Felipe Miranda: Rali de fim de ano?
Colunista discorre sobre possibilidade de valorização de ativos com entrada de estrangeiros (Imagem: Empiricus Research)
Em pouco tempo, estaremos ouvindo aquele clássico da Simone. Isso é terrível. Bom, mas tudo tem um lado bom. Vamos a ele.
As estrelas da NBA brilham no quarto quarto. O atleta verdadeiramente craque, aquele sujeito diferente dos demais, sabe a importância de ser decisivo, destacar-se ao final do embate e escrever a história em caráter definitivo. Michael Jordan sabia quem era e, por isso mesmo, reconhecia a necessidade de dar títulos ao Chicago Bulls.
Hoje começa o quarto quarto do ano. “Nossa, mas como passou rápido. Ontem mesmo estávamos vestidos de branco em Trancoso.” Logo, logo, estaremos ouvindo frases como essas contidas entre aspas. No meu caso, seria na paradisíaca Long Beach. Aqui em Santos, sabe?
Então, vamos nos antecipar ao que chegará aos nossos ouvidos nas próximas semanas. Isso porque se antecipar a uma tendência significa ganhar dinheiro. Entre os craques do mercado financeiro, só há espaço para os “early adopters”, aqueles que enxergam à frente.
Como diz John Tuld, o personagem de Jeremy Irons em “Margin Call”, na minha (péssima) tradução livre: “Há três maneiras de ganhar a vida neste nosso negócio: seja o primeiro, seja mais esperto ou trapaceie.
Bem, eu não trapaceio. E embora eu goste de pensar que temos uma porção de pessoas inteligentes nesta sala, é certo que ser o primeiro é a forma muito mais fácil de conseguir”.
Sejamos, portanto, os primeiros a nos debruçar sobre a pergunta que logo será colocada pelo consenso: “Vai ter rali de fim de ano?”.
Só há uma resposta honesta possível para essa pergunta: eu não sei. Ninguém sabe. Aqui, somos investidores em essência. E o ato de investir, segundo definição de Aswath Damodaran, representa comprar algo por menos do que vale. Não há qualquer referência temporal no investimento. Portanto, para um investidor (não um especulador) a expressão “rali de fim de ano” carece de sentido.
Até poderia lembrar os quatro leitores desta newsletter que não acredito em bruxas, apesar de saber que elas existem. Mas deixemos as crenças e as superstições de lado.
O ponto central é que poucas vezes estive tão convicto no prognóstico positivo para os ativos de risco brasileiros, mais notadamente Bolsa e juro longo. Os momentos de grande convicção são bastante raros. Quando se está diante deles, você precisa ir na jugular. E é justamente isso que eu proponho para este momento.
Comecemos do mais quente e imediato: a votação da reforma da Previdência no Senado. É evidente que boa parte do efeito disso já está embutido no apreçamento dos ativos, posto que a expectativa de consenso aponta, amplamente, para uma aprovação sem grande desidratação no texto original.
Contudo, a real materialização da questão implica, sim, um driver importante para nossos ativos de risco. Primeiramente, porque existem investidores institucionais de peso esperando a concretização do fato para aumentarem sua posição em Bolsa brasileira — não é uma opinião ou uma especulação; eu falei pessoalmente com alguns deles (grandes, inclusive).
Funciona mais ou menos assim: ainda que o risco de não aprovação seja muito, muito baixo, seu efeito seria tão destruidor que poderíamos esperar passar para entrar depois. Do tipo: “Já que esperamos até aqui, deixa rolar primeiro; entramos depois, perdendo um pequeno potencial de valorização inicial, mas entrando num nível de risco substancialmente inferior”.
Poderia apresentar o caso quase como um exemplo de livro-texto do chamado “efeito certeza”, típico das Finanças Comportamentais. Leva-se ao preço dos ativos um impacto importante quando se tem a real concretude do fato.
Em termos psicológicos, passar de 96 para 98 por cento de chance não é a mesma coisa que passar de 98 para 100 por cento de chance. O impacto da segunda transição é muito maior, ainda que matematicamente, ou de acordo com a definição da racionalidade econômica estrita e perfeita, pudesse ser.
Veja também que boa parte do investidor estrangeiro se alijou do Brasil há muito tempo e hoje acompanha nossas mazelas mais de longe, ainda sendo sensível a notícias como esta mais recente de que o país testa a paciência de Wall Street com a morosidade na aprovação final da reforma da Previdência. Precisamos limpar em definitivo esse ponto, passar para uma nova fase.
Aí possivelmente começaremos a atrair o capital gringo. Não nos demos, por outro lado, a expectativas ingênuas. Não quero dizer com isso que, após a reforma da Previdência, seremos inundados por dólares e moedas de ouro feito o Tio Patinhas.
