Felipe Miranda: Medo e delírio; E se Bolsonaro sofrer impeachment?

Voldermort.

Com um filho de sete anos e um afilhado de dez, me divido entre Juan José Campanella, Luis Ortega, Kurosawa (estou feliz porque comprei a coleção do pai da Bia), Vingadores e Harry Potter — não necessariamente nessa mesma ordem.

Sem vocação alguma para “O Anjo” (desculpe, mas eu não achei o filme tudo isso), me sinto mais como a personagem de Ricardo Darín em “O Filho da Noiva” ao tomar decisões de investimentos neste Brasil de meu Deus:

“Como ‘esta’ crise? Quando não há uma crise aqui? Quero dizer, se não tem inflação, tem recessão; e se não tem recessão, tem inflação; se não é o Fundo Monetário Internacional (FMI) é a Frente Popular. A questão é que se não é pela frente é pelo fundo, sempre há alguma coisa para ferrar este lugar.”

No mês de maio, se não é o açougueiro, é o caminhoneiro. Se nenhum dos dois, então é o risco de vazamento dos barões pelo Brasil inteiro. Os vales da Bolsa começam nas minas e terminam nos gerais.

Voldemort é aquele que não se pode falar o nome, caso contrário ele aparece. É o “Você-sabe-quem”, “Aquele-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado”, “Quem-nós-sabemos”, o “Lorde das Trevas”, o principal vilão da série de livros e filmes do Harry Potter.

Há coisas que a gente pensa, mas não pode falar. Escrever, então, nem pensar. Verba volant, scripta manent . Então, as palavras abaixo devem ser entendidas como um completo devaneio, uma elucubração qualquer, um cenário totalmente hipotético, como a viagem de Raoul Duke no filme “Medo e Delírio” para cobrir uma corrida clássica de motos no deserto, narrada tacitamente como o conflito de sua versão mais livre com seu alter ego.

Ao analista (no sentido amplo de todos aqueles que fazem “análise”, não da conotação conferida pela instrução 598 da CVM, tampouco dos profissionais freudianos), cabe aventar sobre os mais diversos cenários, por mais improváveis que sejam. No mês de maio brasileiro, chega uma revoada de cisnes negros. Será o clima mais aprazível? Encontramos eventos raros a cada semana, numa paleta de cores alternando entre o preto e o cinza.

Assim, vamos falar sobre loucuras, pois nelas também residem alguma razão

A verdade é que, depois de muito tempo, passamos a correr o risco de dar certo. As condições estão (ou, ao menos, estavam) postas, naquilo que sintetizei ano passado na tese “O Segundo Mandato Temer”, em referência à vitória inexorável da agenda, que se imporia forçosamente qualquer que fosse o vencedor das eleições.

Numa espécie de materialismo histórico (eu odeio essa expressão), as condições materiais estariam colocadas para adentrarmos uma agenda de reformas liberais e fiscais, pela impiedosa necessidade e pela frieza da aritmética. O PIB já não cabe mais no Orçamento público. A força natural da matemática sobre o personalismo ou a ideologia. A soft science jamais poderá brigar com a hard science.

Então, como, no meu entendimento, não temos vocação para a explosão e nosso país vive numa espécie de cercadinho (bate no limite inferior e volta para a média; depois, começa a ficar bom e bate no limite superior, retornando de novo à média), acabaríamos, de uma forma ou de outra, fazendo as necessárias reformas estruturantes.

E o que temos agora?

A verdade é que este governo tem se esforçado muito para dar errado. É preciso muita competência e vocação para o fracasso para fazer as coisas que estão sendo feitas, correndo o risco de ferirmos o que seria uma espécie de curso natural em direção às reformas.

De maneira sucessiva, o Planalto se sabota com beligerância excessiva contra a imprensa e a oposição (por vezes, até mesmo contra o Congresso), mantém uma “família real” de pitbulls, eles contra nós, e Queiroz, além de recorrer à astrologia como um guia de referência, representada num guru que chama Diogo Mainardi de comunista e critica qualquer associação com a China, contrariando por completo a orientação liberal da política econômica. Isso sem falar na ordem dos templários, composta por Damares Alves, Ernesto Araújo e outros asseclas.

“Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.” Para Riobaldo, a gente sempre arruma um tempo.

Então, como um grande devaneio, uma loucura descabida, uma viagem a Darjeeling, permita-me elucubrar sobre o seguinte cenário, absolutamente hipotético…

E se, numa hipótese absurda, essa quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro apontar algum tipo de irregularidade? E se isso vier a sugerir algum tipo de envolvimento com as milícias no RJ?

Claro que isso sequer passa pela minha cabeça. Mas façamos esse exercício…

Então, num segundo momento, ainda dentro desse quadro meramente hipotético (tudo aqui é apenas elucubração, fique claro), descobre-se que não somente Flávio, mas também toda a família Bolsonaro mantinha relações pouco republicanas com o day trader de carros Fabrício Queiroz.

