Felipe Miranda: A montanha mágica de dinheiro com ações
Colunistas discorre sobre fundamentos microeconômicos e descolamento de fintechs e grandes bancos
As boas ideias… onde é que elas foram parar? Às vezes, acho que elas não param. Ficam zanzando por aí para se misturarem às ruins, que são sempre companhias mais divertidas. Acho que fazem de propósito, só para confundir a gente.
Assim, elas chegam misturadas, restando-nos a difícil tarefa de distinguir, separar o joio do trigo, num ambiente em que o trigo de hoje pode ser o joio de amanhã no mercado, uma ideia boa na hora errada é apenas uma ideia ruim.
Como identificar uma boa ideia? Normalmente, aqui na Empiricus , eu falo que não há boas ideias a priori. Nem sequer há opiniões. Se você acha tal coisa, legal, parabéns, vamos ver na prática se funciona. Substituímos a hierarquia e a enaltecida ditadura do argumento pela ditadura do teste é ele, e só ele, que manda.
Entre duas teorias, hipóteses ou ideias, colocamos as duas na rua e verificamos, com dados e medição, qual agradou mais o assinante. Ele é o nosso patrão, a única hierarquia a que obedecemos. O campo escala, não o treinador, resume o filósofo Tite.
Com investimentos é mais difícil. Testar pode sair muito caro. Você precisa decidir antes em que colocar suas fichas. E um erro pode ser fatal. Perdemos o benefício do teste, do feedback instantâneo, da chance de ajustar a rota subitamente aliás, quando devemos ajustar a rota e quando devemos insistir? Qual o limite entre o investidor perseverante e o teimoso? Quem é mão fraca e quem não sabe reconhecer a hora de stopar?
A volatilidade aumentou nas últimas semanas. Está um pouco mais difícil separar as boas ideias das ruins. Num dia, a guerra comercial vai acabar com o mundo.
No outro, a Argentina, tomada por um dos mais rudimentares sentimentos humanos — a inveja —, quer assumir esse protagonismo
se não conseguir destruir o mundo, ao menos a América Latina. No subsequente, EUA e China estão prestes a se acertar, voltando àquela ideia aqui defendida da reglobalização
apenas por constatação de que a via alternativa é péssima. Passadas 24 horas, não precisaríamos de evento novo algum para a explosão, pois o processo já estaria em curso. Diante do crescimento de apenas 4,8 por cento da produção industrial chinesa, bem abaixo do esperado, bem-vinda recessão, é isso?
Ora, ora, estamos no meio de agosto e o clima de “olha a chuva… já passou” parece um tanto atrasado. Viramos uma espécie de fundo de trend following, que chega na Quarta-feira de Cinzas para curtir o Carnaval? Como ir além da superfície macro tão imprevisível e das sutilezas da abordagem top-down, excessivamente focada nas condições sistêmicas, sempre tão imprevisíveis?
Quando há esse tiroteio macro tão intenso, tento focar no micro — aqui temos mais controle, mais proximidade, estamos dentro do nosso círculo de competências. Deixamos a perspectiva mais ampla da floresta para observar cuidadosamente as nervuras de cada folha — ali pode haver sinais importantes da saúde do ecossistema ou, ao menos, daquela planta em particular.
No final do dia, ações são empresas. E seguem seus lucros. Ponto-final. Se você quer uma boa ideia, siga os lucros.
Talvez hoje, aniversário de 60 anos de Earvin “Magic” Johnson, você pudesse imaginar que há alguma mágica nos processos de investimento, algum segredo especial. A verdade, porém, é que não há. Mais do que isso: deveria haver? Será mesmo que alguém gostaria de ser chamado de mágico?
O gênio Earvin Johnson, considerado por muitos o maior armador da história da NBA, cinco vezes campeão da liga e três vezes considerado o melhor jogador do campeonato, recebeu o apelido “Magic” depois de conseguir um triplo-duplo (36 pontos, 18 rebotes e 16 assistências) ainda aos 15 anos, em partida contra o instituto Jackson-Price, então um dos líderes do campeonato.
A mãe de Johnson, ao ler o apelido do filho estampado no Lansing State Journal, ficou revoltada era uma cristã devota e qualquer magia era considerada blasfêmia.
Se Earvin Johnson era mesmo mágico? “Eu praticava todos os dias. Eu ia até a loja driblando com a minha mão direita e voltava driblando com a minha mão esquerda. Aí, eu dormia com a bola.” É o que ele costuma dizer sobre o sucesso.
Andrew Reed, do Sequoia, citou em sua newsletter de 26 de junho uma metáfora brilhante. Algo mais ou menos assim: “Imagine-se martelando uma rocha por cem vezes, sem qualquer impacto material no alvo. Em sua centésima-primeira batida, a rocha quebra em duas.
Eu tenho certeza de que não foi aquela martelada que dividiu a rocha, mas, sim, a sequência de cem alvejadas anteriores”. Então Reed completa: “No nosso trabalho, você nunca sabe quais dias vão ser os mais importantes da sua carreira. Mas se você continuar martelando, esses dias vão acontecer”.
