Regulamentação de profissões é tema de discussão frequente no legislativo

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A regulamentação profissional é importante porque dá segurança jurídica aos trabalhadores e valoriza a atividade (Imagem: Maxime/Unsplash)

O historiador Rafael Nascimento, de 29 anos, tem graduação, mestrado e doutorado pela Universidade de Brasília. É pesquisador e professor da educação básica e de universidade. Apesar do currículo, faltava algo na vida profissional de Rafael: a regulamentação de sua profissão, o que ocorreu há apenas dois anos com a Lei 14.038, de 2023.

A regulamentação de atividade de historiador foi resultado de décadas de reinvindicações e de lutas dos professores e historiadores juntos a Associação Nacional de História (ANPUH). Para Rafael, foi uma grande conquista no sentido de reconhecimento e valorização da profissão.

— Mais do que isso, acho que, em termos práticos para a nossa vida cotidiana, é a garantia de cargos para essa categoria no serviço público, por exemplo, uma vez que há uma necessidade de historiadores em museus e em órgãos públicos, não só no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas em vários outros — comemora o historiador.

A regulamentação da categoria se deu a partir do PLS 368/2009, apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS). A proposta chegou a ser vetada pelo Executivo, sob o argumento que restringia “o livre exercício profissional”, mas teve o veto derrubado pelo Congresso.

Para Paim, a regulamentação profissional é importante porque uma vez regulamentada a atividade, o profissional que a exerce passa a ser obrigado a atender exigências legais, o que dá segurança jurídica aos trabalhadores e, consequentemente, valoriza a atividade. Além disso, defende o senador, as normas que regulamentam as profissões garantem a melhor prestação de serviços, ao exigir profissionais qualificados.

— Entendo que a regulamentação atrai novos talentos, fortalece e valoriza a categoria, especialmente no que diz respeito à criação de associações de classe e de sindicatos, que atuam na defesa desses profissionais. A regulamentação, ainda, delimita os ramos daquela atividade específica e os níveis de desempenho, seja de técnico, tecnólogo ou bacharel, por exemplo. É necessário o mínimo de regras para que sejam garantidos os direitos de todos: profissional, empregador e da própria sociedade — descreve o senador, que também é autor da proposta de regulamentação da profissão de gari (PL 3.253/2019), aprovada no início de julho.

Legislação própria

Ao ser regulamentada, a atividade profissional passa a ter uma legislação própria, que define deveres e garantias para os profissionais, bem como a fiscalização de suas atividades. São definidos requisitos, competências e habilidades que o profissional deve ter para exercer aquela atividade. As leis tratam ainda de jornada de trabalho, atribuições, área de atuação e formação necessária. A regulamentação é feita por meio de projeto de lei no Congresso Nacional sancionada pelo Executivo.

O consultor legislativo do Núcleo de Direito do Senado Marcello Cassiano explica que a regulamentação das profissões tem alguns aspectos técnicos a serem observados. Um deles é a baliza constitucional sobre a matéria, traçada no artigo 5º inciso XIII da Constituição Federal. Esse inciso diz que é livre o exercício de qualquer ofício ou profissão, salvo as restrições que a lei estabelecer.

— O Supremo Tribunal Federal, em jurisprudência mais do que pacificada, entende que só é legítimo regulamentar uma profissão fazendo uma exceção ao princípio do seu livre exercício, quando o seu exercício por uma pessoa que não tem a qualificação adequada colocar em risco interesses indisponíveis do corpo social. Como saúde, segurança, por exemplo — alerta Cassiano.

Desde 2023, o Senado aprovou a regulamentação de pelo menos outras sete atividades profissionais, além de historiador: despachante documentalista, doula, podólogo, compositor, tradutor de braile, profissional de educação física e gari.

Mais cinco regulamentações estão prontas para votação dos senadores: a de psicopedagogo (PLC 31/2010), de secretariado (PLC 177/2017),  de instrumentador cirúrgico (PLC 75/2014), de leiloeiro público oficial (PLC 175/2017)💥️ e de salva-vidas (PLC 42/2013).

Autor do substitutivo ao PL dos salva-vidas, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o senador Humberto Costa (PT-PE) acredita que é um direito irrefutável de todo trabalhador ser reconhecido. Em sua avaliação, regulamentar as atividades garante aos profissionais salários mais dignos, melhores condições de trabalho e redução dos riscos a que são expostos.

— Esse passo é fundamental para homogeneizar a formação e a contratação dos profissionais, bem como dar segurança ao público que por eles é assistido.