Como ficaria a independência do ministro Sérgio Moro em meio a investigações sobre a família Bolsonaro? Ele estaria disposto a ficar no governo e correr o risco de macular sua ilibada reputação? Os heróis paladinos costumam ser os primeiros a pular do barco diante de uma crise. E se ele saísse, parte do apoio do centro ao governo, que já começa a esvair-se, continuaria incólume?

Seria interessante contextualizar esse panorama aventado sem qualquer embasamento. A pomposa expressão “presidencialismo de coalizão”, depois de quase três décadas em vigor, está em xeque. Propõe-se um novo jeito de se fazer política — seja lá o que isso quer dizer.

A retórica é linda e obviamente ninguém em sã consciência defenderia o velho toma lá, dá cá, de nomeações políticas em troca de cargos e ministérios, cujo resultado final seria apenas a eleição de amigos do rei, acesso a privilégios e favores e, mais diretamente, corrupção.

No entanto, sem as coalizões, talvez as coisas fiquem um pouco mais complicadas do que se supõe. Fernando Henrique Cardoso lembrou recentemente que “presidente sem maioria no Congresso corre risco”. Sei lá se é assim. Quem sou eu na fila do pão?

Eu não ganharia eleição nem para síndico do prédio, dada a gritaria que o pessoal costuma fazer nos nossos churrascos mensais ali na varanda do Vila Inglesa; mas penso que um presidente em atrito com o Congresso não parece boa coisa.

Cedi alguns minutos lendo Gustavo Bebianno em entrevista à Veja: “Carlos sabe como manipular o pai, usando teorias de conspiração sem fundamento algum. O presidente está perdendo quase todos os seus verdadeiros aliados por conta disso. E os que ainda estão ao seu lado não põem mais a mão no fogo”.

E, na Folha de hoje, o relator da reforma da Previdência critica a beligerância do governo. Editorial do Estadão varia o tema sem sair do tom: “Jair Bolsonaro tem agido cada vez mais como líder de facção, e não como presidente da República”.

Talvez houvesse um caminho salomônico em que se manteria o tal presidencialismo de coalizão, sem que isso representasse o toma lá, dá cá em sua conotação nefasta. Quem sabe a razão encontrasse uma estrada no meio em que nomeações políticas acontecessem não por corrupção e proximidade à corte, mas por uma reunião em torno de um projeto e da aprovação das reformas? A razoabilidade não parece compor a psique dos pitbulls.

Um impeachment, evidentemente, exige um fato objetivo, técnico, circunscrito a elementos materiais muito bem definidos na Constituição. Mesmo os mais loucos devaneios jamais ousariam desafiar essa prerrogativa. Mas, em meio a crises políticas e econômicas agudas, qualquer motivo pode servir — até Fiat Elba já derrubou presidente.

Nesse sonho que tive e que vou te contar, antes de me atirar do oitavo andar, com os olhos fechados para não me machucar, Hamilton Mourão assumia a Presidência. Acabava com os embates públicos ginasiais via redes sociais.

Por mais incrível que pareça, o general, que tem sido uma voz de apaziguamento e serenidade, retiraria o gosto de sangue da boca dos adversários, adotaria um discurso de união ao parar de pregar para convertidos e começaria a governar para todos os brasileiros.

Criaria uma aproximação com o Congresso, focando na reforma da Previdência e abandonando esse lateralismo retórico em prol de uma agenda de costumes reacionária. O respeito às liberdades deve caber ao mercado, à livre-iniciativa e, também, às individualidades.

Então, curiosamente, voltaríamos a ter um governo militar, focado numa agenda liberal, estruturante e reformista, com um paralelo capaz de despertar perplexidade com a adoção do PAEG lá em 1964. A ele se seguiu o grande crescimento econômico posterior. Seria a chance de um segundo milagre econômico brasileiro?

Não sei. É tudo uma grande loucura. Seja como for, todos os caminhos ainda levam a Roma. Pode ser que o governo acerte seu prumo e a reforma seja aprovada por conta disso. Pode ser que o Congresso blinde a reforma da família dos Trapalhões e aprove a PEC da Previdência apesar disso.

Ou pode ser nem “por conta dos Trapalhões”, nem “apesar dos Trapalhões”. Pode ser sem eles. Ao final, essa tendência meio antropológica, meio estruturalista, meio hegeliana (sei lá!) de o Brasil convergir para um comportamento medíocre vai evitar o nosso desastre fiscal. No final, a agenda tende a se impor.

No meio do caminho, porém, haverá várias e várias pedras. A coisa vai sacudir. Mesmo os maiores bull markets da história ofereceram choro e ranger de dentes. Para mim, é a capacidade de resistir, de persistir e manter-se resiliente que separa os meninos dos homens. Os heróis não são aqueles que nunca se machucam. Mas os que sempre voltam. A Bolsa continua sendo o mecanismo de transferência de dinheiro dos impacientes para os pacientes.

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