Qual o papel das redes sociais na ansiedade coletiva?
As conversas aconteceram em meio aos três feriados prolongados, e uma dessas pessoas trouxe isso como exemplo. Me disse: estamos aqui tomando esse café, conversando sobre a vida e o mundo, está muito legal, mas existe uma pontinha de mim que diz que eu deveria estar na praia com um lindo pôr do sol, feito todo mundo; ou fazendo uma trilha bonita e radical em alguma cidade do interior, feito todo mundo; ou até mesmo aproveitando uma festa sem limites com meus amigos que começou na sexta-feira e ainda hoje não acabou. Feito todo mundo.
Não é verdade que todas as pessoas ao nosso redor estão fazendo essas coisas. Inclusive, como nos mostram os números, grande parte da população brasileira luta para ter direito a comer três vezes ao dia, o básico. O essencial.
O que acontece é que os algoritmos, que são aquilo que está por trás das redes sociais e que faz a gente ver uma foto e não outra, nos entregam, de maneira programada, determinados tipos de imagem: do pôr do sol na praia, da trilha num lugar incrível, da festa mais maravilhosa do ano. Depois de alguns minutos vendo tantas fotos de pessoas vivendo a vida intensamente, é inevitável que não achemos que só a gente não está fazendo algo incrível, grandioso, épico. E aí temos um grande problema, especialmente se pensarmos nos mais jovens.
Em janeiro deste ano, a Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, fez uma pesquisa sobre os efeitos das redes sociais em adolescentes, que revelou: o uso das plataformas, sem um cuidado com o tempo em que se passa por lá, pode gerar grandes alterações no cérebro. E não só isso, influenciam comportamentos de curto prazo. O estudo mostrou, por exemplo, que aqueles que usam muito as redes ficam mais sensíveis a recompensas e punições sociais em suas vidas.
Recompensa é aquele prazer que sentimos quando uma publicação faz as pessoas curtirem, comentarem, mais gente chegar para nos seguir. Punição social é quando o contrário disso acontece. Não é à toa que chamam de tribunal das redes sociais.
Acontece que nem todos e todas nós estamos preparados, ou melhor, fomos preparados, para entender que a Internet, em especial as redes sociais, são uma simulação da vida e não a vida em si. O que se conta por lá não é necessariamente quem a gente é ou está, um ser humano com erros, acertos, dúvidas e contradições, mas uma idealização de nós para o outro.
É como se você e eu fossemos diretores de um filme, escolhendo quais cenas contar na tela do cinema e quais não contar. No nosso filme, é óbvio que a gente sempre vence o vilão.
Acontece que quem está do outro lado, assistindo ao nosso filme, não sabe necessariamente que muitas vezes a gente perde. E perde feio. De repente, quem nos assiste todos os dias já passou a acreditar que se a sua vida não for vitoriosa do jeito que sempre vê ali, épica do jeito que sempre vê ali, feliz do jeito que sempre vê ali, alguma coisa está muito errada com o seu jeito de viver. E isso não necessariamente é verdade. E isso, necessariamente, traz muitas questões que precisamos conversar seriamente no futuro. Com todo mundo.
Não sou especialista nem estudioso do assunto, mas tenho me interessado em conversar mais sobre quais histórias temos contado e escutado sobre nós mesmos nas redes sociais. E quais são os caminhos que temos hoje, e que precisaremos inventar, para nos proteger de uma promessa inatingível de vida, felicidade e relações, que tem produzido tristeza em tanta gente ao mesmo tempo.
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