Julián Fuks: Diálogo impossível entre um escritor e um engenheiro

Imagem Imagem: Getty Image

O peso dos anos curvou o muro entre as casas. O peso dos anos somado ao de uma figueira em expansão indomável, que quis se debruçar sobre o muro e nele apoiar seus largos cotovelos. Tudo em absoluto silêncio, tudo num murmúrio vegetal que jamais ouviriam os humanos, até o instante em que a ligação do vizinho atravessou a calmaria da tarde.

Era nítida sua aflição, audível sua voz de alarme. A qualquer momento, ele dizia, aquele muro podia desabar, destruir tudo o que houvesse ao redor, abalar estruturas, alicerces, pilares. Era preciso agir já contra aquela curvatura que podia parecer sutil, mas era muito perigosa, curvatura que chegava aos dez graus nos pontos mais severos, segundo seus cálculos. Não demorei a descobrir que era engenheiro, profissão que ele afirmou com um orgulho indisfarçável. Como engenheiro, conhecia a importância máxima de um muro retilíneo e no prumo, e repetiu seguidas vezes essa sequência de palavras, um muro retilíneo e no prumo que cabia a mim lhe proporcionar.

Minha casa, ou a casa de meus pais, foi construída alguns anos depois da sua, alguns metros acima da sua, ou da casa de seus pais. Por anos o muro de uma se apoiou sobre o muro da outra sem qualquer sobressalto, mas agora o excesso de vida de nosso lado, o peso da figueira e sua sombra serena, sua sombra sinistra, pareciam representar para ele uma terrível ameaça. Era preciso derrubar a árvore, e a derrubamos com alguma mágoa, como se ceifássemos um quarto da casa, seu cômodo mais vivo e irregular. Era preciso reconstruir o muro, estabelecer de novo um limite seguro entre nós, entre o engenheiro e o literato, uma fronteira retilínea e no prumo que enfim encerrasse o nosso diálogo.

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