Felipe Miranda: Riscos sinceros me interessam
💥️Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
“What am I doin’ wrong? I don’t know
My brother told me: Life’s not a pain
That was right when it started to rain
Where am I going wrong? I don’t know”
Paul McCartney – I Don’t Know
Nada poderia bater o Orlando Magic naquela temporada de 1994-95, certo? Com Penny Hardaway e Shaquille O’Neal testando os limites do impossível, não havia apenas basquete na quadra. Era pura mágica acontecendo no picadeiro.
Depois de terem vencido a Conferência Leste, enfrentariam nas finais o atual campeão da NBA. O Houston Rockets também tinha um esquadrão, mas não seria páreo para os jovens talentosos e confiantes daquela franquia recém-criada de Orlando.
Tudo caminhava conforme o script. Faltavam apenas 8,5 segundos para o fim do jogo naquele 7 de junho. O Orlando vencia por 110 a 107. Robert Horry, do Houston Rockets, comete falta sobre Nick Anderson, o competente jogador com aproveitamento de 70,4 por cento dos lances livres naquela temporada regular. Apenas um acerto e a partida estaria definida. Na melhor das hipóteses (para o Houston Rockets), haveria tempo apenas para uma bola de três, sendo insuficiente para empatar o jogo novamente.
Anderson concentra-se para o arremesso. Solta um sorriso maroto de canto de boca, mais de desespero do que propriamente alegria ou entusiasmo. Ele está claramente nervoso. Respira fundo. Bate a bola duas vezes contra o chão. Ele erra o primeiro arremesso, que encontra a parte do aro mais próxima de si mesmo.
Ainda não há motivação para preocupação em Orlando. Ele não vai errar os dois, não é mesmo? Não combina com seu histórico e sua competência. Anderson tem uma nova chance. Mais um erro, aro novamente, mesmo lugar. Numa daquelas histórias em que a vida insiste em ser mais dramática e não comedida do que qualquer novela, a bola volta diretamente para as mãos de Anderson. Ele tenta desvencilhar-se da marcação para um arremesso de dois pontos, quando recebe falta de Clyde Drexler. Anderson tem mais dois lances livres à sua disposição.
A tensão domina o ginásio. Como estaria o jogador mentalmente àquela altura? Faltam apenas 7,9 segundos. Um ponto e o Orlando venceria o primeiro jogo. Lá vai Anderson novamente. Atenção… outro erro! Dessa vez, do lado de dentro do aro. Há uma clara mudança de clima tanto na própria equipe de Orlando quanto na torcida. Anderson está extremamente pressionado e não parece mais resistir. Por outro lado, quatro erros seguidos de lances livres não combinam em nada com a competência do jogador.
Ele tem a chance derradeira. Prepara-se para o chute e… nada feito! Quatro erros seguidos.
Faltam pouquíssimos segundos. O treinador do Rockets pede tempo. A bola volta do meio da quadra. O tempo é exíguo. Somente uma bola de três para salvar o time de Houston e levar o jogo para a prorrogação. A bola vai para Kenny Smith na linha dos três. Ele arremessa fria e precisamente e… chuá! Mais três pontos para o Houston Rockets e o jogo vai para a prorrogação.
A moral agora está toda contra o Orlando Magic. Naquele contexto, o time já chegou ao tempo estendido derrotado. Final daquela primeira partida: 120 a 118, com vitória do Houston Rockets.
Aquela sequência de erros de Nick Anderson definiu muita coisa. O Orlando Magic não foi capaz de recuperar-se nas finais e foi varrido de Houston diante da total perda de confiança. Anderson nunca mais foi o mesmo; passou a evitar lances livres, tornou-se muito conservador e teve uma carreira praticamente abortada. Talvez aquilo tenha mudado em definitivo até a própria história da franquia de Orlando, sendo a semente para a posterior separação entre Penny Hardaway e Shaquille O’Neal.
