Renan Poli: O necessário plano pós-guerra
“Com severa repercussão no mundo político e jurídico, o novo capítulo da crise tem tudo para ser mais um obstáculo ao necessário planejamento de médio e longo prazo para a recuperação do país” (Imagem: Agência Brasil/Marcelo Camargo)
Vivenciamos na última sexta (24) o início de mais uma dura batalha em terras brasileiras. Em meio à pandemia, com sucessivos recordes de mortos e contaminados e o início do colapso do sistema de saúde em diversas regiões do país, divergimos a atenção necessária no front para a batalha entre o supremo chefe do executivo e seu abnegado ex-ministro da justiça. Com severa repercussão no mundo político e jurídico, o novo capítulo da crise tem tudo para ser mais um obstáculo ao necessário planejamento de médio e longo prazo para a recuperação do país.
Não obstante a perda de foco, aguarda nova tramitação na Câmara dos Deputados a PEC do Orçamento de Guerra (PEC n° 10/2020), com a única certeza de que, quando aprovada, estará longe de satisfazer a superação da crise.
Incapaz de dar qualquer perspectiva de estabilidade, segurança jurídica ou mesmo constitucionalidade, servirá, quando muito, como uma espécie de tampão burocrático para se ultrapassar o teto de gastos e garantir que uma enxurrada de títulos podres seja comprada pelo Banco Central com precária legitimidade.
Tudo isso enquanto aguardamos a passagem pelo pico de contágio da doença e o surgimento de ideias consistentes a serem implementadas quando acender alguma luz no fim do túnel. O verdadeiro Plano Marshall ainda está por vir.
Não importa se haverá abertura de procedimento de impeachment ou não. Não importa se será Guedes, algum ministro indicado por Mourão ou o Congresso a liderar a construção de um novo e sustentável plano.
Ele precisa ganhar corpo e perspectiva de execução. E rápido. Tal plano deverá ser capaz de dar sustentação à recuperação econômica e ao aumento do emprego, fomentando um novo ciclo virtuoso. Ele precisa quebrar o tabu da discussão sobre a necessidade de uma sócio democracia como a desenhada por nossa Constituição ter um sistema de seguridade social consistente como estratégia de Estado.
O “Plano Pró-Brasil”, também apresentado na última semana pelo ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, parece estar completamente desconectado da realidade e necessidade do país.
General Braga Netto: “Plano Pró-Brasil” desconectado da realidade (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Mais tendendo para uma nova ‘lista de desejos’ improvisada num powerpoint, entrega ser fruto de um governo perdido em perspectivas e nada detalha ou traz de palpável.
Os principais pontos da genérica proposta são gerar emprego e recuperar a infraestrutura. Fala-se de um gasto de R$ 250 bilhões em concessões e parcerias público privadas e R$ 30 bilhões de investimento público. Uma vã tentativa de flertar com a saudosa ideia do liberalismo, cada vez mais inoportuna, dada a conjuntura.
Com base em que perspectiva a temerosa iniciativa privada irá investir no Brasil? Embora as supostas “medidas estruturantes” do “plano” apontem para a necessidade de mitigação dos impactos socioeconômicos, melhoria do ambiente de negócios, segurança jurídica e produtividade, em que realmente consistem?
Como haverá investimentos privados e qual o arcabouço normativo pretendido? O que seria capaz de trazer melhoria para o ambiente de negócios em dada conjuntura? O que se pensa em termos de segurança jurídica quando se é incapaz de validar qualquer MP emergencial por falta de diálogo com demais poderes da República?
Enquanto o governo obscurece-se ainda mais com conflitos e tiros no pé, pergunta-se: afinal, o que falta para um verdadeiro Plano Pós-Guerra?
Nos parece que tal plano, para funcionar para valer e alavancar os negócios no país, deverá considerar as seguintes questões: renovação da indústria nacional; reafirmação da seguridade social; reformulação do sistema previdenciário (sim!) e implementação de uma sustentabilidade enxuta.
O que falta para um verdadeiro Plano Pós-Guerra? (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)
A renovação da indústria se faz necessária para maior segurança nacional em casos de calamidade como o presente. Talvez tenhamos de conviver com a pandemia ainda por um bom tempo. É também uma oportunidade de se gerar empregos e pode oferecer bens de consumo com maior estabilidade, num cenário de importação cada vez mais cara. Investir apenas na infraestrutura não basta. Precisamos deixar de pensar apenas no escoamento da produção agropecuária.
Em tempos de auxílio emergencial e SUS em pleno funcionamento, abandonar o discurso do ultra liberalismo parece sadio. As medidas para combater a crise terão essencialmente a mão do Estado e requer-se a reafirmação da seguridade social em tempos de ampla fragilização social, sob pena de se ingressar em um longo ciclo vicioso.
Em que pese o esforço para a reforma previdenciária, com a nova realidade, desonerar a folha de pagamentos das empresas e reconhecer que o sistema previdenciário de repartição está ainda mais condenado é salutar. Combinada com a reafirmação da seguridade social, é o momento oportuno de se implementar um sistema previdenciário de capitalização, evitando a bomba-relógio demográfica no médio prazo. A cada ano a população se torna mais velha.
Ainda, reformar os sistema de licenciamento ambiental, implementar a reforma tributária e tornar paulatinamente mais fluído o diálogo entre o setor privado e o aparato estatal são as medidas que já eram necessárias, mas se tornam prementes para redução do famoso ‘custo Brasil’.
Tratar com objetividade e de forma enxuta sobre tais temas, ainda que de forma gradual e progressiva, parece ser o razoável para o aumento da competitividade internacional do país e geração de riqueza nacional.
Por fim, nunca é demais reforçar em tamanho caos que se vive. O plano pós-guerra deverá ser capaz de restabelecer a confiança, gerar a união do país e a motivação necessária para maior prosperidade de todos.
💥️Veja a parte 2 deste texto & Renan Poli: O que o plano pós guerra deve prever?
💥️Renan Poli é advogado e empresário e escreve sobre Direito, Política e Sustentabilidade para o Money Times.
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