Terra Quente: dos clichés aos segredos bem guardados de Trás-os-Montes - Portugal Viagens
As oliveiras, os sobreiros e as amendoeiras fazem belos desenhos geométricos pelas montanhas da Terra Quente. E, entre as montanhas, grandes lagos esperam-nos com promessas de refrescar-nos do calor que se faz sentir. À mesa, não há muitos segredos, só a prova de que a simplicidade das receitas das "nossas avós" pode ser muito complexa e guarda séculos de saberes. Tudo isso cabe num fim de semana pela Terra Quente Transmontana, e ainda mais caberia, mais tempo houvesse.
Paisagem da Terra Quente a partir da aldeia do Romeu créditos: Alice BarcellosMirandela, a florida
Começamos este roteiro pela princesa do Tua. Mirandela recebeu-nos com um calor de trinta e muitos graus e a piscina do nosso alojamento, o Ribeira House, foi mesmo a primeira paragem.
Não havia muito tempo a perder, pois tínhamos jantar marcado no restaurante Flor de Sal, com uma agradável esplanada para o rio e uma cozinha requintada q.b., utilizando os produtos regionais que, aqui, são reis e senhores da gastronomia. A começar pela alheira, sempre presente e confecionada de várias formas – das entradas ao risotto (que estava divinal) – e a terminar pelos vinhos de Trás-os-Montes que se destacam cada vez mais no panorama nacional.
Começamos este roteiro com um ✅spoiler: comer bem e em porções generosas é uma regra da região, bem como a hospitalidade. Durante esta Rota da Terra Quente, iríamos comprovar isso mesmo. Para tirar partido do potencial gastronómico, natural e cultural do território, os municípios de Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Vila Flor e Alfândega da Fé uniram-se na criação deste projeto turístico que pretende proporcionar ao visitante uma experiência mais completa. O município de Carrazeda de Ansiães que também faz parte da Terra Quente não integra a rota nesta fase inicial.
Os concelhos incluídos atualmente pela Rota da Terra Quente, no distrito de Bragança créditos: ysoke ViagensContinuando por Mirandela, no dia seguinte, começamos por explorar o centro da cidade a pé, com primeira paragem no mercado municipal, onde há um espaço que se destaca entre as lojas tradicionais. A Galeria do Mercado reúne o trabalho de vários artesãos locais e organiza várias atividades ligadas ao saber fazer tradicional, bem como provas de vinhos e azeite.
O dia mais animado do mercado costuma ser à quinta-feira, diz-nos uma simpática florista que regava as suas flores naquela manhã calma de sábado.
Florista no Mercado Municipal de Mirandela créditos: Alice BarcellosAcompanhada pela equipa da Portugal NTN, que dinamiza várias atividades turísticas na região, a caminhada pela cidade prossegue. Na paragem em frente à estátua de Santiago, no largo da junta de freguesia, ficamos a saber que por ali passa o Caminho Português de Santiago do Este.
A nossa "peregrinação" por Mirandela parou ainda na Câmara Municipal que se exibia decorada com coloridas petúnias, culminando com uma vista diferente da princesa do Tua: a partir do topo da torre da Igreja Matriz ou Igreja Nossa Senhora da Encarnação, uma nova atração que começa a funcionar este verão.
De volta à beira-rio, há uma loja de paragem “obrigatória”: o Mercado do Zé. Quando entramos, os nossos olhos tentam observar todos os pormenores dos objetos ali à venda. Há alheiras e presuntos pendurados, sacos de amêndoas prontos a levar, folar pronto a fatiar, uma completa garrafeira e muitos objetos típicos da região.
Reunir o “universo” de Trás-os-Montes num só lugar foi o objetivo de Manuel Beça quando começou o projeto em 2018. Arquiteto de formação, este transmontano decidiu demonstrar a sua paixão pela região numa loja que também é, para muitas pessoas, uma viagem ao passado através dos brinquedos de madeira e objetos de outros tempos.
“Há um revivalismo”, afirma Manuel ao ysoke Viagens. “Contamos uma história em cada objeto que temos aqui”, refere. Estão ali as samarras, as alheiras, a cutelaria, a cestaria e outras peças, “todas feitas aqui na zona”, o que também serviu de incentivo para muitos artesãos continuarem a trabalhar. Um projeto que já ganhou asas e em breve contará com novas lojas, mais uma em Mirandela, e outra no Mercado do Bolhão, no Porto.
