Abelhas ?sagradas? para os guarani estavam extintas há 43 anos
"Intocada", porém, não é o caso da Terra Indígena Jaraguá, onde estamos. Localizado na zona noroeste do município de São Paulo, a 16 quilômetros do centro, o território é palco de disputas fundiárias e invasões desde o século 16: a região foi uma das primeiras áreas de mineração de ouro no Brasil, depois foi explorada pela cafeicultura e, há décadas, sofre com invasões e especulação imobiliária.
Cercadas por rios poluídos, barulho, trânsito e desmatamento, e disputando cada centímetro com a maior metrópole do Brasil, as 125 famílias indígenas que vivem nas seis aldeias da TI Jaraguá se uniram em 2017 para recuperar mudas nativas da Mata Atlântica e trazer de volta ao território as abelhas indígenas, espécies nativas do Brasil e importantes polinizadoras.
Em seis anos de trabalho, os guarani do Jaraguá ostentam um meliponário — nome dado ao conjunto de colmeias de abelhas indígenas — com 300 colmeias e nove espécies de abelhas nativas: uruçu-amarela, tubuna, mandaçaia, mandaguari-amarela, borá, mirim, jataí, arapuá e marmelada.
"Mas aqui não temos apiário, temos um meliponário", corrige o cacique Márcio enquanto abre uma caixa de cedro que abriga uma colmeia com milhares de abelhas pequenas e de um amarelo vívido.
💥️"As abelhas indígenas não são violentas como as africanizadas. Elas não têm ferrão, então, no máximo, podem enrolar no cabelo", tranquiliza o líder guarani, que não usa roupa especial nem luvas para manusear o enxame.
As abelhas africanizadas, que no passado já foram chamadas de "abelhas assassinas", são resultado do cruzamento de duas espécies exóticas, as africanas e as europeias.
"Durante o período colonial, os padres importaram abelhas europeias para o Brasil por causa da cera, para produzir velas. A apicultura se tornou popular em todo o país com o passar do tempo. Mas, como as abelhas europeias não são grandes produtoras de mel, por volta de 1950, um professor trouxe para o Brasil as abelhas africanas, grandes produtoras de mel, mas também agressivas", conta o professor Malaspina.
Mulher guarani produz vela sagrada com cera das abelhas indígenasCom a retomada do território em Aracruz, a volta das abelhas nativas e com os rios próprios para nadar e pescar no litoral capixaba, o cacique Márcio afirma que reencontrou a felicidade de viver — algo que tinha se perdido na TI Jaraguá, quando o território tinha uma área demarcada equivalente a apenas dois campos de futebol e era a menor Terra Indígena do Brasil (em 2015, foram adicionados 532 mil hectares à TI, mas que ainda aguardam homologação do governo).
"A criação de abelhas me trouxe alegria e o litoral tiraram minha angústia. Eu tinha água para me banhar e pescar, e as abelhas para ajudar meu espírito a permanecer no território, porque a gente acredita que, quando uma pessoa fica muito triste, seu espírito já não está mais lá, isso é perigoso", diz.
A alegria na TI Tupinikim-Guarani durou pouco, contudo: em novembro de 2015, o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco Mineração, da empresa Vale, contaminou 700 km do Rio Doce, afetando todas as aldeias de Aracruz. Já não era mais possível nadar e pescar nos rios.
"Sem a pesca, eu não via mais perspectiva de ter o bem viver lá em Aracruz. Foi aí que eu voltei para o Jaraguá. Voltei com as abelhas", diz a liderança.
(Por Laís Modelli)
✅Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em 💥️Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.
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