Felipe Miranda: Uma humilde sugestão à família Bolsonaro & ou seriam duas?

💥️Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Flávio Bolsonaro, segundo consta, comprou dois apartamentos, entre 2014 e 2017, pela simbólica quantia de 4,2 milhões de reais. O período coincide com aquele em que o Coaf teria identificado movimentação de também simbólicos 7 milhões de reais nas contas de Fabrício Queiroz, seu ex-assessor. Para encerrar o simbolismo, o senador recebeu 96 mil reais num período de cinco dias, em 48 depósitos no valor de 2 mil reais.

Algo não podemos negar: há uma disciplina militar e a virtude da paciência em lidar com 48 envelopes à frente de um caixa eletrônico. “Eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa.” É a sabedoria de Riobaldo, que está transmitida lindamente pela voz de Caio Blat no Sesc Pompeia. A versão teatral de “Grande Sertão: Veredas” é apenas imperdível – deixo a dica cultural para a família Bolsonaro: “Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas”.

Ao ler as notícias nesta segunda-feira, muita coisa vem à cabeça da gente. Para mim, cujo jaguncismo se dá no ambiente do mercado financeiro (“o sertão está em toda parte”), estranho mesmo é ele ter investido esse dinheiro todo no mercado imobiliário, concentrando o que parece ser fatia relevante de seu portfólio em apenas dois ativos físicos no Rio de Janeiro.

Poderia era ter diversificado isso em bons fundos imobiliários, com gestão profissional, menos encheção de saco e mais liquidez – se lesse o Valor de hoje, por exemplo, encontraria lá ótimas perspectivas para esse nicho. Depois do recorde do ano passado de volume, número de investidores e várias outras marcas históricas, o nicho continuaria com excelentes perspectivas.

O mesmo Valor mostra como a superação dos “100 mil pontos pelo Ibovespa é apenas questão de tempo.” A Folha também traz algo nessa linha, com vários analistas tentando antecipar a pontuação do nosso principal índice de ações ao final do ano.

O que surge de especialista em ações, juro, câmbio e fundo imobiliário numa hora dessas é uma grandeza. A verdade é que me preocupo ao ver tudo isso. “O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia.”

A evidência empírica sugere que, conforme noticiam recordes históricos e uma alta muito destacada para determinado ativo ou classe de ativos, há uma atração muito grande de pessoas físicas para aquilo. É uma espécie de tendência humana de extrapolarmos para o futuro as mesmas condições do presente. Se as coisas estão assim hoje, continuarão da mesma forma amanhã. Vale para as finanças e para a vida como um todo.

Há uma pequena nuance aqui. A prática implica comprar aquilo que já subiu e agora está ao menos um pouco mais caro. Viola-se o que deveria ser uma regra elementar de finanças: comprar barato e vender caro; não o contrário.

Noto o aumento do interesse por ativos de risco nas situações mais cotidianas. Vejo pessoas interessadas em saber se “já não subiu demais e muito rápido”; “se a reforma da Previdência está no preço”; “se, agora que já sou treinado em ações, posso negociar mais, fazer day trades e buscar novos instrumentos para sofisticar-me ainda mais como investidor.”

Fico triste comigo mesmo porque minhas respostas são sempre frustrantes. A realidade morde. Elas esperam uma fórmula mágica (mantida em segredo pelos profissionais) para ganhar dinheiro rápido ou, no mínimo, algum atalho para acelerar seus ganhos sem correr muito risco. “Sou conservador, não quero correr muito risco, mas preciso multiplicar meu capital.”

Talvez o maior segredo da educação financeira seja o de que não há segredo algum. Se o seu patrimônio crescer a uma taxa nominal de 10 por cento ao ano, isso já é maravilhoso. Mirar percentuais muito maiores enseja correr riscos por vezes escondidos, que não combinam com perfis conservadores.

Em momentos de ganhos recentes pronunciados e muito otimismo no ar, essas coisas podem escapar às pessoas. E escapam a todos os espectros: investidores de varejo, jornalistas e até mesmo profissionais de mercado.

