O que acontece quando você entra no ambiente onde outra pessoa fumou VivaBem
Lúcia Helena
O ar também ficaria intragável para a saúde se o exemplo fosse com adultos que entram no veículo de um fumante ou que circulam em locais fechados onde alguém fumou momentos antes. Os estudos indicam que a poluição do cigarro demora até 24 horas para se dispersar adequadamente.
Nesse meio-tempo, suas partículas nanométricas — minúsculas mesmo, com 1 milionésimo de milímetro— voltam a ficar suspensas no ambiente, à altura de narizes desavisados, graças à movimentação das pessoas ou do mobiliário do lugar, quando você arrasta uma cadeira, vamos supor.
"Acontece algo parecido quando um carro passa na rua, levantando o material particulado da poluição que tinha chegado até o solo", descreve o médico.
Precisamos falar disso na semana em que as pessoas respiram aliviadas graças a um levantamento publicado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) na última segunda-feira, 31 de julho, constatando que as medidas adotadas nos últimos 15 anos para reduzir o tabagismo evitaram uma montanha de 300 milhões de mortes.
Não quero desprezar uma ótima notícia. Ainda mais em um Brasil que, nesse aspecto, é modelo de sucesso, tendo encolhido 3/4 de sua população de tabagistas dos anos 1990 para cá.
Mas preciso lembrar que, ao redor do globo, 8,7 milhões de indivíduos ainda morrem por causa do cigarro todos os anos. Entre eles, 1,3 milhão não fumavam, sendo 50 mil, crianças. Perderam a vida porque eram fumantes passivos. Não só por câncer, mas por doenças cardiovasculares e infecções.
"Inaladas, as partículas do tabaco deixam o organismo em um estado constantemente inflamado, o que facilita o avanço de certos agentes infecciosos", justifica o pneumologista.
E não necessariamente toda essa gente estava bem ao lado de um cigarro aceso. Este é um esclarecimento que ficou no ar, nebuloso, no noticiário sobre o relatório da OMS. A tal poluição nos locais fechados, muitas vezes privados, continua contando bastante.
"O que fazemos para proteger o não fumante ainda é insuficiente", lamenta o doutor Prado, que acumula uma baita experiência nesse território. Entre 2006 a 2023, ele atuou no Ambulatório de Tabagismo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e ficou durante 11 anos em um ambulatório semelhante no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo).
💥️A péssima qualidade da fumaça que não é tragada
Há uma classificação entre os especialistas. A corrente primária é aquela que o fumante traga. Já a secundária é aquela névoa que ele exala. Há uma terciária, a fumacinha que sai do cigarro em combustão quando ele está no cinzeiro ou parado na mão. "Já a corrente quaternária é a ressuspensão do material sedimentado por todo o ambiente."
A poluição do cigarro, no final das contas, costuma ser um combo de tudo, junto e misturado, que restou na atmosfera mesmo depois de o cigarro ter sido apagado. "Acredite, ela é a pior do ponto de vista qualitativo", diz o doutor Gustavo Prado.
Em termos de quantidade, claro, nada supera a fumaça que o sujeito traga. Aliás, não se iluda: o filtro nunca ajuda. Seu surgimento nos anos 1950 não diminuiu os casos de adoecimento provocados pelo tabagismo. Em um golpe de ✅marketing, serviu para a indústria então transmitir a impressão de que seu produto era menos nocivo e, isso sim, barrar o farelo do fumo que, indo parar na boca, provocava uma sensação desagradável.
Mas as moléculas tóxicas, em si, nem batem na trave: elas têm um tamanho de cinco a dez vezes menor do que o diâmetro dos poros do filtro.
"Ao menos, tragando, quando você puxa o ar através do cigarro, entra mais oxigênio, que é um gás comburente. Daí a chama fica mais ativa, cor de fogo, a uns 900 graus Celsius", conta Prado. "Bem pior é aquela brasa acinzentada a uns 600 graus Celsius, quando o cigarro não está sendo tragado", ensina o pneumologista. "Nela, a combustão é incompleta. Daí que há mais monóxido de carbono e moléculas nocivas de hidrocarbonetos." E tudo fica pairando entre quem chegar depois.
💥️A ilusão do fumódromo
Tampouco se engane no seguinte ponto: a criação de fumódromos funcionou para abrir brechas nas leis para reduzir o tabagismo que começaram a surgir a partir de 1996 no Brasil. Com eles, as pessoas continuariam fumando no local de trabalho.
"Mas, confinadas em um ambiente de poucos metros quadrados ao lado de outros fumantes, os riscos à saúde só foram multiplicados pela fumaça concentrada", informa o médico. Fumaça que invariavelmente escapa no abre-e-fecha da porta. Aí, os poluentes do cigarro se dispersam pelo resto da firma. Ninguém fica a salvo do lado de fora. Todos se tornam fumantes passivos.
💥️Cigarros eletrônicos
Para quem está nessa onda, um aviso: "Há estudos relatando intoxicação por nicotina em crianças em função de aerossóis do cigarro eletrônico em ambientes fechados", diz o pneumologista. 'E, em adultos no mesmo ambiente de usuários, nota-se um aumento de sintomas respiratórios."
💥️Fumar é doença
Um problema é que, nos cursos de Medicina, fumar ainda costuma ser apresentado como um mau hábito para a saúde. "Nada disso, fumar é uma doença, uma dependência", lembra o médico.
Portanto, o fumante não deixa de apagar de vez o cigarro por falta de força de vontade. Pode precisar de tratamento. "Ele é oferecido integralmente pelo SUS e seu acesso deveria ser ampliado a locais onde não há centros especializados para ajudar esses pacientes", opina o doutor.
💥️Para amenizar a ameaça
Para proteger os fumantes passivos seriam necessárias mais medidas assim para reduzir o tabagismo em si, somando-se programas educativos e elevação dos impostos — consequentemente, do preço do maço.
"Além disso, deveriam estender a proibição do cigarro a lugares públicos abertos, especialmente se há shows e outros eventos provocando aglomerações", opina Gustavo Prado.
💥️Ao nosso alcance
A pessoa que ainda não decidiu ou que ainda não conseguiu parar de fumar, de acordo com o pneumologista, não deveria acender um único cigarro em ambiente fechado. "Logo, ela não deveria fumar dentro de casa, independentemente de estar sozinha."
O médico faz uma comparação jocosa: "Imagine uma piscina na qual, em uma raia, o nadador é autorizado a fazer xixi e, na outra, não. A urina se espalharia por toda a água e continuaria lá após ele sair".
A conscientização de que lugar de fumar é nas calçadas de ruas é um primeiro passo. A OMS que me perdoe, salvar 300 milhões de vidas é, sim, um marco. Mas ainda há muita fumaça por aí.
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