Cenoura branca: humanidade modificou vegetais ao longo de séculos
Desde o advento da agricultura, há cerca de 10 mil anos, a humanidade modificou e adaptou praticamente todas as frutas e hortaliças que consumimos até hoje. E isso, por sua vez, mudou o conteúdo nutricional delas — em alguns casos para melhor e, em outros, para pior.
O objetivo desse verdadeiro experimento da vida real sempre foi a criação de alimentos mais gostosos, bonitos ou com capacidade de resistir às pragas e às adversidades do clima de cada local. E, a partir disso, garantir o aporte de carboidratos, proteínas, vitaminas e outras substâncias essenciais à nossa sobrevivência.
Mas como essa verdadeira engenharia era (e é) feita na prática? E como isso modificou a composição de nutrientes de tantas comidas? Entenda a seguir como as técnicas agronômicas evoluíram — e quais são os desafios na produção de alimentos nos dias de hoje e no futuro.
💥️Nos primórdios, a observação dos animais
Há milhares de anos, nossos antepassados eram nômades e dependiam da caça e da coleta para sobreviver.
Isso significa que eles não ficavam num único lugar e se moviam para uma outra região quando os recursos se tornavam escassos.
Mas como eles sabiam quais plantas poderiam ser consumidas — e quais eram venenosas ou faziam mal?
"Eles se baseavam na observação dos animais. Se os seres humanos vissem que determinada espécie comia uma fruta, uma raiz ou uma folha e não morria, isso era um indicativo de consumo seguro", responde a engenheira agrônoma Rumy Goto, professora aposentada da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Botucatu.
Nesse processo de transformação e crescimento, claro, ela ganhou mais nutrientes e volume de água.
Um processo parecido pode ser observado com várias outras culturas muito comuns, como o próprio milho e a cenoura, citados anteriormente.
Então, dessa perspectiva histórica, muitos desses alimentos se tornaram mais ricos do ponto de vista nutricional.
Mas e nas últimas décadas? Será que frutas e hortaliças perderam em parte a riqueza de vitaminas, minerais e afins?
As evidências aqui ficam um pouco mais nebulosas. Alguns trabalhos até mostram uma perda de compostos em alguns desses produtos.
Uma das pesquisas mais importantes nessa área foi feita pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, que avaliou a possível mudança nutricional em 43 culturas diferentes entre 1950 e 1999.
Os especialistas observaram uma baixa no teor de seis nutrientes (proteína, cálcio, fósforo, ferro, vitamina B2 e vitamina C). Porém, para outros sete elementos, não foram observadas diminuições.
O tamanho da queda também variou bastante: foi observado um enxugamento de 6% nas proteínas e de 38% na vitamina B2.
Um outro estudo, feito no Instituto de Agrobiotecnologia da Espanha, avaliou o conteúdo nutricional de grãos de trigo de diferentes épocas guardados entre 1850 e 2016 (ou 166 anos no total).
Os dados revelam um aumento na quantidade de carboidrato e uma redução nos minerais e nas proteínas.
Os autores chamam a atenção para o fato de que "o desbalanço entre carboidratos e proteínas ficou especialmente marcado a partir dos anos 1960, o que coincide com fortes aumentos na temperatura ambiental e a introdução de variedades mais curtas de trigo".
Mas, segundo os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil, ainda não está claro os efeitos práticos dessas mudanças ? e se esse é um fenômeno que de fato afeta a saúde das pessoas ou não.
Até porque, por outro lado, nesse mesmo período houve um avanço considerável nas técnicas de melhoramento genético das plantas, com a possibilidade de obter frutos e hortaliças mais resistentes ou com uma carga extra de nutrientes. E isso, por sua vez, garantiu a oferta de alimentos para as pessoas.
Pode ser então que, no final das contas, uma coisa acaba compensando a outra. Ainda assim, não há dúvidas entre os especialistas de que o tema merece ser estudado a fundo.
Com tantas mudanças ao longo de milênios, uma coisa parece certa. As frutas e hortaliças do futuro serão diferentes das que comemos no presente — até por causa das mudanças climáticas e das alterações do trabalho no campo.
"Cada vez mais precisaremos do auxílio de marcadores moleculares, que detectam os genes capazes de expressar certas qualidades em frutas e hortaliças", antevê Rosa.
"Isso será cada vez mais essencial para lidar com a diminuição da mão de obra na agricultura e o impacto do aquecimento do planeta nas plantações", conclui.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64268557
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