Para fingir uma pretensa austeridade (o pessimismo sempre foi percebido como uma postura intelectualmente superior, enquanto o otimismo parece transmitir superficialidade e falta de responsabilidade), muitos agora querem dizer que “subiu rápido demais”. Ora, sempre sobe (ou cai) rápido demais. As trajetórias dos ativos financeiros não são lineares, bem-comportadas e graduais. As Bolsas, as taxas de câmbio ou qualquer outra coisa caminham em grandes saltos súbitos, como se quisessem desafiar nossa avidez por desejo de controle, ausência de surpresas e pouca volatilidade.

Aliás, não é uma exclusividade das séries financeiras. A vida cotidiana é marcada por grandes saltos súbitos. Você fica vários meses – ou até mesmo anos – numa determinada profissão e, de repente, é promovido para uma nova oportunidade antes inimaginável. Passa anos na solteirice convicta até que, subitamente, conhece a mulher ou o homem da sua vida. Monta uma empresa e passa uma década de perrengue, até que fecha o contrato transformacional.

É da natureza da realidade – e os mercados, por mais incríveis que possam parecer, ainda pertencem à realidade, surpreendentemente. Para mim, a boa educação financeira passa pela montagem de um portfólio diversificado e balanceado a partir do pilar da paciência. Você compra e espera subir – provavelmente, vai passar meses ou até anos sem ganhar dinheiro, até que, subitamente, perceberá o tempo fazendo a sua mágica, num salto patrimonial súbito. “Deus é paciência, o contrário é o diabo.”

Outra coisa que me incomoda na leitura de ditos profissionais neste momento é qualquer colocação do tipo: “uma reforma da Previdência aguada já está no preço.” Não me refiro ao exemplo específico, mas à questão geral.

Veja: você não observa o que está no preço. Tudo que você vê é a realidade como um todo e o Ibovespa a 96 mil pontos. Não conseguimos simplesmente dissecar e desmembrar essa pontuação. “Olha, 32 mil pontos decorrem do cenário internacional favorável, outros 32 mil pontos são explicados pela melhora dos lucros e o restante deriva da expectativa pela reforma da Previdência.”

Estamos vendo uma tendência de alta para os ativos de risco brasileiros em meio a uma multiplicidade de variáveis. Melhora do ambiente internacional, recuperação cíclica, fim da estrutura esquerdopata intervencionista, evolução corporativa, etc. Quem ganhou a corrida: o cavalo ou o jóquei? Não dá para saber. Fora de ambientes de laboratório, não conseguimos realizar testes A/B no curso efetivo e material da História, apenas substituindo o cavaleiro para o mesmo cavalo, na mesma corrida, para capturar o que seria o efeito do jóquei estritamente.

Tendo proximidade com Tom Copeland e sua “expectations-based management”, sempre achei que os ativos financeiros se moviam independentemente de seus valuations. O caro pode ficar ainda mais caro, enquanto o barato pode ficar ainda mais barato. Depende apenas da gestão das expectativas e de um fluxo marginal de notícias capaz de trazer novidades positivas. Trazendo o argumento para o caso prático, se as próximas manchetes apontarem na direção de uma reforma da Previdência minimamente razoável, os ativos de risco brasileiros vão continuar subindo. Importam as notícias na margem. “Cavalo que ama o dono até respira do mesmo jeito.”

De minha parte, continuo otimista – às cotações atuais, especialmente com a moeda brasileira, que parece barata e descolada dos demais ativos domésticos por conta do desempenho dos últimos dias. Além de não lineares e súbitos, os movimentos e os ciclos de mercado são sempre maiores do que nossas cabecinhas lineares querem supor. Estamos só começando.

Isso não significa, claro, que a caminhada não será permeada por muita volatilidade e momentos de choro e ranger de dentes. O Brasil é o mesmo país de sempre, em que, apenas para ficar no exemplo da hora, os estandartes da ética e da moral, que rimam (na direita e na esquerda) como Marcelo D2, logo esbarram no caráter macunaímico ferozmente. “Deus mesmo, quando vier, que venha armado.” Agora, Ele ao menos conta com a vantagem da flexibilização da posse.

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