Manuel Beça, fundador do projeto Mercado do Zé créditos: Alice BarcellosMaria Rita, a estrela do Romeu
Seguimos estrada e, num instante, deixamos para trás o cenário urbano que dá lugar à paisagem bucólica que caracteriza a Terra Quente. As oliveiras alinhadas transmitem calma e o olhar vai-se perdendo entre as curvas da EN 15. Depois de apreciar belos sobreiros que fazem parte da Mata do Quadrassal, por onde também é possível fazer um trilho a pé ou de bicicleta, chegamos ao nosso destino: a aldeia do Romeu.
A proximidade do meio-dia, o calor e a ausência de vento e de pessoas na rua criavam um cenário digno de um ✅western. Quase que nos sentimos como Clemente Menéres, o empresário do Porto que chegou a esta povoação no século XIX em busca de cortiça. “Cheguei à povoação do Romeu às quatro horas da tarde do dia 18 de Maio de 1874. Procurei uma estalagem e encontrei a única que lá existia e que era da Sr.ª Maria Rita que, por signal, nada tinha que nos dar de comer. Mandei então assar bacalhau, acompanhado, a primeira vez para mim, de pão negro de centeio”, descreveu Clemente Menéres, que acabou por comprar as terras ali circundantes, fundando a Quinta do Romeu.
Aldeia do Romeu, em Mirandela créditos: Alice BarcellosTambém nós chegamos ao espaço da antiga estalagem que foi transformada em 1966 num restaurante pelo filho de Clemente, Manoel. E também nós iríamos comer bacalhau, mas, antes, fomos recebidos por João Menéres que dá continuidade ao legado da família. “A Quinta do Romeu tem 120 hectares de olival, 25 hectares de vinha e cerca de três mil hectares de floresta”, enquadra João. Pioneiros, trabalham em regime de agricultura biológica certificada desde a década de 1990 e o seu azeite DOP já foi premiado entre os melhores do mundo. Também os vinhos DOC conquistam paladares.
O azeite e o vinho da Quinta do Romeu estão, obviamente, presentes no restaurante Maria Rita cujo menu conquistou o galardão de uma das sete maravilhas gastronómicas de Portugal no concurso 7 Maravilhas à Mesa, promovido pela RTP em 2018.
Esse menu degustação pode ser desfrutado no restaurante (25 euros por pessoa) e inclui o saboroso bacalhau à Romeu, a reconfortante sopa seca e a deliciosa mousse de chocolate preto. Não esquecer os bolinhos de bacalhau e os tostatinhos de alheira que abrem o festim da melhor forma. “Servimos comida tradicional transmontana, baseada nas nossas receitas de família”, diz João Menéres. Do menu do Maria Rita ainda fazem parte pratos como açorda de espargos, feijoca à trasmontana ou posta de carne.
Com a sensação de que o Maria Rita é um daqueles restaurantes para ir, pelo menos, uma vez na vida, seguimos caminho para outra maravilha de Portugal, a Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo, em Macedo de Cavaleiros.
Azibo em silêncio
A partir da estrada, é possível ver o azul da água a reluzir entre a vegetação e o Azibo recebe-nos com uma praia fluvial, a da Fraga da Pegada, que convida a banhos de sol e mergulhos. Juntamente com a praia da Ribeira e um cais, o Azibo oferece um espaço de lazer de excelência, sendo que já foi galardoado como uma das 7 Maravilhas de Portugal, em 2012. Ambas as praias têm Bandeira Azul.
Praia Fluvial da Ribeira, Azibo créditos: Alice BarcellosIntegrada no Geopark Terra de Cavaleiros e na bacia hidrográfica do rio Sabor, a Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo estende-se por mais de quatro mil hectares. É um importante polo de conservação ambiental, guardando muitas espécies de flora e fauna.
Tem, por exemplo, um dos mais bem conservados sobreirais transmontanos, onde se encontra um enorme exemplar apelidado de sobreiro do amor, já que, de acordo com a sabedoria popular, muitos transmontanos foram ali concebidos. É também um santuário para várias espécies de pássaros, tendo até uma baía dos milhafres. A melhor altura para fazer ✅birdwatching no Azibo é entre o final de setembro e o final de janeiro.
