente do STF não interfere no funcionamento das turmas.
Toffoli preferiu também não comentar sobre os vazamentos, cujas conversas de procuradores chegaram a envolvê-lo nominalmente. Também não opinou sobre se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mereceria um “julgamento justo”, conforme defendeu o ministro Gilmar Mendes em recente entrevista à Reuters. “Não conheço o caso específico dele (Lula). Está na turma”, disse.
Democracia
O presidente do Supremo lembrou que vários estudiosos consideram que a democracia está numa situação de ataque, o que não é algo específico do país, mas afirmou que não existe qualquer risco real à democracia brasileira.
Ainda assim fez uma ponderação: “A democracia tem que ser sempre regada. Ela tem que ser sempre lembrada, colocada como algo necessário, como aquele que pode não ser um sistema perfeito, mas é o menos ruim de organização de uma sociedade.”
Questionado sobre a declaração do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, feita dias atrás no Twitter de que “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”, o presidente do Supremo disse: “Não vejo relevância nessa fala para ter que dar uma resposta.”
Alegações e Segunda Instância
O presidente do Supremo afirmou que “em breve” deverá incluir na pauta do plenário o julgamento sobre o momento em que um réu delatado deve apresentar suas alegações finais (manifestação no processo em que se defende antes do julgamento).
No fim de agosto, a Segunda Turma do STF anulou uma condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine proferida pelo então juiz Sérgio Moro, com o argumento que ele deve apresentar suas alegações por último e não ao mesmo tempo em que os delatores, como ocorreu na ação penal.
Toffoli disse que o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, liberou um caso em que discute essa tese para o plenário, pedindo preferência, e que vai colocar na pauta (cabe ao presidente do Supremo fazer essa pauta).
O caso, disse, deverá ser julgado antes de uma eventual discussão pelo plenário da execução da pena de prisão após condenação em segunda instância.
“Ainda não há previsão. Há sempre especulação. Lá no mês de julho se dizia: ‘vai ser em agosto’… Agora em setembro já fala que vai ser em outubro. É sempre um bom chute, uma hora acerta”, disse.
“Não há uma definição ainda. Essa da questão do habeas corpus relativo à ordem de alegações finais, essa eu penso que é importante julgar porque ficam vários casos que estão pendentes disso, né? A segunda instância já houve uma deliberação em cautelar, ela não tem uma urgência tão grande quanto esse caso específico que a Segunda Turma teve um posicionamento, é importante que isso seja uniformizado para orientação do Judiciário”, completou.
Fake News
O presidente do Supremo defendeu a abertura do chamado inquérito das fake news contra autoridades e parentes de ministros da corte. Disse que, em situações extremas, “você tem que tomar medidas que também não gostaria”. Destacou, entretanto, que após a abertura de investigação em março, caíram em 80% os ataques nas redes sociais, segundo o relator Alexandre de Moraes.
“O que demonstra que muitas dessas manifestações, elas não eram sequer seres humanos eram de robôs que ficavam para dar um ambiente de instabilidade institucional”, disse.
Questionado sobre a reação de parlamentares que tentam criar uma CPI sobre o Judiciário, pedidos de impeachment de ministros e manifestações em frente ao tribunal, Toffoli disse que há um processo de crítica às instituições, o que não é exclusivo do Brasil. Citou que, em recente visita à Suprema Corte de Israel, soube que havia projetos em discussão para discutir aquele tribunal.
“Eu vejo isso como parte da democracia, da liberdade de expressão da democracia. Agora, sempre bom lembrar, não há Estado Democrático de Direito sem um Judiciário independente e sem uma Corte Constitucional”, ponderou.
Terras Indígenas
O presidente do Supremo defendeu a aprovação de uma lei pelo Congresso que permita a exploração em áreas indígenas do seu subsolo. Ele destacou que a Constituição prevê a necessidade de uma lei para estabelecer esses critérios de exploração, mas jamais foi editada em quase 31 anos de vigência do texto constitucional.
“Eu penso que é importante ter essa lei. Primeiro, porque dá efetividade ao comando da Constituição. Segundo, muitas vezes não tendo a organização do Estado, acaba havendo explorações clandestinas, muitas vezes com o uso de substâncias que vão poluir os rios, como o mercúrio. Então é muito melhor que o Estado organize isso, estabeleça critérios do que isso ficar sendo explorado de maneira clandestina”, afirmou.
“Não vejo como um tabu (essa discussão), desde que se respeitem os parâmetros da Constituição e a Constituição prevê a possibilidade dessa lei”, reforçou.
O presidente Jair Bolsonaro já se manifestou publicamente a favor dessa eventual exploração de terras indígenas, o que tem sido alvo de críticas.
Augusto Aras
Sobre a indicação de Bolsonaro do subprocurador-geral da República Augusto Aras para chefiar o Ministério Público Federal, Toffoli disse que é uma prerrogativa do presidente e cabe ao Senado aprovar ou rejeitar, após sabatina.
Destacou que o importante era que fosse um subprocurador-geral da República, último nível da carreira, para não ficar desequilibrado. Ele também minimizou o fato de Aras ter sido escolhido sem integrar a lista tríplice feita pela associação da categoria.
“É uma opção do ponto de vista do presidente de seguir ou não. Não há nenhum mandamento constitucional em relação a ser obrigatória a escolha dentro da lista tríplice”, disse.
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