No mundo louco de meu Deus, da possibilidade de recessão ou reglobalização, vai saber, dos valuations esdrúxulos das fintechs, das fórmulas mágicas de sucesso e de muita bruxaria para justificar certas narrativas, alguns resultados integralmente concretos e tangíveis — precisam ser destacados.
Deles, certamente emergem boas ideias, sem mistura nenhuma com as ruins, portadoras de pedigree e tudo mais.
Começo por BTG Pactual. Receita com sales & trading estourou a boca do balão. Muito acima de qualquer expectativa, inclusive da minha, que já era bem otimista. Principal investments também. Melhora importante de ROE, mesmo se ponderarmos por não recorrência de sales & trading.
Até desconfio que a falta de disclosure dos dados da operação do Digital esconda alguma dificuldade de monetização ali, mas, ao menos por ora, não tem feito falta.
Com todo respeito, e mesmo considerando o David Vélez um gênio e toda a turma do Sequoia ainda mais gênio entre os gênios, faz algum sentido Nubank valer 10 bilhões de dólares e BTG valer o que vale? Não me surpreenderia em ver BPAC11 a 100 reais, surfando todo financial deepening e a melhora de Banco Pan com aumento de participação lá.
Talvez você diga que eu sou apenas um dinossauro — no que eu concordaria plenamente. Um dinossauro calvo e, paradoxalmente, também grisalho.
Como é difícil ensinar truques novos a cães velhos. Mas como recentemente sintetizou com brilhantismo a Atmos em carta aos seus cotistas: da mesma forma, é muito difícil ensinar truques velhos a cães novos. Digam o que disserem, mas eu não consigo topar os valuations dessas fintechs. Não consigo e pronto. Prefiro incorrer no erro tipo 2: tomar por falso o que é verdadeiro.
Não compro e corro o risco de ver o negócio subindo. Mas eu preciso de alguma métrica de valuation para ter minha margem de segurança — o resto, desculpe, é fé ou magia.
E eu, jesuíta desde criancinha, não me dou a blasfêmias e heresias. Será que esta turma vai conseguir rentabilizar os clientes? Enquanto tem conta de graça e marca descolada, todo mundo ama a pergunta, para mim, é: a marca descolada sobrevive quando a conta de graça virar tarifa ou preço do serviço? Afinal, uma hora essa turma vai ter que rentabilizar o cliente, que, por enquanto, nem cliente é. E outra: vai ter espaço para tanta fintech? Elas se multiplicam feito Gremlins na água.
E essa possibilidade de arbitragem no setor de farma? Quer dizer, pelo menos a mim parece uma arbitragem. Sempre me belisco com alerta do meu orientador Paulo Tenani: “Onde você está vendo uma arbitragem, normalmente existe um prêmio de risco que você não está enxergando”.
Ok, ok. Ele deve ter razão. Ele sempre tinha razão. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Mas Raia Drogasil a 40 vezes lucros, com Fleury abaixo de 25 vezes e com same store sales melhor? O que dizer de Hypera, vomitando caixa e resolvendo o mismatch entre sell-in e sell-out?
Olha, podem dizer o que for, mas Movida, cujo controlador eu mesmo acho um cara bem problemático, está entregando, trimestre após trimestre.
Vem fechando o gap de ROIC frente às referências do setor (sim, eu também amo Localiza e o Salim em particular, mas chega uma hora em que a diferença de valuation pega) e, com isso, pode buscar re-rating, principalmente agora passado o overhang do follow-on.
Em linha semelhante, Randon também arrebentou no resultado, com todas as linhas crescendo bem, sendo um nome bem interessante para esta segunda pernada do bull market. Na primeira fase, tivemos redução das taxas de desconto e compressão dos prêmios de risco. Agora, devemos entrar propriamente na fase da economia real, com expansão dos lucros corporativos de fato. Randon é um case claro de elasticidade-PIB e pode pegar na veia essa volta, unindo valuation barato com explosão de crescimento dos lucros por ação.
Para encerrar, enquanto todo mundo morre de medo de um aumento de capital da Helbor, seguimos comprando aqui — mérito, de novo, do João Piccioni, que acertou o bumbum da mosca. E vai mais. A empresa está com 570 paus no caixa, fez 100 milhões no trimestre e ganhou fôlego para desovar o problemático 1,8 bilhão de reais em estoque.
E, por fim, pensando friamente, na heurística aqui: olhando para a Oi, não parece barato demais esse negócio valer só 2 bilhões de dólares? No fim do dia, os ativos precisam valer alguma coisa. Será que a TIM não vai comprar a operação móvel da Oi?
Na obra “A Montanha Mágica”, Thomas Mann mostra o protagonista Hans Castorp como um antagonista à grande sociedade burguesa, representada como um sanatório, lá em cima das montanhas. Teríamos todos nós ficado loucos, entorpecidos pela narrativa de um futuro distópico em que as fintechs roubam tudo para si? Olha, eu não sei, mas elas já representam 22 por cento do market cap dos bancões e isso, para mim, parece uma grande loucura. No maior dos paradoxos, ideia ruim mesmo hoje em dia é dar lucro.
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