Equidade e redistribuição &

No artigo da semana passada ficou bem explícita a diferença entre equidade e igualdade. Enquanto a primeira nos leva a uma ideia de equilíbrio e contém um sentimento de justiça, a segunda só tem um significado para além do literal quando fundada numa ideologia que a História desde 1789 demonstra ser um rastilho para a violência, para a injustiça e para a pobreza.

A redistribuição de riqueza que as sociedades ocidentais fazem em grande escala é mais um exemplo da incompatibilidade entre equidade e igualdade. Tal como a igualdade de oportunidades, a igualdade de riqueza apenas é possível em sociedades tiranizadas em que quanto menos bens materiais cada um tiver maior é o nível de igualdade material que é possível alcançar. A igualdade total, em que todos têm o mesmo, é alcançada quando todos tiverem nada.

Por isso, e ao contrário do que nos diz o senso comum, a redistribuição de riqueza tem tudo a ver com a equidade e nada a ver com igualdade. A redistribuição justifica-se pela vontade das populações de viver numa comunidade em que todos os seus membros tenham acesso a uma vida digna. E essa vontade é materializada pelos milhares de instituições que apoiam as pessoas necessitadas, onde muitos dos seus membros dedicam voluntariamente muitas horas a ajudar os outros, e pelo mandato concedido aos governos para que complementem estas actividades nas áreas e nos casos em que a própria comunidade não pode apresentar, de uma forma descentralizada, uma resposta ou uma solução.

Mas para haver redistribuição de bens materiais é necessário que se verifique uma pré-condição: a sua criação e a sua existência. Por outras palavras, só pode haver redistribuição de riqueza se houver riqueza para redistribuir, e quanto maior for essa riqueza mais poderá ser redistribuído.

A condição de partida para que haja redistribuição alerta-nos para o compromisso que tem de existir entre os objectivos de equidade e de eficiência dentro de qualquer comunidade desenvolvida. A comunidade tem de ser mais eficiente para poder criar mais riqueza e para conseguir disponibilizar parte dessa riqueza acrescida a quem quer ajudar a ter uma vida digna.

É uma simples asserção que sublinha a importância que a eficiência na criação de riqueza tem na sua distribuição e fá-lo de uma forma que não deixa quaisquer dúvidas: a criação de riqueza deve preceder a sua distribuição. Uma asserção diferente, a de que a distribuição deve ser simultânea ou preceder a criação de riqueza, é auto-destrutiva por definição pois implica distribuir o que não existe ou o pouco que existe até não haver nada.

Esta clarificação é importante porque uma das ilusões mais fortes que assolou o mundo desenvolvido nas últimas décadas foi a dos efeitos prejudiciais que o propalado aumento da desigualdade teria no crescimento económico e no desenvolvimento. A condenação desta desigualdade depressa se transforma na defesa da ideia de que é necessário algo radical para anular os seus supostos efeitos. Ainda hoje lemos regularmente artigos e “fakenews” que se baseiam e transmitem, directa ou indirectamente, esta ficção.

A validade desta ilusão surgiu primeiro com John Rawls, que procurou conciliar o inconciliável: A liberdade individual com a igualdade material. Rawls pretendeu tornar simultânea a criação e a distribuição de riqueza ao defender que todo o seu acréscimo fosse redistribuído para os que tivessem menos. Rawls não se contentou em querer redistribuir parte do acréscimo de riqueza, mas quis redistribui tudo para que os que tinham menos se aproximassem dos que tinham mais, visando a igualdade material. Contudo, Rawls esqueceu-se que o altruísmo tem limites e que a autonomia do ser humano implica que são necessários estímulos para desencadear a iniciativa que gera riqueza. Ao pretender retirar a riqueza gerada aqueles que a criam, Rawls anulou o incentivo para a sua criação.

💥️A Liberdade implica haver desigualdade

Apesar da contradição em que se baseia a tese de Rawls, a sua ideia ainda hoje perdura e foi posteriormente reforçada por trabalhos empíricos realizados por três economistas do país que originou a prática da igualdade forçada nos tempos modernos.

Estes economistas tentaram demonstrar a validade da ideia de que quanto maior a igualdade, maior é o crescimento e o desenvolvimento. Como não conseguiram arranjar exemplos concretos concentraram-se não nas sociedades em que a igualdade aumentou, mas numa sociedade capitalista, os EUA, em que a desigualdade aumentou.

A tabela mostra os resultados obtidos com os mesmos dados por economistas franceses e norte-americanos e usando como conceito de desigualdade o peso que o 1% dos contribuintes com maior rendimento declarado tem no total do rendimento nos EUA. A fonte de informação são as declarações fiscais entregues anualmente.

As duas abordagens mostram um aumento da desigualdade de rendimentos declarados, mas em magnitudes radicalmente diferentes por causa dos vários ajustamentos feitos aos dados para os tornar comparáveis ao longo dos anos. Os ajustamentos realizados pelos economistas norte-americanos consideraram mudanças verificadas nas práticas familiares e sociais e alterações na base fiscal. Um dos ajustamentos mais relevantes refere-se à dimensão das famílias, que é ignorada pelos franceses (terceira coluna da tabela) e considerada pelos norte-americanos, que optaram por calcular o rendimento individual e não por família (a partir da quarta coluna).

Para além de o conceito de desigualdade usado ser discutível, repare-se que, como Aitken e Splinterreconhecem, não pode haver uma conclusão definitiva sobre a evolução da desigualdade dada a impossibilidade de aceder a toda a informação sobre o rendimento total das famílias, que é desconhecido (segunda coluna).

Mas o que é mais importante na tabela é a demonstração do compromisso entre a eficiência da criação de riqueza, especialmente nos anos Reagan na década de 1980, e a equidade materializada pelas transferências sociais e pelos impostos que financiam a acção do governo e o estado previdência (última coluna).

Os valores apresentados pelos economistas norte-americanos mostram que a desigualdade aumentou muito pouco nos EUA nos últimos 60 anos. O compromisso entre eficiência e equidade mantém-se válido apesar da acumulação de riqueza que foi conseguida não só pelos 1% mais ricos, mas também pelo resto da população (que a tabela não mostra, mas que foi enorme). Esta ideia é confirmada se forem usados outros critérios para medir a desigualdade, como o coeficiente de Gini ou o peso do rendimento dos 0,1% ou dos 10% mais ricos.

Os dados contradizem empiricamente a tese de Rawls, pois mostram que num contexto de crescimento, mesmo que em desaceleração, é prejudicial que haja a transferência de todo o acréscimo de riqueza. Pelo contrário, não é difícil adivinhar que se essa transferência tivesse ocorrido toda a população dos Estados Unidos estaria hoje mais pobre.

O excesso ou a falta de redistribuição pode desequilibrar o compromisso que deve existir entre criação e redistribuição de riqueza. Mas a omnipresença do discurso sobre a desigualdade e a procura de uma sociedade igualitária nas últimas décadas ignorou a desaceleração no crescimento económico e na criação de riqueza.

Pior do que isso, a preponderância do discurso igualitário perturba a discussão sobre o compromisso e a dimensão óptima que deve existir entre eficiência e equidade e entre criação e redistribuição de riqueza.

A comunicação social de “referência” deu um forte contributo para dificultar esta discussão ao promover entusiasticamente os resultados dos economistas franceses e ao ignorar o que os economistas norte-americanos publicaram, propagando uma falsidade sobre os efeitos da distribuição de riqueza no crescimento económico.

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