Heróis não são aqueles que nunca erraram, mas os que são capazes de seguir em frente, mentalmente fortes. Eles não escondem seus tropeços, nem pretendem superá-los (algumas coisas não se superam, meu caro; aquilo fica dentro de você para sempre), tampouco reclamam das intempéries que lhes aparecem. Como diria Phil Knight, “não pense muito, apenas não pare”.
Cicatrizes são sinais inequívocos de quem arriscou a própria pele. Donald Trump era tido como o azarão na corrida presidencial norte-americana porque era percebido como imperfeito, cheio de defeitos e até mesmo inadequado, contra uma Hillary “Impecável” Clinton. Trump foi eleito não apesar de seus defeitos e erros (a imprensa tê-lo pintado como um empreendedor fracassado que perdeu 1 bilhão de dólares foi, contrariando a intuição inicial, um grande empurrão para o republicano), mas por conta de seus defeitos.
Estamos todos cansados das pessoas de borracha, esterilizadas e plastificadas, como se vivessem em um laboratório ou em uma clínica de estética. Essas nunca arriscaram a própria pele, continuam em seus escritórios com ar condicionado, vestidos de cinto combinando com sapato, apropriando-se de méritos dos outros para enriquecer, sem que eles mesmos estejam com o seu na reta.
Esse texto é uma defesa da assunção (inteligente) de riscos em seus investimentos. Uma pequena homenagem àqueles que entendem a necessidade de arriscarem-se em algo, para colher benefícios capazes de sobrepujar os eventuais ferimentos de suas posições.
Ele é escrito por alguém que erra muito, todos os dias, por mais que se esforce em acertar. Alguém que mantém cicatrizes grandes e profundas, no corpo e na alma. Alguém que tenta dar indicações sobre finanças sabendo que ele mesmo não sabe nada e que, nesse mercado, vamos de heróis a vilões (ou de toalha felpuda a pano de chão, para usar a metáfora do brilhante Zeca da Tarpon – e brilhantismo nada tem a ver com performance recente de fundo) num passe de mágica, sendo tão bons quanto nosso último trade. Alguém disposto a cair, tentar levantar e seguir – don’t look back in anger! Aproveitando o ensejo, “please, don’t put your life in the hands of a rock’n’roll band”.
Somos aqui seres errantes e, portanto, eu espero mesmo que tome essas linhas apenas como ideias, e não como verdades escritas como mandamentos. A Empiricus não é uma seita ou algo parecido; somos apenas pessoas tentando lidar com seus graves defeitos. Seja como for, seguiremos apaixonados por isso. “You ain’t ever gonna burn my heart out” – Oasis era bom pacas. Acho mesmo que só a arte pode nos apontar uma resposta. Eu mesmo não sei. E também não sei.
Antes de prosseguir, três ressalvas importantes:
i. risco nada tem a ver com volatilidade;
ii. poucos entendem exatamente o conceito de riscos, a começar pelo regulador (e abaixo darei alguns exemplos dessa falta de entendimento); e
iii. assunção de riscos nada tem a ver com irresponsabilidade (nunca coloque em risco algo que pode causar-lhe um ferimento muito grande e, sob hipótese alguma, algo que pode interromper sua sobrevivência).
Vamos do começo.
Dizem que o brasileiro investe muito na poupança e em imóveis porque não gosta de risco. Se é mesmo verdade, então, por favor, alguém poderia me explicar por que temos mais investidores em bitcoins? Será que as pessoas acham mesmo que as criptomoedas são ativos livres de risco? Ou seria simplesmente a manifestação de um dos mais rudimentares sentimentos humanos: a ganância?
E que interpretemos os sentimentos da forma como merecem, sem julgamentos. “Os seres humanos deveriam ser mais racionais”, diriam os livros de MBA. Está na hora de os livros de MBA aprenderem algo com os seres humanos. Nós somos o que nós somos, e não uma construção robótica pré-fabricada. Se a descrição dos livros não está alinhada ao real comportamento humano, a culpa não me parece ser do real comportamento humano.
