Gabriel Casonato: A China se importa de perder a guerra comercial?
Por Gabriel Casonato, editor da Agora Financial
Caro leitor,
O fato de que a China perderá a guerra comercial com os EUA é praticamente consenso no mercado. As razões são óbvias. O comércio exterior representa uma fatia muito maior do PIB chinês do que o americano, então uma guerra nesta frente sempre pesará mais sobre o país asiático.
Além disso, a China só compra cerca de US$ 150 bilhões em mercadorias dos EUA a cada ano, enquanto os EUA compram cerca de US$ 500 bilhões da China.
Essa é a fonte do expressivo déficit comercial americano de US$ 350 bilhões, que dá aos EUA a vantagem de poder infligir muito mais sofrimento ao país “rival”. As próprias formas de retaliação chinesa também esbarram em algumas vantagens americanas.
Por exemplo, a China não pode despejar seus títulos do Tesouro dos EUA sem ferir sua própria posição de reserva e arriscar um congelamento de conta pelo governo.
Ela também não pode aumentar a pressão roubando propriedade intelectual, porque suas empresas já estão fazendo isso na medida do possível.
O resultado é que os EUA vencerão a guerra comercial e a China abrirá seus mercados para a compra de mais bens dos EUA – ou então a economia chinesa diminuirá significativamente.
Ainda assim, muitos especialistas sugerem que as autoridades chinesas não estão se importando muito em perder o confronto.
Os líderes chineses preocupam-se, antes de tudo, com sua própria liderança e com a perpetuação do Partido Comunista Chinês, em vez do crescimento ou bem-estar de seu povo.
Se os chineses encararem a guerra comercial como apenas um passo em uma guerra fria prolongada envolvendo comércio, tecnologia, ativos militares e hegemonia regional… Então teremos um longo período de contração de crescimento que não se limitará à China, mas afetará todo o planeta.
Esse parece ser o resultado mais provável por enquanto. De modo que precisamos estar preparados para um crescimento mais lento e talvez uma estagflação.
No pior dos cenários, a economia global pode estar caminhando para uma década perdida, o que não acontece desde o final dos anos 70. Na vida, normalmente decidimos as coisas emocionalmente para depois tentar justificá-las intelectualmente.
Esta é a melhor explicação que posso dar para aquelas pessoas que, como eu, se preocupam com as consequências para os EUA de uma guerra comercial com a China. Eu, pessoalmente, acredito que os chineses têm muito pouca influência contra os americanos em um conflito comercial. A América será a grande vencedora nesta guerra – e por uma larga vantagem.
Durante muito tempo, grandes nomes de Washington e de Wall Street nos fizeram acreditar que o confronto resultaria em um desastre para os EUA.
E muitos, assim como eu, acreditaram nestes mensageiros do apocalipse sem pensar criticamente sobre o assunto.
Hoje, entendo que a guerra comercial com a China talvez seja a única maneira de restaurar o livre comércio de verdade. A quantidade de negócios que o país asiático perderá no confronto é indiscutivelmente maior que a dos EUA.
(Imagem: Pixabay)
Esqueça o argumento padrão de que, como a China é o maior credor estrangeiro com cerca de US$ 1 trilhão em títulos do Tesouro americano, os EUA não poderiam se dar ao luxo de deixar o seu “banqueiro” gringo com raiva.
Os mais temerosos dizem que a China poderia recorrer ao dumping por atacado de Treasuries, aumentando assim as taxas de juros dos EUA e deprimindo a demanda por dívida do governo americano.
Esse consequente aumento rápido nos juros seria um choque para a economia dos EUA e a colocaria em recessão, de acordo com os pessimistas.
Esse argumento pode ter sido verdade oito ou seis anos atrás. Mas o mundo mudou muito de lá para cá. E essas mudanças mudaram também o meu pensamento. A mudança mais substancial é que agora o presidente é Donald Trump, e não Barack Obama.
Os EUA não precisam mais sacrificar sua política externa e sua economia para manter seus credores felizes. A economia americana está se expandindo a um ritmo mais rápido sob o comando de Trump do que sob Obama. O dólar está mais forte e a demanda pelos Treasuries está aquecida.
Atualmente, o rendimento do título de 10 anos do Tesouro dos EUA é de 2,37%, graças ao início da normalização da política de juros pelo Fed.
As taxas de juros mais altas não refletem a demanda real por Treasuries. Em vez disso, refletem uma economia orgânica forte, não dependente de flexibilização quantitativa ou de juros artificialmente baixos. Grande parte do mundo não pode dizer a mesma coisa.
Em contraste, o rendimento da nota de 10 anos do Tesouro de Hong Kong é de 1,36%. Em Singapura, é de 2,13%. E em países mais desenvolvidos, como Alemanha e Japão, os títulos de 10 anos dos governos estão gerando taxas de juros negativas!
Em suma, se você quiser comprar títulos do governo, os dos Estados Unidos são a melhor opção.
Assim, independentemente do que os chineses fizerem com sua dívida americana, ainda haverá compradores de Treasuries, porque:
1) os títulos do Tesouro dos EUA têm valor relativo alto quando comparados aos de outros países;
2) o dólar é a moeda mais sólida do planeta;
3) a economia dos EUA é forte, mesmo sem taxas de juros muito baixas.
Além disse, vamos lembrar que o Fed reduziu seu balanço em cerca de US$ 1 trilhão com processo de flexibilização quantitativa.
Sob o governo Obama, o chegou a cerca de US$ 5 trilhões. Mas desde o fim do quantitative easing, essa posição foi reduzida para US$ 4 trilhões. Portanto, se os chineses vendessem seus US$ 1 trilhão em títulos do governo dos EUA, o Fed poderia recomprá-los a qualquer preço que a China pedisse.
Talvez o Fed não queira comprá-los, mas considere o seguinte cenário:
Imagine um tuíte em que Trump pergunta aos americanos se eles querem que o Fed recompre os US$ 1 trilhão de Treasuries em posse da China…
Cabeças democratas iriam explodir, os chineses pediriam desculpas, a Europa condenaria Trump, economistas iriam bufar e dizer que não, mas a massa de pessoas estaria com ele.
Por isso, sob quaisquer circunstâncias que eu possa imaginar, vejo a América saindo como a grande vencedora da guerra comercial.
O que não significa necessariamente uma vitória para a economia global.
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