Felipe Miranda: O dia em que Bolsonaro encontrou Lula 1
💥️Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece.” Não sou entusiasta de Antonio Gramsci, por razões óbvias, mas as frases são boas.
Elas se aplicam bem ao contexto brasileiro e até mesmo à situação mundial. Depois de anos de morbidez, acredito estarmos despertando para um novo Brasil – ou para o fim de um velho Brasil; para os fins práticos desta newsletter, tanto faz. Se fim do velho ou começo do novo, dou de ombros. Importa o dinheiro pingando na sua conta. O resto é… bom, como eu poderia dizer? … o resto.
Deixe-me resumir o que estou pensando – sou pra lá de ansioso e, por isso, antecipo a conclusão. O fim e depois o meio, a placa na contramão. Talvez você não entenda, mas vou tentar lhe mostrar: entendo que estamos no primeiro estágio de um longo e grande ciclo de valorização dos ativos brasileiros, iniciado em 2016. Ele guarda paralelos claros com o último grande ciclo favorável para os mercados locais, aquele de 2003-2007. Para o desespero das tietes mais apaixonadas de ambos os times, em certo sentido, Bolsonaro 1 é parecidíssimo com Lula 1. E essa é uma excelente notícia para você.
Calma, calma. Dispenso os palavrões como resposta. Falo aqui estritamente do momento do ciclo de mercado.
Três grandes pilares sustentaram a verdadeira multiplicação (todos a considerariam exagerada se projetada a priori por algum analista) dos ativos brasileiros no quinquênio 2003-2007, a saber:
i. A herança bendita – a despeito da histeria petista em chamá-la de maldita – dos governos FHC, com uma série de reformas estruturais, fiscais e de cunho liberal, cujos efeitos foram ser sentidos de maneira mais pronunciada nos anos seguintes. Entre as mais emblemáticas: o tripé macroeconômico de Armínio Fraga, a renegociação de dívidas de 25 Estados e 180 municípios, início sistemático e operacional de programas de transferência de renda (o Bolsa Família nasce apenas como unificação do Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Vale Gás), Lei de Responsabilidade Fiscal e por aí vai.
ii. Manutenção da política econômica ortodoxa sob o comando de Antonio Palocci (Fazenda) e Henrique Meirelles (BC), tanto sob a ótica macro (preservação do tripé) quanto na esfera micro, numa sequência de desatamento de nós setoriais e regulatórios, conduzida com brilhantismo por Marcos Lisboa, Murilo Portugal e companhia limitada.
iii. Existência de um cenário internacional extremamente favorável, naquilo que Ken Rogoff chamou de o quinquênio que representou o ápice do longo ciclo de expansão da economia visto nas décadas anteriores. O período talvez seja a síntese mais emblemática da batizada Grande Moderação (baixa volatilidade do PIB, do emprego e da inflação). Ali tivemos bom crescimento da economia norte-americana, entrada forte da China como grande player mundial, com impacto profundo sobre o preço das commodities, baixa volatilidade das taxas de câmbio e juros baixos e estáveis para padrões históricos. Cumpre dizer que a grande multiplicação dos mercados brasileiros, que rendeu verdadeira fortuna para aqueles que assumiram posições de risco (mesmo que apenas de pouco risco) em Bolsa e em renda fixa, não foi exclusividade local; foi uma época muito profícua para a maior parte dos emergentes.
Se você olhar bem, perceberá como os dois elementos do tripé acima encontram paralelos óbvios com o governo Bolsonaro. Se Lula herdou de FHC um conjunto bendito de reformas e medidas pontuais, o atual governo recebe as mesmas coisas de Michel Temer. E as políticas macro e microeconômica obedecem rigorosamente às idênticas diretrizes daquelas do primeiro mandato Lula, com margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos – aliás, corrigindo: só para mais… mais liberal, porque a convicção dos Chicago Boys na ortodoxia e no liberalismo é mais forte.
