Sobre os acontecimentos mínimos, e a distância que instauram entre nós
Dizem que andamos cada vez mais afastados, que trocamos esta infinidade de palavras porque cada vez mais nos estranhamos. Não são poucos os que sentem findo o tempo das amizades reais. Sentem que estamos fadados à condição de espectros que falam demais, avatares que trocam afagos abstratos sem nunca alcançar o abraço veraz, feito do choque entre os torsos, das mãos espalmadas nas costas. Chega, no entanto, o dia inesperado que contraria tantos medos vagos, o dia em que somos muitos ao redor de uma mesa farta, e os copos estão cheios, e os risos são sonoros, e as almas engordam de alegria e entusiasmo. Em nosso caso éramos trinta numa ilha remota, sob um sol cálido que a brisa fresca aliviava. Amigos de distintas décadas e cenários, e os pequenos amigos que tomávamos de empréstimo e passávamos a conhecer melhor: seus filhos vivazes, ternos, cômicos em suas teimosias e alardes. Por uns dias, estar entre pessoas queridas era acreditar na doçura da vida e esquecer qualquer amargor da realidade. Assim descansávamos dos terrores e iniquidades do mundo, na paz embriagada dos iguais. Mas o caso é que todo equilíbrio é tênue, toda harmonia é delicada, e o mínimo acontecimento pode refundar a distância entre os próximos. Éramos muitos, eu dizia, e naquele pôr do sol fomos obrigados a nos dividir: precisaríamos de dois barcos para retornar do extremo da ilha onde a tarde fora boa e calma, como todas aquelas tardes. Com a serenidade dos desavisados nos cindimos. Metade subiu-se ao bojudo barco do mais velho pescador da comunidade; a outra metade meteu-se sem pressa no esguio barco turístico que parecia mais confortável. O que um viu, o outro jamais verá. Cada um de nós não passa de uma ilha Imagem: iStok
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