Intriga, mentira e morte: a descoberta de um continente que não existe
New York Times noticiou em 27 de novembro de 1909: "Uma expedição para explorar a Terra de Crocker, o território descoberto pelo Comandante Peary em sua expedição de 1906, terá início no próximo mês de julho, segundo o professor Donald B. McMillan, que fazia parte da equipe de Peary".
Com a conquista dos dois polos, a era das grandes explorações chegou ao fim, mas ainda havia vastidões a serem mapeadas. Boas partes desconhecidas da Amazônia e do Himalaia, por exemplo, e a tal Terra de Crocker, um pequeno continente (ou uma gigantesca ilha) situado entre a Groenlândia e o Polo Norte.
Quem o avistou pela primeira vez foi Robert Peary, um dos maiores exploradores da história dos Estados Unidos. Peary fez uma série de expedições no Ártico no fim do século 19 e no começo do 20. Em uma delas, em 1906, ao tentar chegar ao Polo Norte, ele fracassou.
Frustrado, decidiu mudar a rota de retorno. Em algum ponto ao norte da Ilha Ellesmere, no extremo norte do Canadá, ele afirmou ter avistado uma terra com montanhas e vales, uma paisagem enorme que cobria boa parte do horizonte.
Mas, em 1909, a afirmação de alguém do peso de Peary se impôs, e ainda reforçou a sua história a respeito da Terra de Crocker. Além disso, os cientistas da época tinham motivos para suspeitar de que havia algo de fato na região. Tábuas de marés e os padrões da deriva dos navios no gelo indicariam que existia uma grande massa de terra ali.
No livro, Welky explica que a história da Terra de Crocker era estranha desde o princípio. Logo que Peary retornou aos EUA após a expedição de 1906, ele não falou nada sobre a tal descoberta. Welky vasculhou a correspondência do explorador (incluindo cartas ao próprio George Crocker) e não encontrou nenhuma menção ao território.
Nos diários de bordo de Peary e dos membros da tripulação, não há nenhuma menção a uma suposta nova terra. Mesmo nos rascunhos do livro e em um excerto publicado na revista "Harper's" não existe nada a respeito.
Em 1907, Peary publicou um livro, "Nearest the Pole" ("mais perto do Polo"), em que dedica alguns parágrafos à nova terra. Logo, fica claro, segundo Welky, que tudo foi uma armação de Peary para se autopromover. Um causinho suculento e mentiroso para vender mais livros.
Mas por que um consagrado e bem-sucedido explorador inventaria algo dessa magnitude, como se fosse um reles coach picareta ou um influencer sem noção e sem caráter? Ele poderia ter visto uma ilha de gelo, conjectura Welky. Mas elas não têm picos nem vales. "Será que a gente vai acreditar que o explorador ocidental mais experiente do Ártico iria confundir um iceberg com um continente?", questiona.
Uma possibilidade é que tenha sido uma miragem do tipo "fata morgana". Outros exploradores já contaram terem sofrido os mesmos sintomas no mesmo ponto do Ártico. Os efeitos dessa miragem fazem com que as coisas pisquem, oscilem, balançam. Ainda assim, é difícil confundir com terra firme, avalia Welky.
Após meses de viagem, Piugaatoq, um caçador inuíte com 20 anos de experiência na área, explicou a McMillan, líder da expedição, que tudo havia sido uma ilusão. McMillan insistiu por mais cinco dias no mar gélido até aceitar que o homem estava certo.
Mais tarde, McMillan escreveu:
"O dia estava excepcionalmente claro, se a terra pudesse ser vista, agora era a nossa vez. Sim, lá estava! Nossos poderosos binóculos realçaram mais claramente (...) colinas, vales e picos cobertos de neve (...) Nosso julgamento então, como agora, é que isso era uma miragem."
McMillan confirmou com os próprios olhos que o local era uma fonte abastada de miragens. A casa caiu para Peary, mas não tanto. Ele não foi cancelado, como poderia ser nos dias de hoje, e ainda é considerado um dos grandes exploradores americanos. Ele inventou a Terra de Crocker porque queria mais holofotes e, consequentemente, dinheiro para a bem-sucedida expedição de 1909. Só que de Crocker ele não teve apoio, porque o banqueiro tinha causas mais urgentes para apoiar: San Francisco fora devastada por um terremoto três anos antes.
Quem se deu mal, como sempre, foi o lado fraco da história. Piugaatoq acabou morto covardemente por um membro da tripulação de McMillan durante a viagem de 1913-14.
Quanto às supostas evidências que corroborariam a existência de um pequeno continente perto do Polo Norte, mais tarde os cientistas descobriram que as correntes marítimas atravessam o Ártico pelo Estreito de Bering, se dividem em duas direções e se reencontram perto da Groenlândia.
Ou seja, aquilo que influenciava marés, embarcações e animais não é uma massa de terra, mas o Giro de Beaufort, uma corrente marítima circular, localizada entre o Alasca e o Canadá. Em 1938, veio o último prego no caixão da ilha fantasma: um avião sobrevoou a localização da Terra de Crocker e evidenciou, uma vez mais e de uma vez por todas, que não há terra firme ali.
💥️'Redemoinho' essencial
estudo de 12 anos da Nasa mostrou que o Giro de Beaufort vem, desde os anos 1990, acumulando mais água doce. A causa disso é a perda de gelo marinho no verão e no outono, o que deixou a corrente mais exposta aos ventos, fazendo com que ela girasse mais rapidamente e retivesse mais água.Antigamente, a corrente alterava de sentido horário para anti-horário a cada cinco ou sete anos. Mas ela está há mais de 20 anos na mesma. Os cientistas estão acompanhando de perto, porque se o Giro de Beaufort mudar o sentido, poderá liberar a água acumulada de uma vez, o que traria consequências sérias para o clima, especialmente na Europa.
O aquecimento global está aí. Mas ainda tem quem não acredite. Pior do que ser pego por uma "fata morgana".
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