A terceira perna estava meio capenga. Primeiro, era o temor com a estratégia de saída da política dos bancos centrais adotada como resposta à crise de 2008. Depois de redução sem precedentes das taxas de juro em nível global e explosão de seus balanços, os BCs, mais notadamente o Fed, precisariam começar a apertar o torniquete monetário. Os juros subiriam e iniciaríamos um quantitative tightening, um processo de enxugamento dos balanços dos bancos centrais, com desdobramentos grandes para a liquidez global. Não à toa, com juros de mercado subindo nos EUA e a economia norte-americana bastante aquecida, em especial diante dos esteroides do pacote fiscal de Donald Trump, o capital sairia dos mercados emergentes e de outros países desenvolvidos para os EUA. Foi assim durante boa parte de 2018, com forte queda das Bolsas e das moedas emergentes e muito dinheiro indo para lá.
De repente, numa daquelas mudanças súbitas e inesperadas, a coisa virou. A economia norte-americana estaria, na verdade, desacelerando muito rapidamente e haveria riscos de recessão iminente (ao menos, era essa a narrativa oficial). Também não era boa notícia para o mundo, nem para os emergentes em particular, que não encontrariam mais demanda forte para seus produtos de exportação (commodities, de maneira mais estereotipada).
Ou seja, passamos boa parte dos últimos meses preocupados com uma subida muito grande dos juros nos EUA. Depois, ficamos receosos com uma recessão mundial puxada pelo tombo da atividade norte-americana.
Direto e reto: o cenário internacional não vinha sendo favorável. Era uma porrada atrás da outra. Mas talvez o panorama comece a mudar, com os emergentes saindo das cordas agora.
A reunião do Fed ontem me pareceu bem importante nesse sentido. O banco central norte-americano manteve inalterada sua taxa básica de juro (conforme o esperado) e deu sinalizações claras de uma abordagem mais branda sobre o futuro de sua política monetária. Disse que será paciente e que a situação para elevar o juro se enfraqueceu.
Em outras palavras, a taxa básica vai subir menos por lá. Talvez nem suba ou, quem sabe, venha até mesmo a cair. Aquele medo de uma disparada dos juros de mercado nos países desenvolvidos, que retiraria atratividade dos rendimentos nos mercados emergentes, não mais se justifica. A probabilidade de um choque abrupto de liquidez diminuiu e agora o capital pode voltar a fluir na direção da periferia – note que os mercados emergentes foram dizimados em 2018, com quedas da ordem de 25 por cento; agora, estão baratos e com baixa liquidez. Qualquer rotação dos portfólios globais na sua direção pode representar uma verdadeira catapulta.
Ao mesmo tempo, tivemos sinalização relevante de que a economia mundial não está tão mal das pernas assim, com dados da indústria chinesa mostrando forças. O PMI oficial do país subiu de 49,4 pontos para 49,5 em janeiro, acima da previsão dos analistas, de 49,2. O PMI de serviços também subiu, de 53,8 para 54,7. A China vinha sendo grande fonte de preocupação, com as últimas referências bem abaixo do esperado.
Ora, compõe-se assim um cenário interessante em que os juros não devem subir muito lá fora, preservando patamar razoável de liquidez global, simultaneamente ao ainda adequado ritmo de expansão da economia mundial.
Abre-se uma janela de oportunidade positiva para os mercados emergentes e para o Brasil em particular, com o cenário internacional voltando a soprar favoravelmente. Era a ponta que faltava para a sustentação incontestável da tese em prol de um longo e vigoroso bull market (mercado em tendência de alta). Agora, vão se destacar na atração do fluxo gringo exatamente os emergentes que estiverem fazendo a sua lição de casa, aqueles que estiverem remando na direção de se tornarem desenvolvidos. Mas isso já é assunto para outro texto.
Próxima parada: 100 mil pontos. Será apenas uma pausa para respirar, aquele “splash and go” da Fórmula Indy. Não é uma prova de arrancada. São as 500 Milhas de Indianápolis. Há muito, mas muito por vir. Prefiro os Stones aos Beatles, mas hoje é o caso de “Let it be”; deixe os lucros aumentarem, não realize ainda – “let it bleed” é só para o dólar mesmo.
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