Não é tudo ou nada, maniqueísmo do bem contra o mal, calça de veludo ou bumbum de fora. Trata-se de um movimento importante, em meio a vários outros, uma longa maratona com obstáculos superados no meio do caminho.
Outro ponto importante me parece ser as chances bastante razoáveis de que o mercado esteja subestimando o crescimento prospectivo da economia brasileira no curto prazo. Aqui nem falo em termos estruturais. Estou me restringindo à expansão cíclica.
Até acho que temos sérias restrições para ganho de produtividade e um baixo PIB potencial. Mas esses são, a grosso modo, problemas do supply side (do lado da oferta agregada).
Agora, temos folga de oferta e sempre conseguimos crescer nessas situações, conseguindo expansão cíclicas de demanda para preencher grandes hiatos do produto (folga de oferta).
Um primeiro ponto diz respeito ao fato de que, talvez, apenas talvez, a economia brasileira já esteja melhor do que as medições mais tradicionais conseguem capturar. Lembre-se de que o PIB é uma cesta fixa de bens e serviços produzidos num país num determinado período de tempo.
Enquanto você não atualiza a metodologia de cálculo dessa cesta, ela não incorpora coisas ligadas à nova economia. Coisas parecidas acontecem com o emprego formal, num mundo em que a dinâmica do mercado de trabalho e as relações profissionais são cada vez mais fluídas, mais informais, mais temporárias e mais tênues.
Fintechs, plataformas digitais em geral, Uber, Lyft e outras parecidas podem estar subdimensionadas — pense que talvez estejamos falando de 600 mil motoristas de Uber no Brasil; é muita coisa.
Outra questão se refere à retomada do crédito, tanto à pessoa física, que se acelera fortemente num momento em que o balanço das famílias está bastante saudável, quanto para empresas, sobretudo pequenas e médias, agora que os bancos grandes brasileiros têm conforto em voltar a emprestar.
Essas movimentações não são lineares e graduais, como nada na vida real. Elas acontecem em saltos súbitos e pronunciados.
Com o mercado de trabalho mais aquecido, conforme mostrado recentemente pelo Caged, a retomada do crédito e a liberação de 40 bilhões de reais em contas do FGTS, podemos ter um salto importante no consumo já a partir do quarto trimestre.
Num primeiro momento, teremos mais uma vez um crescimento puxado pelo consumo. E, depois, entra o investimento, tanto de um capex de manutenção (esquecido pela imperiosa necessidade de sobreviver à crise) quanto de um amplo programa de concessões e privatizações — não subestimem o que o brilhante Salim Mattar pode fazer por este país.
Lembro ainda dos efeitos tradicionalmente defasados da política monetária. Ninguém sabe o que é conviver com juros básicos inferiores a 5 por cento ao ano por bastante tempo.
Nunca na história deste país (desta vez, é verdadeira a expressão) vimos juros civilizados. Quantos negócios e projetos que precisam de capital podem ser viabilizados com essa nova realidade? E a sensibilidade da construção civil a esses níveis de juro?
Muitos argumentam que os economistas têm sistematicamente superestimado, ex-ante, o crescimento do PIB brasileiro, o que é verdade. Foi uma decepção atrás da outra nos últimos anos.
Mas mais do que ser um erro sistemático e um viés dos modelos, as frustrações podem apenas decorrer da impossibilidade de se prever o futuro mesmo. Se erramos para cima, é natural esperarmos que também podemos errar para baixo.
E eu acho que as condições estão colocadas para isso. Há muito mais upside do que downside para as estimativas de crescimento.
O que poderia, então, atrapalhar os mercados brasileiros? Alguma surpresa negativa lá de fora, onde ainda existem muitas incertezas. Mas daqui talvez também venham surpresas positivas. O grande risco à economia global hoje é a guerra comercial entre EUA e China.
Conforme já dito aqui, há dois cavaleiros de Thanatos acelerando em direção ao precipício. Parece razoável supor que ambos vão parar antes. A China precisa de crescimento econômico forte para conter as pressões sociais. E Donald Trump sabe da importância de evitar uma recessão nos EUA e garantir a festa em Wall Street para assegurar sua reeleição.
Há um risco de que a racionalidade não prevaleça? Sim, sempre há. Mas, neste caso, ainda parece razoável apostar na vitória da razão. Por um simples motivo: porque ela se liga a uma estratégia de sobrevivência.
Então, se tivermos notícias positivas das trincheiras da guerra comercial, veremos o driver que faltava ao retorno do fluxo estrangeiro aos mercados emergentes, entre os quais o Brasil deve ser um dos grandes vencedores, justamente porque será um daqueles com maior aceleração do crescimento. Do jeito que o gringo gosta.
Eu posso não acreditar, mas que as bruxas existem, existem.
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