Sem transição, novo mercado de gás no Brasil terá mais riscos, diz Wood Mackenzie
Diversas distribuidoras de gás do país lançaram no ano passado chamada pública para diversificar as fontes supridoras do insumo e buscar preços mais competitivos (Imagem: REUTERS/Caetano Barreira)
O ambicioso programa Novo Mercado de Gás, do governo federal, traz consigo uma série de riscos aos investidores, já que há incertezas legais, tributárias e regulatórias, sem falar de questões relacionadas à oferta e demanda, na avaliação da Wood Mackenzie.
Segundo a empresa global de pesquisa e consultoria em energia, se o plano for executado de maneira açodada, poderia até mesmo precipitar alta do preço do gás, exatamente o oposto do que se busca com o programa.
Pelo plano lançado este ano, a Petrobras sairia completamente dos setores de transporte e distribuição do insumo até o fim de 2023, abrindo espaço para investimentos privados e competição.
No período, poderia haver queda de cerca de 40% no preço da energia elétrica no país, com maior uso de gás na geração, nos cálculos do ministro da Economia, Paulo Guedes
A iniciativa foi bem recebida pelo mercado, que aprovou diagnósticos e princípios traçados. A dúvida, no entanto, recai sobre a eficácia da abertura do setor na velocidade que se pretende a entrega dos resultados.
“De maneira geral a sinalização é positiva, os pontos estão identificados, as soluções é que não parecem tão claras nem de tão fácil definição no curto prazo”, disse Pedro Camarota, chefe da Wood Mackenzie no Brasil.
Para ele, a forma recomendável para conduzir a transição para uma abertura do mercado seria através de leilões organizados aproveitando a temporada de renovação dos contratos das distribuidoras, na esteira do término do contrato de gás com a Bolívia.
Diversas distribuidoras de gás do país lançaram no ano passado chamada pública para diversificar as fontes supridoras do insumo e buscar preços mais competitivos.
Camarota avalia que o governo poderia ter aproveitado essa iniciativa para induzir a concorrência de maneira mais direta e com resultados mais concretos.
A exemplo das lições aprendidas no setor elétrico, Camarota pontuou que um esquema de leilões de contrato poderia ser uma boa alternativa para promover uma transição para a substituição da Petrobras, que hoje atua como garantidor do abastecimento, tomador de decisões e gestor dos riscos de suprimento do mercado.
“Abrir o mercado sem um processo de transição organizado e com tantas incertezas legais, tributárias e regulatórias presentes, e ainda, na ausência de um sequenciamento orquestrado entre a contratação da demanda de gás e subsequente oferta de capacidade de transporte, se traduzirá em maiores riscos e maior ineficiência”, disse Camarota.
Outra questão apontada pelo especialista é o descasamento da agenda de abertura do governo com a da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Enquanto o governo planeja uma queda expressiva de preços em dois anos, como resultado de investimentos e oferta adicional de gás, a agência prevê concluir a reforma regulatória necessária para o programa do governo até 2023, com a edição de 11 novas resoluções.
O mercado de gás natural foi criado e é historicamente dominado pela Petrobras, que nem sempre teve seus investimentos remunerados. Camarota pontuou que investidores privados não agirão da mesma forma que a estatal e poderão elevar preços, caso vejam riscos.
Dentre os fatores que poderiam eventualmente elevar riscos, Camarota citou uma possível demora para a regulação da operação de dutos em um mercado com mais agentes além da Petrobras.
Oferta e demanda
Outro ponto que preocupa, segundo Camarota, é a falta de previsibilidade relacionada com oferta e demanda de gás natural.
Analistas estimam que um aumento mais substancial na produção de gás natural do Brasil deverá ocorrer em meados da próxima década, com a entrada de novos projetos na Bacia de Santos.
Há dúvidas, entretanto, sobre a capacidade brasileira de criar um ambiente propício que permita a construção de infraestrutura para consumir esse gás.
Até meados da próxima década, Camarota calcula que as infraestruturas de escoamento e transporte de gás já em operação ou em construção pela petroleira estatal já serão suficientes para atender o esperado aumento da oferta. Mas, depois disso, é uma incógnita.
Segundo ele, a adição da malha de gasodutos já deveria estar em processo de construção para que esteja pronto a tempo de atender o aumento da oferta e isso não está acontecendo.
Do lado da demanda, Camarota destacou que há uma estagnação há muitos anos, variando muito em função do consumo do parque térmico. Esse aumento do consumo poderia ser impulsionado pelo crescimento econômico esperado e por preços mais competitivos, ponto que, na sua avaliação, não está garantido no atual cenário.
“Não está claro qual a direção que a demanda vai tomar. Uma coisa que é certa é que a resposta da demanda é uma a resposta de longo prazo.
Então, o mercado para se desenvolver e a demanda para se expandir é necessário previsibilidade. E hoje ainda há muita incerteza.”
Para a Wood Mackenzie, uma abertura do mercado de gás como essa poderia demandar de cinco a dez anos para ser consolidada e o Brasil está tentando realizar dentro de dois a três anos.
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