Câncer de cabeça e pescoço: como saber se há metástase antes de operar? VivaBem

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Lúcia Helena

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Essa volta, porém, tem um enorme risco de acontecer quando a doença já se disseminou por gânglios linfáticos espalhados pelas redondezas do pescoço. Eles seriam a primeira escala da longa viagem da metástase. Aí, infelizmente, a sobrevida do paciente cai pela metade.

Às vezes, só de apalpar a região, dá para o médico perceber os nódulos e, se é assim, ele não tem dúvida: o câncer já iniciou esse percurso. Mas, em muitos casos, não dá para ele sentir nada, mesmo com a doença já progredindo em outros territórios do corpo. Por isso, por segurança, como se não bastasse cortar um bom pedaço da região onde estava o tumor, o cirurgião precisa arrancar os vários gânglios do pescoço.

A operação, então, se torna maior ainda. As sequelas, possivelmente também. E muitas vezes sem necessidade. Mas como arriscar, não é mesmo? Melhor entregar todos os gânglios ao patologista para ele escrutiná-los e dizer se há metástase ou não.

Uma enorme dificuldade é que até hoje, ao contrário do que já acontece com muitos outros cânceres, não existem biomarcadores para tumores de cabeça e pescoço. Isto é, moléculas capazes de dar ao oncologista uma pista: se aquela lesão que ele está avaliando tem um melhor ou um pior prognóstico, se provavelmente já avançou até aqueles gânglios ou se está quieta, na dela.

Biomarcadores poderiam orientar o médico na decisão sobre a conduta, quem sabe até deixando aqueles gânglios em paz. E mais: em tese, poderiam se tornar até mesmo alvo de tratamentos mais eficazes amanhã ou depois.

Daí a importância de uma pesquisa brasileira que saiu no periódico científico ✅Nature Communications, merecendo destaque de seus editores. Pois não é que pesquisadores do CNPEM — o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas, no interior paulista, que é supervisionado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação — foram atrás dos tais biomarcadores para o câncer de cabeça e pescoço? E quem procura acha. Ainda mais quando resolve bisbilhotar a conversa entre as células.

💥️O fuxico celular

Um tumor costuma dar no que falar. É grupinhos de células fofocassem a seu respeito. Ele seria o assunto da vez.

"A gente se comunica e nossas células também", explica Adriana Paes Leme. "A gente pega na mão do outro ou acena. As células podem encostar uma na outra ou podem interagir secretando determinadas moléculas." Interpretar o seu burburinho é que são elas! Exige equipamentos de altíssima tecnologia e ciência parruda.

Dentista de formação, Adriana sempre se dedicou integralmente à vida de pesquisadora e está desde 2009 no CNPEM. Lá, coordena o laboratório que serviu de palco para a investigação dos biomarcadores do câncer de cabeça e pescoço.

"É sempre assim: algumas células são avisadas para corrigir um problema que ainda está oculto", diz a cientista. "Às vezes, quando tentam saber mais a respeito do que está acontecendo de errado, são suprimidas e não levam a notícia adiante."

Nessa visão, quando um câncer encontra um clima favorável para crescer é porque há uma falha de comunicação. Por esse motivo, as cientistas resolveram entender o que se passava no que chamam de microambientes.

"Microambientes são populações de células que conversam entre si", define Adriana. E, no caso, ela e seus colegas não se contentaram em entender a troca de mensagens entre as integrantes próprio tumor e suas vizinhas saudáveis.

"Esse, aliás, era um problema: por muito tempo as pessoas olharam só para o câncer em si", observa a bióloga Ariane Fideliz Busso Lopes, pesquisadora que foi, então, examinar outros microambientes — os linfonodos, isto é, aqueles gânglios cervicais, a saliva e o sangue.

💥️Para achar os biomarcadores

A pergunta era: quais seriam as proteínas que, feito recados entre as células, estariam diferentes em qualquer um desses microambientes quando a pessoa já estivesse com metástase?

A busca por respostas começou ainda em 2016, mas no meio do caminho tivemos uma pandemia para diminuir o ritmo do estudo e, no caso das cientistas, duas maternidades também. Ariane teve o Arthur. Adriana deu à luz a Luísa.

As duas seguiram, na medida do possível, firmes com o trabalho, que usou amostras de 93 pacientes. "Primeiro, extraímos as proteínas do tecido onde estava o tumor e as dos linfonodos, utilizando uma técnica muito legal", diz Ariane. Animada, a bióloga conta que usa o laser para recortar — imagine isso! — só a célula exata que ela deseja para fazer a extração de proteínas. "Isso me permitiu comparar as sadias com aquelas que já estavam doentes", revela.

Na sequência, Ariane passou a trabalhar com células do sangue e da saliva também. E, lançando mão do aprendizado de máquina — ou ✅machine learning, quando o computador aprende a reconhecer determinados padrões, se for para explicar de um jeito fácil — , a pesquisadora do CNPEM viu aquelas combinações de proteínas que acusavam a metástase. No final, encontrou centenas delas.

No entanto, Ariane e seus colegas apostaram em uma única combinação de proteínas no sangue e na saliva, porque parece ter melhor desempenho. A decisão foi tomada quando fizeram uma espécie de pegadinha com a máquina: deram para ela analisar amostras de um grupo teste, que não tinha metástase. Mas, boa aprendiz, ela soube separar direitinho quem era quem quando havia a tal combinação que acabou sendo selecionada. Não que outras, que parecem ótimas, não possam ser investigadas adiante.

💥️Próximos passos

Com o tempo — é o que se espera — a pesquisa culminará em um teste não invasivo de saliva ou mesmo de sangue para apontar o risco de um tumor de cabeça e pescoço se complicar pra valer. Para uma parte dos pacientes, isso evitará grandes procedimentos que são capazes de arrasar com a qualidade de vida.

"Afinal, são quadros dramáticos, porque é um câncer cuja mutilação fica no rosto da pessoa, na sua identidade", pondera Adriana. "Mais do que isso, ela pode perder funções fisiológicas, como a capacidade de mastigar ou de engolir adequadamente."

A pesquisadora continua: "No futuro, uma lesão pequena que os biomarcadores mostrarem que ainda não se espalhou será simplesmente cortada com uma pequena borda de segurança, ou seja, sem o médico tirar uma grande área ao seu redor ou um órgão inteiro, como a língua, e preservando os gânglios cervicais. Depois, o indivíduo poderá ter uma vida normal".

Além disso, decifrar as proteínas das células conversadeiras abre um caminho para melhorar os resultados de tratamentos. "Dará para apontar, entre outras coisas, quando a imunoterapia será mais indicada", conta Adriana. É que, hoje, muitas vezes ela não provoca qualquer resposta, o que gera frustração, gastos e perda de um tempo precioso para quem tem um câncer. Isso acontece quando existem determinadas alterações nas proteínas que, graças a esse estudo, inédito no mundo, se tornam agora conhecidas.

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