Felipe Miranda: Ecos de 2001, lições sobre como perder dinheiro
Colunista discorre sobre posicionamento em tempos voláteis
Há muita gente por aí tentando ensinar você a ganhar dinheiro. Acho uma pretensão enorme. Pretendo algo menos celestial. Se eu posso alguma coisa aqui (e ainda me pergunto todos os dias se posso), talvez seja ensiná-lo a perder dinheiro. E acredite: saber perder dinheiro é tão importante quanto saber ganhar.
Dias como o de ontem acontecem e com mais frequência do que gostaríamos. A renda variável varia. Até a renda fixa varia. Obviamente, ela vai variar também contra a nossa vontade. É preciso estar preparado para isso.
Alguns querem caracterizar o evento da véspera na Argentina como um cisne negro, um evento raro, de alto impacto e imprevisível. Não é uma definição precisa. Apesar de improvável, a vitória da chapa da ex-presidente Cristina Kirchner era previsível, no sentido de que poderia ser prevista, era mapeável, caracterizando-se, portanto, como um cisne cinza.
Discussões sobre ornitologia à parte, estou, sim, preocupado com os desdobramentos no país vizinho. Sinto cheiro de 23 de dezembro de 2001, naquele calote que envolveu nada menos do que 82 bilhões de dólares em títulos da dívida externa, ou dos abutres de 2014, quando a Argentina entrou em default técnico ao não conseguir acordo com os dissidentes da negociação da dívida em 2001.
A potencial volta da esquerda ao governo da Argentina tem seus efeitos diretos sobre os ativos locais. E respondendo aqui às várias perguntas que me foram enviadas ontem sobre a possibilidade de um “bargain hunting” por lá, ou seja, se já poderíamos pescar fundo naquele poço e comprar coisas excessivamente baratas, jogo a questão para a pasta “too hard” de Warren Buffett. Há coisas que podem até parecer baratas, mas são difíceis demais de entender e não nos oferecerem a devida margem de segurança. De que nos adiantam os juros altos diante de uma eventual nova maxidesvalorização do câmbio e dos riscos de expropriação e calote da dívida? Ganhamos os juros e perdemos o principal, é isso? Ao melhor estilo antitalebiano de apostar dólares para ganhar centavos?
Mas as coisas são piores do que apenas restritas ao ambiente local. O golpe de morte sobre a economia argentina impõe restrições adicionais à nossa já combalida indústria, em especial automotiva, bastante exportadora para os hermanos. Também sofrem as aéreas, inclusive minha querida Azul, cujas ações, porém, podem driblar os efeitos deletérios da questão a partir do anúncio de sua entrada na ponte aérea São Paulo-Rio. E as preferidas CVC e Smiles, num momento em que a malha aérea começava a se normalizar e se projetava melhora de resultados à frente.
Ainda em termos concretos, o acordo recente firmado entre Mercosul e União Europeia encontra um revés importante, dada a orientação de política econômica do provável novo governo argentino — e o próprio Mercosul enfrenta um teste importante, dada a pública resistência de Jair Bolsonaro à chapa esquerdista por lá.
Além de tudo isso, há um viés do sentimento de aversão ao risco na região, que contamina tanto investimentos de portfólio quanto aqueles de longo prazo.
Lembre-se de que a moeda brasileira é bastante exótica e de um beta altíssimo, sendo muito sensível às condições sistêmicas, globais, regionais e nacionais — quando as coisas vão mal, ela paga muito mal; note que ontem, por exemplo, ela teve um desempenho superior apenas ao do peso argentino e da lira turca.
E agora pense o seguinte: se você fosse um grande player global de infraestrutura, tipo uma Brookfield da vida, faria neste momento um grande investimento de longo prazo num país latino-americano? A derrota de Mauricio Macri serve para nos lembrar que, embora possa parecer morta, a esquerda pode voltar a qualquer momento — e isso acontece quando menos se espera, com o ímpeto que menos se espera, inclusive com rompantes em prol de ruptura de contratos e desrespeito a marcos regulatórios (vide MP 579). A retórica peronista de que “estamos aqui para limpar as atrocidades cometidas pelos liberais” é simplesmente asquerosa e precisa ser varrida do mapa. É de arrepiar porque se mostra rigorosamente igual àquela praticada por petistas e partidos satélites.
Some a isso que estamos na iminência de um amplo e profundo programa de privatizações. Sim, acho que temos um revés para toda a região.
Resumo da história: não acho que teremos o bull market estrutural interrompido. As forças domésticas acabam prevalecendo, caso não haja suspensão da disposição ao risco em nível global, o que ainda não me parece o caso, em que pesem os temores com a guerra comercial entre EUA e China e com uma desaceleração da economia mundial. Ainda vivemos numa cena de juros negativos lá fora e perseguição de taxas de retorno positivas na periferia. Contudo, as coisas pioraram nas últimas semanas. E é por isso que você precisa estar preparado para dias de volatilidade, para perder dinheiro por algum tempo (momentaneamente, enquanto certos racionais de investimento não se materializam) e para ter prejuízo em algumas posições — sim, se você não está perdendo dinheiro em algumas posições, você está fazendo isso errado. Já chego lá.
Se você quer surfar o bull market estrutural, necessariamente vai se expor a posições de risco — afinal, este é o propósito: vamos atrás de mais retorno potencial e, portanto, teremos de correr mais risco. Não existe almoço grátis. Eu também queria o maior retorno potencial do mundo, sem risco algum. Mas a vida é dura. Então, quando você arrisca mais, erra mais. Se você não está errando, na medida e na frequência certa, você apenas não está tentando o suficiente. O processo de investimento é como qualquer outro na vida, se dá por tentativa e erro.