É mesmo arriscado investir em criptomoedas? Ou em qualquer outro ativo? Isoladamente, é claro que sim. Mas e se isso representar 0,5 por cento do seu portfólio? Ainda assim, seria considerada uma atitude muito arriscada?
Daí vai lá a CVM e decide que os fundos até podem investir em criptomoedas, mas para isso precisam ter 80 por cento de seus ativos sob gestão alocados em ativos domésticos, que se traduzem normalmente numa alocação em LFT. Pra mim, apesar do único fundo de cripto no Brasil para o varejo ser bom (se a Luciana falou, eu acredito!), a regra é um retrocesso. Do jeito que está, se o investidor que desejar ter 1 por cento da sua grana em criptomoedas, precisa empatar no fundo 5 por cento do seu capital. Não seria melhor deixar o fundo comprar 100 por cento de moedas digitais, permitindo que o investidor aqui exemplificado pudesse alocar ali 1 por cento da sua grana e fazer o que bem entender com os 4 por cento restantes?
Outro exemplo sobre a completa falta de compreensão de riscos. Quando defendemos o investimento em ativos (ações principalmente) ligados ao segmento de maconha (e fomos os primeiros a fazer isso no Brasil), sofremos uma série de críticas, entre elas a de que isso é “extremamente arriscado”. Os críticos viram o quanto esse negócio subiu nos últimos anos? Mas não é só, claro. Consideram arriscado investir num negócio que, organicamente (me perdoem o trocadilho infame), cresce 25 por cento ao ano, numa expansão contratada para vários anos à frente. Ao mesmo tempo, consideram superconservador investir em ações do setor de telefonia, que são “pagadoras clássicas de dividendos e com grande previsibilidade de resultados” – meu Deus, esse negócio está convalescendo e ninguém tem a menor ideia do que vai ser disso nos próximos anos.
Deixo claro: não fumo maconha, não pretendo fumar maconha, nem gosto disso. Também não julgo quem fuma, mesmo. Mas não estou nem aí. Há benefícios absurdos de seu uso medicinal e muita chance de ganhar dinheiro aqui. Tem que ter uma posição, sim, nesse negócio.
Tem ainda aquela clássica crítica de que “investidor conservador não pode investir em opções, nem mesmo em ações”. Então, pergunto: qual dos dois portfólios abaixo tem mais risco, entendido aqui como chance de perda permanente e significativa de capital?
A. Um montado a partir de uma série de ativos de risco médio (tipo fundos multimercados, crédito corporativo e por aí vai), supostamente correlacionados de forma negativa (tentando seguir a cartilha clássica de Markowitz), em que se tem, por construção, uma parcela significativa do capital realmente exposta a risco de perda?
B. Outro construído com 95 por cento do dinheiro alocado em LFT e os demais 5 por cento espalhados em inúmeros opções fora do dinheiro e ações de small caps de maneira muito diversificada?
É óbvio que você tem mais a perder no fundo A. O fundo B é mais conservador, mesmo tendo opções e small caps ali dentro! Nele, ao final de um ano, assumindo que não há risco de crédito soberano, você necessariamente terá lucro nominal positivo em um ano.
Termino voltando ao começo, porque minhas ideias fixas formam uma única, inarredável, que levarei comigo para o túmulo. Se homens (e mulheres, claro) com cicatrizes são superiores àqueles(as) cujos cintos combinam com o sapato, então sempre que você estiver diante de um ativo ou um fundo com o mesmo histórico de rentabilidade e mais volatilidade do que outro, você vai preferir o primeiro ao segundo. A maior volatilidade é sinal de que o sujeito já enfrentou tempestades de verdade, que se expôs àquilo e conseguiu sobreviver, estando preparado para novas situações.
Há alguns riscos que você não pode correr de jeito nenhum. Há outros que você não pode deixar de correr de jeito nenhum. Apelando a Nietzsche, “é preciso saber ocasionalmente perder-se, quando queremos aprender algo das coisas que nós mesmos não somos”.
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