Amaldiçoada por papa e excomungada: conheça a cidade das bruxas na Espanha
Quem deu tamanha relevância à cidade foi a própria Igreja, que a excomungou. Até aí, coisas que aconteciam na Idade Média. O curioso é que a medida jamais foi revogada. Trasmoz ainda é, oficialmente, uma cidade excomungada e maldita.
💥️Caso único na Espanha
No século 13, os habitantes de Trasmoz entraram em conflito com o mosteiro de Veruela pelo direito de explorar um morro vizinho, fonte importante de lenha. Sem chegar a um acordo, o abade de Veruela resolveu jogar pesado. Convenceu o arcebispo de Tarazona a excomungar todo o povoado, em 1255, baseado nos rumores de práticas diabólicas que já rolavam àquela época.
O povo de Trasmoz levantou armas, e uma pequena guerra civil estava se desenrolando séculos depois. O próprio rei, Fernando II de Aragão, precisou interceder para esfriar os ânimos.
Excomungada, a cidade atraiu pilantras, que passaram a cunhar moedas falsas no interior do castelo e usaram a má fama a seu favor. As marteladas e outros barulhos de metal que emanavam da produção madrugada adentro tinham uma explicação contundente: era bruxaria, ué. Ninguém ia se meter a investigar torres escuras frequentadas por diabos.
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Em 1520, um incêndio destruiu o castelo. A expulsão de judeus e muçulmanos da Espanha, a partir de 1492, contribuiu para o esvaziamento da cidade. Foram essas ruínas que impressionaram os irmãos Bécquer mais de 300 anos depois.
Em 1864, no jornal "El Contemporáneo", Gustavo Bécquer escreveu algumas lendas sobre aquele vilarejo maldito, como a que dizia que o castelo fora construído em uma única noite. Suas "torres escuras e irregulares, os pátios sombrios e os fossos profundos" seriam propícios para bruxarias.
Ele também escreveu sobre uma certa Tía Casca, executada por bruxaria, cujo espírito ainda vagava pelas ruas esvaziadas. "Bastou-me ver seus cabelos esbranquiçados que se envolviam em sua testa como cobras, suas formas extravagantes, seu corpo curvado e seus braços disformes, que se destacavam angulosos e escuros contra o fundo de fogo no horizonte, para reconhecê-la como a bruxa de Trasmoz." (Leia a crônica na íntegra, no original espanhol).
💥️Festa das bruxas
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Hoje, Tía Casca é homenageada em uma praça da cidade. Não só ela. Trasmoz abraçou seu passado "maldito" e o transformou em atração turística. Portas das casas são decoradas com silhuetas de bruxas na campainha. Vassouras ficam penduradas em janelas, como se estivessem prontas para levantar voo.
Atualmente, todo mês de julho Trasmoz realiza uma feira da bruxaria, atraindo algo como 6 mil turistas ao povoado de cerca de 50 habitantes. Os visitantes podem conhecer o pequeno museu de feitiçaria, fazer consultas de tarô, comprar loções de ervas locais, assistir às encenações e conhecer histórias como a de Tía Casca, que se chamava Joaquina Bona Sánchez e foi executada em 1860. Existe até uma premiação de "bruxa do ano".
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Homenagear esse passado foi a forma que a pequena cidade encontrou para não acabar morrendo, como tantas outras no esvaziado interior da Espanha, cada vez mais urbanizada. É um jeito, também, de jogar luz a um assunto tenebroso da história do país.
A caça às bruxas pode ter sido menos virulenta na Espanha do que em outros pontos da Europa selvagem, mas a Inquisição fez um estrago enorme ao julgar 125 mil pessoas por heresia. Dessas, só 1,2 mil foram condenadas à morte, mas isso somente nos tribunais conduzidos pela Igreja, milhares de outros foram executados nas perseguições não-oficiais.
Quase 800 anos depois, a relação entre Trasmoz e Veruela melhorou. Elas se juntam para fazer eventos culturais, e a igreja de Trasmoz não parece a de um lugar tomado pelo demônio: missas, batizados e outros ritos acontecem com frequência.
Ainda assim, ninguém está interessado na revogação da excomunhão. "Não consideramos isso, não vamos atrás", disse o prefeito, Jesús Andia, ao jornal britânico "Guardian". "Livrar-se disso agora significaria apagar tudo. Acho que as gerações futuras nunca nos perdoariam."
A maldição virou uma bênção.
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