O senador Nelsinho Trad (PSD-MS), que relatou na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) a proposta de regulamentação dos profissionais que transcrevem ou revisam textos em braile (PLS 50/2017), agora em análise da Câmara dos Deputados, acredita que a medida preserva direitos e valoriza os trabalhadores.

— No caso do PLS 50/2017, o transcritor e o revisor de textos em braile precisam ter formação obrigatória para a profissão: ensino médio completo e certificado de habilitação expedido por órgãos oficiais ou reconhecidos pelo Ministério da Educação, ou ter exercido a profissão por pelo menos três anos — afirma.

Trad acrescenta que a regulamentação protege também a sociedade, ao garantir que apenas profissionais qualificados exerçam a profissão. O senador admite, porém, que é importante levar em conta o equilíbrio entre os benefícios profissionais e a realidade do mercado, para não dificultar a contratação de profissionais, restringir o processo a interesses corporativistas ou tornar a carreira menos atrativa.

Reserva de mercado

Em fevereiro, o Senado rejeitou a proposta de regulamentação da atividade de terapeuta naturalista (PL 174/2017) por entender que a norma criaria reserva de mercado.

O terapeuta naturalista Davi Loureiro, de 26 anos, atua em Maceió. Ele também é profissional de educação física e sabe, na prática, como é desenvolver atividades de uma área regulamentada e de outra que teve a regulamentação rejeitada pelo Senado.

— Acredito que muitos são os aspectos que geram importância na regulamentação da profissão de terapeuta naturalista. O primeiro deles talvez seja o aspecto do reconhecimento da profissão. Porque eu também sou profissional de educação física e todo mundo sabe o que um personal trainer faz ou o que é. Entretanto, as pessoas desconhecem o profissional que lida com a cura através das ervas ou da natureza, dos sistemas tradicionais ou ancestrais da medicina do ser humano. Então como as pessoas vão a um terapeuta naturalista se nem sabem que essa profissão existe? — pergunta.

O terapeuta afirma que a regulamentação tende a melhorar a função porque quanto mais reconhecimento e capacitados forem todos os terapeutas, a profissão ganha mais força. Dando mais subsídios para a difusão dos conhecimentos, a área também será mais validada.

O consultor Marcello Cassiano afirma que, para regulamentar uma profissão, primeiro deve-se chegar à conclusão de que essa profissão, se for exercida por quem não é qualificado, vai acarretar um risco à sociedade. Assim elimina-se a possibilidade de se regulamentar uma profissão apenas para valorizar determinada categoria.

— A valorização de uma profissão tem de ser dada pelo mercado, ou seja, um mercado que reconheça a importância dessa categoria. Pois bem, se chegarmos à conclusão de que é uma profissão que coloca em risco o interesse social, de nada adianta estabelecer restrições a esse exercício, exigindo, por exemplo, um diploma de bacharelado, se você não tiver um órgão fiscalizador. Porque se uma restrição é estabelecida sem ter o órgão que a fiscaliza, essa restrição no mundo dos fatos não vale nada.

Fiscalização

Porém, o senador reforça que existem atividades que já são fiscalizadas por outros órgãos, como os professores que atuam na educação formal e se submetem à fiscalização dos conselhos de educação nos três níveis de governo: federal, estadual, municipal ou distrital. Os conselhos são órgãos de regulamentação dos profissionais que atuam no exercício da docência em todo o país.

Ele lembra que, recentemente, o Senado analisou o PL 2.486/2021, que dispõe sobre a regulamentação da profissão de educação física e cria o Conselho Federal de Educação Física (Confef). Paim apresentou uma emenda ao projeto para excluir a obrigatoriedade de filiação dos professores da educação formal ao conselho, porque entendia que a categoria já se submete à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.384, de 1996) e aos conselhos de educação, que regulam a atividade do magistério.

O senador argumentou ainda que a obrigatoriedade de cobrança da anuidade dos professores seria mais um ônus para a categoria, que padece há décadas com baixíssimos salários.

— Lamentavelmente, não conseguimos aprovar a emenda ao texto do projeto. No parlamento, como dizia Ulisses Guimarães: “Não houve acordo. Votem senhores e senhoras constituintes”. Prevaleceu a vontade da maioria! — lamentou o senador, que considerou ter havido uma falta de sensibilidade dos colegas para reconhecer que a categoria já possuía mecanismos eficientes de fiscalização da atividade docente.

O texto foi sancionado com vetos, na forma da Lei 14.386, de 2022. Um dos vetos tratou exatamente da competência dada ao Confef de estabelecer, mediante ato normativo próprio, a lista de atividades e modalidades esportivas que exijam a atuação desse profissional.

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