Felipe Miranda: O dom do otimismo possível ou (muito além da Previdência)
💥️Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
Minha maior deliberação de final de ano é cumprir as deliberações de final de ano. Entrei numa metalinguagem maluca, em que impus como meta para a Empiricus diminuir o número de reuniões para definição e apuração das metas. Ou, ainda, reduzir o tempo que passo planejando como gastar meu tempo. Escrever menos sobre o que vou escrever e por aí vai… A função metalinguística cede espaço apenas para um aparente paradoxo: sofisticar ao máximo as coisas para que possam ser as mais simples possíveis.
Estou confiante de que desta vez vai! Aumentarei infinitamente minha taxa de cumprimento das autoimpostas metas anuais. Das 26.875 deliberações para 2023, acho que consigo cumprir uma ou duas. Na comparação ano contra ano, será uma melhoria assintoticamente infinita – porque todos nós aqui somos treinados em cálculo diferencial e sabemos que não se divide por zero, né?
Para introduzir e desenvolver a inteligência artificial e o machine learning na Empiricus, pretensiosamente levando-a ao estado da arte (na hora das deliberações, vale tudo!), andei lendo umas paradas de transformação digital. Encontrei uma coisa curiosa de quem realmente estuda essa coisa: as empresas que, de fato, estão na fronteira do mundo digital, em geral, são aquelas cujos respectivos top management acreditam estar em larga desvantagem digital e classificam-se como ainda pertencente ao ambiente analógico. Não deixa de ser aqui também um paradoxo metalinguístico. Pode conferir tudo no livro “The Digital Helix”, que não me deixa mentir sozinho.
Se você parar para pensar, é um caso particular da tendência mais geral detectada por Kruger e Dunning em “Unskilled and unaware of it: how difficulties in recognizing one’s own incompetence lead to inflated self-assessments”. Em geral, as pessoas têm dificuldades de reconhecer suas próprias fraquezas e se acham mais capazes do que efetivamente são. A autocrítica e a inteligência são a mesma coisa. Logo, aqueles que reconhecem as próprias mazelas estão em clara vantagem frente aos demais. Esses, obstinados por corrigir os erros por conta de menor confiança e egos menos inflados, beliscam a si mesmos, corrigem a rota antes dos outros e perseguem implacavelmente os avanços em seus setores de atuação – do ponto de vista empresarial, vale para os espectros tecnológicos, de pessoas e de processos.
Lembrei na hora de um jovem menor, mas com grande potencial, chamado Jorge Paulo Lemann, que recentemente se definiu como um “dinossauro apavorado” em termos de empreendedorismo e gestão. Essa autoavaliação rende interpretações variadas. Bicho, se o JPL está apavorado, nóis aqui tamu morto, né? A frase de Jorge Paulo é uma impossibilidade em si. Nenhum dinossauro se percebe como tal. Há tanto brilhantismo nessa frase. No momento em que o empreendedor ou o gestor se percebe como atraso, ele já está automaticamente no primeiro passo do processo de correr atrás dos avanços recentes, atualizar-se e sair da condição de “atraso”.
Repito com frequência aqui pelos corredores: se há pessoas capazes de bater o mercado, são aquelas que duvidam da capacidade de se bater o mercado. São essas que vão controlar o viés cognitivo ligado ao excesso de confiança, evitarão alavancagem, mudarão de ideia de maneira flexível, não concentrarão em excesso.
Como os quatro leitores desta newsletter talvez saibam (perdemos um soldado desde ontem, porque mamãe se cansou dos textos), ando otimista com o Brasil e, claro, como corolário, com os mercados brasileiros. Hoje, gostaria de qualificar um pouco melhor esse otimismo.
Por muito tempo, o debate em torno das questões econômicas nacionais se centrou na pauta “câmbio/juro”, sendo permeado por uma suposta dicotomia entre os desenvolvimentistas (a turma do bem, comprometida com justiça social) e os monetaristas (o lado escuro da força, interessados no rentismo, seguidores da cartilha definida pelo Consenso de Washington e, em sua melhor versão, preocupados apenas com a eficiência da economia e as liberdades individuais, sem qualquer olhar voltado ao social).
Durante o primeiro governo Lula, com a esquerda chegando ao poder e rasgando tudo o que havia prometido ao adotar uma cartilha macroeconômica rigorosamente alinhada à ortodoxia, parecia que sofisticaríamos os embates ideológicos, sairíamos dessa conotação maniqueísta de que justiça social depende apenas de vontade política, concentrar-nos-íamos nos meios e nas formas de atingir objetivos de todos (desenvolvimento econômico e social consistente, de longo prazo e em razoável velocidade) e avançaríamos em conversas, fundamentadas em dados empíricos, sobre questões microeconômicas, avanços institucionais e regulatórios, avanços marginais e incrementais nas políticas monetária e cambial, e no controle estrutural dos gastos públicos, passando necessariamente pela questão previdenciária.
