Enfoque: Hidrelétrica perde espaço e Brasil busca prever vento e sol para operar rede
Hidrelétricas caminham para perder o protagonismo na matriz elétrica do Brasil (Imagem: Pixabay)
Após décadas de domínio, as hidrelétricas caminham para perder o protagonismo na matriz elétrica do 💥️Brasil, onde a acelerada expansão das usinas eólicas e da geração solar fotovoltaica deverá levar a mudanças importantes na operação do sistema elétrico ao longo dos próximos anos.
Se antes o suprimento de energia era assegurado por reservatórios hídricos com capacidade para suportar até anos de consumo, agora parte crescente da oferta está associada ao sol e ao vento, que variam fortemente durante o dia, disse à Reuters o diretor-geral do 💥️Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata.
Em meio a essa nova realidade, o órgão que gerencia o acionamento de usinas de geração e o uso de linhas de transmissão para garantir o suprimento elétrico do país tem buscado ferramentas para lidar com a incerteza associada à produção dessas novas fontes renováveis.
O ONS desenvolveu um aplicativo que utiliza dados de previsões de vento fornecidos por instituições especializadas para projetar a geração das usinas eólicas, e um sistema semelhante está sendo criado para permitir previsões também sobre a produção dos parques solares, que começam a ganhar espaço no país.
“Temos percebido um aumento da volatilidade. É uma mudança enorme em relação aos tempos passados, quando a matriz era basicamente hidrotérmica”, disse Barata, que prevê que o sistema de projeções solares esteja operacional em dois anos.
“A gente, com isso, já antecipadamente sabe mais ou menos que providências têm que ser tomadas no sistema, de forma a compensar (a variação da geração eólica e solar)”, acrescentou.
Projeções do governo no mais recente Plano Decenal de Energia, com diretrizes para expansão do 💥️setor elétrico até 2027, apontam que hidrelétricas devem ver sua fatia na matriz cair para 51% no período, contra 64% em 2018, enquanto fontes alternativas, principalmente eólicas e solares, devem saltar para 28%, de 22% atualmente.
As usinas hídricas já chegaram a representar mais de 80% da capacidade do Brasil nos anos 80 e 90.
Mas dificuldades no licenciamento ambiental que ajudaram a reduzir o ritmo de construção de hidrelétricas ainda fizeram com que os novos empreendimentos da fonte fossem construídos principalmente sob o modelo “a fio d’água”, sem reservatórios, o que reduziu a chamada “capacidade de regularização” do sistema.
Só entre 2005 e 2017, a capacidade dos reservatórios hídricos de atender à demanda mesmo em cenário crítico de chuvas caiu de 27 meses para 16,4 meses, segundo cálculo do centro de estudos Acende Brasil.
“Esse é o tema mais importante, na minha opinião… é uma dádiva termos construídos todos esses reservatórios no passado, senão a entrada das eólicas seria quase impossível”, disse o professor Adilson de Oliveira, do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE-UFRJ).
Nesse sentido, pode-se ainda dizer que o Brasil é privilegiado, uma vez que a maior parte dos países que hoje tentam mitigar a intermitência das novas fontes renováveis pode recorrer apenas a termelétricas a combustíveis fósseis, que além de mais poluentes são menos eficientes que a geração hídrica para a tarefa.
“Hoje, a hidrelétrica é a tecnologia mais efetiva a nível mundial para fazer esse ‘backup’, e o Brasil é campeão mundial em hidrelétricas”, disse o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso.
Espaço para o gás
Apesar da sustentação oferecida pelo parque hidrelétrico às renováveis, outras soluções devem ser necessárias para garantir a manutenção da confiabilidade do sistema no médio e longo prazos, principalmente em momentos de pico de demanda, até mesmo pelo efeito das mudanças climáticas e de outros usos da água sobre a geração hídrica.
Gás do pré-sal é visto como com combustível menos poluente, diz Barroso, da PSR(Imagem: Simon Dawson/Bloomberg)
“No futuro, essa flexibilidade vai diminuir… a hidrelétrica sai do papel de ser carro-chefe, o insumo, para ser uma fornecedora de serviços que permitam a integração efetiva de renováveis e de outras tecnologias, como a própria geração térmica”, disse Barroso, da PSR.
Ele disse que o país pode aproveitar o gás do pré-sal para ter essa complementação com combustível menos poluente, visto como “de transição”, além de utilizar tecnologias como baterias, e apostar na expansão do sistema de transmissão, para levar energia de uma região a outra.
“O Brasil tem um bom problema, que é ter um conjunto muito grande de opções. Ao longo dos próximos anos ou décadas, o país vai ter que fazer suas escolhas. É uma busca que todos estão fazendo hoje nos mercados de energia do mundo, nenhum país tem uma resposta de como fazer isso, é um trabalho em andamento.”
À medida que essas transformações na matriz se concretizem, com mais renováveis eólicas e solares e térmicas a gás, o novo papel das hidrelétricas vai se consolidar, o que mudará até o comportamento dos reservatórios.
Atualmente, os lagos das usinas geralmente “guardam água” durante a época de chuvas, de novembro a abril, para depois esvaziarem lentamente ao longo do chamado “período seco”, mas isso não deverá mais ser necessário devido à grande geração eólica no Nordeste e à presença do gás, disse Barata, do ONS.
“Daqui a uns 15 anos, não vamos mais ter um regime como é hoje. Os reservatórios passarão a operar ‘flat’ (estáveis), porque vou ter na base as térmicas a gás e vou ter solar e eólica (como complementares)”, disse Barata.
Essa estabilidade maior do sistema teria reflexo em questões como bandeiras tarifárias, que geram custos extras para o consumidor quando a oferta de energia é baixa.
As eólicas somam hoje 15 gigawatts (GW) em operação no Brasil, enquanto as solares têm 2 GW, contra 100 GW em hidrelétricas. O Plano Decenal do governo prevê que até 2027 as usinas a vento podem ganhar 10 GW adicionais e as solares 5 GW, enquanto as usinas hídricas de maior porte devem crescer pouco mais que 1 GW.
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