Angela Bittencourt: juízo ao entrar e muito cuidado ao sair (não se trata de namoro, mas da bolsa)
Colunista reflete sobre timing de entrada das ações e importância de estar alocado para auferir retornos inesperados expressivos (Imagem: Pixabay)
Se você quer ir a Nova York, saiba que terá de percorrer 7.680 quilômetros e desembolsar 3.500 reais. Há 30 anos, a distância era a mesma, mas o bilhete era mais caro. Se o ano não fosse 1986, talvez eu esquecesse o desejo de conhecer a “capital do mundo”, tomasse decisões mais sensatas e nem aprendesse a cantarolar Frank Sinatra: “Start spreading the news/ I am leaving today/ I want to be a part of it/ New York, New York”. Mas não foi assim.
Havia certa euforia no ar. A ditadura militar havia acabado, uma Nova República fora instaurada no ano anterior e o governo Sarney empenhava-se para debelar a inflação com o primeiro programa de estabilização monetária de que se tinha notícia. Nada daria errado naquele 1986. Afinal, lançado em fevereiro, o Plano Cruzado havia gerado um dividendo imediato. Em março, a inflação caiu a um quarto do que era. Em abril, quase desapareceu. Os juros despencaram. O Ibovespa subiu, subiu e subiu. Em algum momento iria parar? Talvez. Mas cair nem pensar…
Com a certeza que só a ignorância nos dá, raspei o tacho. Coloquei na Bolsa cada centavo da reserva das férias e pensei: “É só deixar o tempo passar”.
Não dei a mínima para o cenário que, em pouco tempo, não convencia sequer os mais otimistas. Ignorei a minha própria avaliação de que o congelamento de preços imposto pelo plano do governo e o consequente sumiço de produtos das prateleiras dos supermercados prenunciavam um fiasco.
Algum bom senso e alguma informação sobre o mercado acionário teriam possivelmente evitado prejuízo, frustração e várias correções de rota no mapa das Américas que colei na parede em frente à minha mesa de trabalho.
Mas como estávamos no primeiro trimestre daquele ano e a Bolsa brasileira renovava recordes rumo aos impensáveis 50 mil pontos, eu flertava com o mapa… pensava que algumas horas e 7.680 quilômetros depois era só desembarcar no JFK e cumprir a minha agenda de teatros, cinemas, baladas e, claro, de caminhadas pelo Central Park.
Olho gordo
A animação era tanta que estranhei quando um colega disse: “O Ibovespa emperrou!”. De imediato, pensei: “É inveja, olho gordo”. Que nada! Foram dias seguidos de vendas maciças de ações de estatais — as bambambãs do Ibovespa naquela época —, mas não me abalei. Não dá para dizer o mesmo, porém, sobre a rota das Américas. Rapidamente Nova York ganhou ares de Cancún. Os megaedifícios espelhados que povoavam os meus sonhos deram lugar a palmeiras e céu azul.
Não pense que me agarrei aos mais de 9.000 quilômetros da costa brasileira. Que nada! Mantive o pique de um aventureiro que embarcaria no Alasca rumo aos trópicos.
O Ibovespa emagrecia a cada semana. De repente, por que não Natal, no Rio Grande do Norte? Cabia no bolso. Logo, passou a ser um destino possível. Tudo certo até chegar o “Aviso de Férias”. Assinado o documento, corri para resgatar a aplicação. Eu havia perdido parte do principal investido. E Natal foi para as calendas. Parti para as contas: Porto Seguro ficava ainda melhor no bolso, a “apenas” 1.591 quilômetros de São Paulo e — a preços de hoje — a passagem do interestadual custava quase 90 por cento mais barato que o voo original (que pareceu tão maneiro).
De Viação Águia Branca cheguei a Porto Seguro 28 horas depois do embarque. O retorno para casa merecia alguma alegria. Fiz uma parada no Rio de Janeiro e voltei para casa no Trem Prata, que parou de circular em 1991, foi reativado em 1995 e saiu de linha definitivamente em 1º de dezembro de 1998. Para mim, uma perda inestimável. Eu adorava fazer essa viagem.
Nada de balada
Conheci Nova York antes que o Trem Prata deixasse de rodar. Você ainda se lembra daquela minha agenda de teatros, cinemas, baladas? Não foi cumprida à risca porque o Brasil acostumou-se a tempos bicudos. Os brasileiros também.
A redefinição de rotas das Américas marcou o mapa de vermelho. Durante alguns anos ainda ficou na parede em frente à minha mesa de trabalho e não me deixou esquecer de 1986, tampouco do tombo da Bolsa. O Ibovespa só se reergueria à pontuação semelhante daquele “high” quase oito anos depois, no embalo do Plano Real. Mas aqui já vivi outra história…
Neste mesmo espaço, há dois dias, o estrategista-chefe e CEO da Empiricus , Felipe Miranda, foi tão claro que me animou a te contar a minha não viagem à Nova York. Ele disse que ninguém sabe quando a Bolsa vai subir ou cair. E explicou: “Tenha uma tese, apoiada nos fundamentos e no preço dos ativos, e se agarre a ela. Tudo que podemos fazer, na melhor das hipóteses, é comprar coisas por preços inferiores aos seus verdadeiros valores intrínsecos, na esperança de que A (o preço) vai convergir para B (o valor). A velocidade e a forma de convergência não nos pertence”.
Se você é um dos três leitores do Day One do Felipe, certamente leu, na terça, a explicação e o alerta que ele deu aos incautos ou aos investidores de primeira viagem. Valentes como eu em 1986.
“Os movimentos em Bolsa acontecem aos saltos, de súbito e de maneira não linear. No dia em que você resolver sair das ações, é capaz de amanhecer com uma alta de 10 por cento na sua cabeça. E daí você não pega nunca mais o movimento, porque dificilmente vai ter a frieza de comprar 10 por cento acima do preço que vendeu”, escreveu ele.
Eu não vou esquecer. Você vai?
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