O voo de galinha aconteceu tanto na esfera do crescimento econômico quanto no nível do debate público. Com a demissão do ministro Palocci e de boa parte de sua equipe, abandonamos a ortodoxia na gestão macro e chegamos ao que seria um modelo único e efetivo de sólido desenvolvimento econômico e social, sintetizado depois no que seria chamado “Nova Matriz Econômica”, dos gênios criativos Guido Mantega, Arno Augustin, Nelson Barbosa e Dilma Rousseff. Breve constatação pessoal: nada pior no mundo do que uma pessoa cheia de ideias novas muito disposta a ajudar. Caminho mais rápido para a explosão.
Os impactos práticos da experiência são devidamente conhecidos e relatados no belíssimo livro “O Fim do Brasil”, de uma redação impecável e autor consagrado (sim, isso é uma piada). A esquerda chegou ao poder e simplesmente fracassou. E nas mais variadas esferas, seja na economia ou na ética. Mas o ponto aqui nem é esse.
Na tentativa de aprofundar minha explicação do que é estar otimista com o Brasil agora, preciso aqui explicitar que não se trata de uma visão ingênua de que “desta vez, vai”. O futuro teria chegado ao país que sempre foi “o país do futuro”. Ainda somos os mesmos. Se você recuperar a história econômica brasileira e o debate em torno dela, verá uma rigorosa repetição dos mesmos padrões ao longo do tempo. A Nova Matriz Econômica é, em linhas gerais, a ressureição do Segundo PND. Por sua vez, a conversa de controlar gasto público, desvincular orçamento e fazer a reforma da Previdência existe há pelo menos 15 anos.
As coisas são cíclicas. E estamos no começo de um ciclo positivo. É só isso. Depois que passar o ciclo, voltaremos à complacência de sempre, ao caráter macunaímico que tanto nos representa, ao voluntarismo típico, à busca por privilégios e subsídios, às mordomias dos amigos do rei próximos ao governo da época e por aí vai.
Por enquanto, porém, surfaremos as melhoras institucionais e fiscais do governo Temer, rigorosamente em linha com o ocorrido no Lula 1, que se aproveitou da herança não maldita de FHC. Vamos nos aproveitar de um contexto internacional não impeditivo para a melhoria cíclica da economia doméstica. E continuaremos com uma política macroeconômica ortodoxa, interrompendo a fábrica de ideias ruins da gestão anterior. Foram basicamente essas as três coisas que ensejaram um dos maiores ciclos positivos da história recente brasileira, nos anos 2003 e 2007, com verdadeira multiplicação dos ativos financeiros domésticos, agora novamente colocadas.
Avançando um pouco mais, sei que agora tudo parece ser a reforma da Previdência. Não quero aqui reduzir a importância do tema, nem tampouco agourar qualquer avanço nesse sentido. Oxalá! Mas receio que a obsessão no monotema esconda conquistas muito importantes cujas bases começam a se solidificar neste momento. Aqui destaco os avanços regulatórios e institucionais que podem e devem ocorrer em vários setores, concessões, estados e municípios – no que inclusive se desdobra para um “buy opportunity” clássico a partir da queda das ações de empresas estatais estaduais nos dias recentes.
Preciso mencionar ainda questões microeconômicas e das políticas monetária e cambial, que perfazem, junto à fiscal, o espectro da macroeconomia.
Direto e reto: a atual diretoria do Banco Central é a melhor que já tivemos. Não tem comparação. Aqui, sim, estamos numa condição em que “nunca achei que fôssemos chegar”, em sua versão “nunca foi tão bom”.
Carlos Viana é um dos melhores policy makers do mundo. O novo presidente do BC tem mais capacidade executiva que Ilan. Bruno Fernandes veio do mercado. Le Grazie não sabia ler mercado. Ilan se comunicava mal porque não tinha uma pessoa que entendesse como as coisas eram lidas pelo mercado, agora teremos duas pessoas para fazer esse papel: Bruno e o próprio Roberto Campos Neto. Temos João Manuel, um microeconomista pela primeira vez no BC, para falar de competição bancária, condições de crédito… isso é um game changer.
Falando da microeconomia, temos um ciclo privado muito bom, com as empresas (e também as famílias) tendo se desalavancado e cortado muito custos e despesas para sobreviver à grande recessão recente – agora, estão preparadinhas para voltar a crescer e surfar uma brutal alavancagem operacional, sem precisar investir por conta da enorme ociosidade dos fatores. Em paralelo, nível de criação de empregos medido pelo Caged finalmente começa a reduzir desemprego no tempo, abrindo um pouco de espaço para o consumo.
Tudo isso me permite estar muito otimista com o atual estágio do ciclo. É realmente uma mudança de patamar. Mas que isso não se confunda com a visão ingênua de uma crença num novo país, com seus problemas estruturais resolvidos.
Sem falsas ilusões de que agora temos um Messias na Presidência, ou que encontramos um novo e único modelo de desenvolvimento econômico, que há uma certa especialidade no caso brasileiro, que o momento atual enseja condições nunca vistas na história deste país, que nosso presidente será chamado mundo afora de “O Cara”, que a atual administração representa o monopólio da ética, da moral, dos bons costumes e da vontade política para resolver nossos problemas de justiça social, liberdades individuais e eficiência dos setores públicos e privados.
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