Animais que viveram com 'acumuladores de pets' podem ter traumas

Com a orelha deformada por causa dos maus tratos, Rufus apresenta dificuldades de audição, falhas na visão, catarata e outros males da idade - Arquivo Pessoal

Luchino, que mora sozinho e teve cachorros a vida inteira com a família, nunca havia sido "pai de pet" de forma efetiva, do tipo que limpa as necessidades, leva para o passeio e para veterinário.

Ao se divorciar, sentiu falta de um cão para dividir a rotina, mas ainda não conhecia o cenário cada vez mais crescente de bichinhos à espera de um lar.

Ao adotar Rufus, passou a cuidar de um pet muito amedrontado e traumatizado, que ainda é desconfiado e não interage com pessoas diferentes das que convive no dia a dia.

Não é agressivo, mas tem receio até de passear, não gosta de bola nem de outros brinquedos que as pessoas estão acostumadas a usar com os animais de estimação.

Com a orelha deformada por causa dos maus tratos, Rufus apresenta dificuldades de audição, falhas na visão, catarata e outros males da idade.

Apesar disso, o cachorro tem a vida que seus irmãos sonhariam: muito conforto no apartamento onde mora com o tutor, banhos no pet shop, looks sincronizados com os de Luchino (seja na praia, nas festas de rua ou passeios), e todo ano, no dia 7 de agosto, ganha uma festinha temática de aniversário, por ter sido a data em que foi adotado pelo empresário em 2023.

"Temos uma relação muito bonita. Fico imaginando como vai ser no dia em que ele se for — por ser idoso — e não gosto nem de pensar muito nisso", diz Luchino, que até tatuou o rosto do cachorro no antebraço.

"Rufus já seria lembrado até o fim dos meus dias, mas agora ficou gravado", declarou o tutor sobre fazer o desenho.

Diferentemente de abrigos como o da foto, os 'acumuladores' criam animais em casa comuns e condições insalubres - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal Protetores muitas vezes comprometem a própria saúde para cuidar dos animais - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal Rufus teve sorte de ganhar uma família - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

Rufus teve sorte de ganhar uma família

💥️Problema nacional

Enquanto na capital as defensoras ouvidas pela reportagem reclamam do descaso do poder público, no interior do Estado o problema é ainda maior. A ONG Amigos dos Animais, de Taquaritinga do Norte, é um exemplo do que acontece no Agreste de Pernambuco.

Em três anos, mais de 600 animais foram atendidos: muitos morreram, outros foram doados, e hoje a ONG atende mais de 250 gatos e cachorros, sendo que estes ficam em um abrigo improvisado em um galpão lotado, que se depara com o problema citado anteriormente: por falta de estrutura, muitos se matam com violência.

"O ideal seria um espaço construído para isso, e é cada vez mais urgente, mas faltam os recursos, porque muito mal conseguimos manter os animais com comida e medicamento", diz a tesoureira e cofundadora da ONG, Maria Sandra da Conceição.

"O principal problema aqui é que está fora de controle pelo descaso das pessoas: em uma semana, enquanto salvamos ou castramos um animal, já tem outras na rua no cio com mais de 20 cães atrás delas", completa a defensora.

O problema, infelizmente, está longe de ser caso isolado em Pernambuco. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que no Brasil existem mais de 30 milhões de animais abandonados, sendo cerca de 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães.

Já um estudo realizado pelo Instituto Pet Brasil diz que o número de animais em situação de vulnerabilidade aumentou de 3,9 milhões em 2018 para 8,8 milhões em 2023. Além das estatísticas crescerem, os dados de adoção não acompanham.

O caso de acumuladores, como definiu Laura sobre a Casa da Avenida Norte, em Recife, se repete em outras partes do país: na sexta-feira (21/10), após denúncia de vizinhos, as autoridades sanitárias de Valparaíso, em Goiás, recolheram 240 gatos e 120 cachorros de uma acumuladora da região.

Entre eles estavam várias gatas prenhes, outras recém-paridas com filhotes desnutridos e doentes. Todos foram encaminhados para o Centro de Controle de Zoonoses local e os defensores animais se mobilizaram para ajudar.

Vale destacar que não é apenas falta de medidas públicas. Teoricamente, muito já foi feito. Várias cidades reservam verbas após decretos municipais determinarem criação de abrigos decentes. Já há lugares com a disciplina de Direitos dos Animais nas escolas públicas, a fim de educar os jovens para o problema desde cedo.

Existem as leis que proíbem fogos de artifício com barulho — que causam muitas mortes e fugas dos animais assustados. O abandono ou maltrato é crime previsto na Lei de Crimes Ambientais, desde 1998. Mas, na prática, o problema dos animais de rua parece longe de acabar.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63464250

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