Algumas observações para lidar com essas perdas — como disse, eu quero ensiná-lo a saber como perder, porque lidar com os ganhos todo mundo sabe.
A primeira questão é de cunho psicológica, tão ou mais importante quanto outras de ordem mais material. Em dias como ontem, quando todos os demais entrarem em pânico, você não vai entrar em pânico. Tenha um plano traçado ex-ante — haverá outros dias como o 12 de agosto de 2023. Faz parte do jogo. Isso é um campeonato de pontos corridos, ida e volta, não um mata-mata; ninguém ganha todas as partidas em uma liga longa. Se você deixar para pensar no que fazer no dia do desespero, dificilmente tomará a atitude mais racional — por construção, desespero e racionalidade não costumam conviver bem juntos. Na hora do caos, seja estoico. Não culpe ninguém, não reclame. Grace under fire . A responsabilidade sobre seu dinheiro é apenas sua. Só desenvolve alguma habilidade quem não tergiversa ou responsabiliza terceiros sobre o próprio fracasso. Tome aquilo como uma oportunidade de desenvolvimento, adotando o mindset flexível (de crescimento). Cresça com o choque.
Sabedor de que haverá dias ruins, além de estar psicologicamente preparado, você vai preparar também seu portfólio para os banhos de sangue. Não passe um dia sequer com uma carteira que não tolera uma grande perda diária, a ponto de tirá-lo do jogo com uma eventual zeragem compulsória. Não se alavanque, nunca. Diversifique, calibre bem o tamanho de suas posições e mantenha sempre proteções — não superestime sua capacidade de antever um acontecimento negativo. Você não tem essa capacidade. Ninguém tem. Quando você decidir se mexer, pode ser tarde demais. Guarda alta, sempre.
Mark Spitznagel, sócio de Nassim Taleb na Universa Investments, apresenta logo no começo de seu livro “The Dao of Capital” o chamado Paradoxo de Klipp: “Você precisa amar perder dinheiro”. Pode soar contraintuitivo. De fato, é contraintuitivo, mas encontra perfeito amparo na racionalidade. A ideia é combater o viés cognitivo clássico das Finanças Comportamentais da “aversão à perda”.
Daniel Kahneman e Amos Tversky identificaram em seus estudos que a perda machuca o ser humano cerca de 2,5 vezes mais do que o benefício gera satisfação. Daí vem a chamada aversão à perda. Ninguém quer reconhecer a perda, o prejuízo, porque aquilo machuca demais nosso bem-estar. No momento em que o fazemos, estamos reconhecendo para nós mesmos que erramos.
Terry Odean analisou 10 mil contas em corretoras de pessoas físicas e identificou a tendência a carregar por tempo demasiado posições perdedoras, numa decorrência imediata da aversão à perda. Para não reconhecer o prejuízo, carregamos uma posição ruim na carteira, enquanto realizamos antecipadamente o lucro numa ação boa. O resultado disso é que morremos com uma carteira de micos no longo prazo.
Sempre lembro de George Soros, que se define como um investidor mediano na sua taxa de acerto dos racionais de investimento. Segundo ele mesmo, porém, conforme documenta Robert Slater em “George Soros: Definitivo”, há ali uma habilidade especial em rapidamente identificar um erro, ajustar a rota e seguir adiante, sem pesar, realizando a posição perdedora e partindo para próxima.
Em vez de ter aversão à perda, você deve passar a quase gostar dela. Assim, você não terá problema em realizar o prejuízo de uma ação ou um título ruim e comprar outro melhor.
Há outra lição contraintuitiva nessa história toda. A diversificação é o último almoço grátis disponível. Conforme demonstrou Harry Markowitz, em paper que lhe rendeu o Prêmio Nobel de 1990, por meio dos chamados “ganhos da diversificação”, você pode diminuir abruptamente o risco de sua carteira, preservando retorno potencial, caso selecione ativos negativamente correlacionados. Para Ray Dalio, o maior gestor do mundo, isso é o Santo Graal dos Investimentos.
Agora, pense o seguinte: se uma carteira ótima (eficiente) carrega ativos negativamente correlacionados, ou seja, quando um cai, outro sobe, para investir em linha com o estado da arte, você precisa necessariamente ter algumas posições perdedoras no seu portfólio. Se você não tem ao menos uma coisa caindo na sua carteira todo dia, você não está suficientemente diversificado. Você precisa gostar de ter algumas posições perdedoras e se acostumar com isso. O foco deve estar sempre na gestão do portfólio, não de um ativo ou outro em particular.
Por fim, lembre-se de que investimento em ações é algo inerentemente de longo prazo. Se você se assustou com o default da Argentina em 23 de dezembro de 2001, evitou a queda de 10 por cento em janeiro de 2002 e de 17 por cento no ano inteiro de 2002. Mas se você lembrou-se da frase que a Bolsa é o mecanismo de transferência de riqueza dos impacientes para os pacientes e tolerou aquela volatilidade, atravessando as mazelas de 2002, viu o Ibovespa subir 97,3 por cento em 2003, 17,81 por cento em 2004, 27,71 por cento em 2005, 32,9 por cento em 2006 e 43,7 por cento em 2007. A sequência só seria interrompida com a grande crise global de 2008, catalisada pela quebra do Lehman Brothers naquele fatídico 15 de setembro.
Enquanto os ecos não forem de 2008, mas apenas de 2001, estaremos comprando.
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