Estas e outras informações, como a presença de rochas vulcânicas com mais de 400 milhões de ano, foram-nos dadas por Acácio Costa e Ângela Costa, irmãos e responsáveis pelo projeto Sun Azibo Cruzeiros. Completamente silenciosas, movidas a energia solar e não poluentes, são as únicas embarcações autorizadas a navegar nas águas do Azibo. Durante a viagem, temos ainda a oportunidade de mergulhar num dos pontos mais isolados da albufeira – uma experiência única e de comunhão com a natureza. A bordo, além da simpatia, são servidos produtos regionais, fruta da época e bebidas.
De alma lavada e já enamorados pela Terra Quente Transmontana, contemplamos o pôr do sol em Vila Flor, do alto do Santuário de Nossa Senhora da Assunção, o maior santuário mariano de Trás-os-Montes que é também um fantástico miradouro.
Seguimos para a última refeição do dia, na Wine House Holminhos, onde experimentamos os vinhos da quinta e ficámos felizes só com as entradas: repolgas (um género de cogumelo) grelhadas, ✅bruschetta de alheira com espinafres, cogumelos salteados e azeitonas. Ainda tivemos de “fazer o sacrifício” para os pratos principais (cabrito assado no forno com batatas assadas e arroz de miúdos e bochechas de porca bísaro com castanhas e batata cozida) e para as sobremesas (peras bêbedas e ✅crumble de maça com bola de gelado). Nós avisamos que este seria também um roteiro gastronómico.
Lagos do Sabor, um “diamante em bruto”
Mais um dia, mais um novo destino e, neste caso, podemos dizer que vamos partir à descoberta de um território ainda pouco explorado e conhecido de Portugal: os Lagos do Sabor.
O ponto de encontro é na freguesia de Cerejais, conhecida pela grande produção de cerejas e também por ser um lugar de paragem na Rota das Amendoeiras em flor. Cerejais faz parte de Alfândega da Fé, um dos quatro municípios banhados pelos Lagos do Sabor; os outros três são: Macedo de Cavaleiros, Mogadouro e Torre de Moncorvo.
Em funcionamento desde 2016, a Barragem do Baixo Sabor foi responsável pela formação de três grandes lagos (Lago de Cilhades, Lago do Medal e Lago dos Santuários) que ora serpenteiam, ora repousam placidamente entre montanhas e montes, criando uma paisagem impressionante. “São 276 km de margens e 74 km de albufeira”, explica Diogo Raimundo, do Município de Alfândega da Fé.
Lagos do Sabor a partir de Cerejais créditos: Alice BarcellosA partir de Cerejais, temos à nossa espera jipes que nos levam por uma estrada de terra batida até uma das margens dos Lagos do Sabor. Lá ficamos a conhecer três barcos-casa preparados com tudo o que é necessário para uma estadia a flutuar. O projeto é dinamizado pela Quinta do Corso que, em breve, plantará 18 hectares de amendoal e dois de olival nos terrenos que circundam os barcos-casa.
“Amêndoa” e “Cereja” são as maiores, com 45 metros quadrados, e “Azeitona” é o mais pequeno, com 27 metros quadrados. As três embarcações são ecológicas, têm um quatro, cozinha, sala e casas de banho, sendo que a cereja no topo do bolo é um terraço com cadeiras e sofás de onde se pode contemplar a paisagem. Outra informação importante, principalmente para quem vai nos meses de verão, é que podemos ir a banhos a partir do cais, equipado com escadas de acesso à água.
Durante um passeio de barco, ficamos a saber mais sobre os Lagos do Sabor. “Ainda é um diamante em bruto”, diz Diogo Raimundo, apontando para uma zona onde vai nascer a primeira praia fluvial. Ficará em Santo Antão da Barca e deverá estar pronta para o verão do próximo ano. Os lagos reúnem condições excelentes para a prática de vários desportos náuticos.
Na região dos Lagos do Sabor já existem trilhos pedestres assinalados, miradouros, baloiços e um percurso para fazer de carro, o Circuito Automóvel Panorâmico dos Lagos do Sabor, criado pela Associação de Município do Baixo Sabor.
Motivos não faltam para regressar a este e outros lugares do Reino Maravilhoso de Miguel Torga. Seja na Terra Quente ou na Terra Fria, Trás-os-Montes recebe-nos sempre de braços abertos.
✅O ysoke Viagens visitou a região a convite da Desteque - Associação de Desenvolvimento da Terra Quente
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