“Não sei porque estou assim, nunca me faltou (quase) nada”: A importância de vincula&am
Por vezes, achamos que ter tido as nossas necessidades físicas e materiais supridas, na infância, é igual a termos tido “tudo aquilo que precisávamos” para estarmos felizes, satisfeitos e saudáveis. Este pensamento leva a que muitos se sintam irritados, olhando para si como mimados e ingratos, a quem os pais sempre deram “tudo”. Que as necessidades básicas precisam de ser supridas e que é bom receber aquilo que queremos não é surpresa, mas será isso o suficiente?
Frequentemente, para os pais, exaustos de um dia de trabalho, é difícil providenciar, emocionalmente, aquilo que um filho precisa. Como forma de substituição simples, e aparentemente eficaz, troca-se a presença e atenção parental por um brinquedo, telemóvel, jogo, entre outras hipóteses. Apesar de esta estratégia ser bem recebida pela criança, não significa que seja a melhor para o seu desenvolvimento. As necessidades humanas não se ficam pelas físicas. Abraham Maslow, psicólogo americano, identificou, além das necessidades fisiológicas, as necessidades de segurança, amor/relacionamento, estima e realização pessoal.
Segundo um estudo publicado pela American Psychological Association (APA), indivíduos com memórias afetuosas de infância na sua relação com os pais tendem a ter melhor saúde, menos depressão e doenças crónicas em adultos. Noutro estudo, constatou-se que o clima emocional familiar tem um grande impacto na saúde de indivíduos em condições crónicas, pois um meio negativo pode trazer um agravamento de problemas, enquanto um ambiente familiar de suporte pode contribuir favoravelmente para a saúde.
Segundo Bowlby, a necessidade de vinculação (criação de relações e laços) é uma necessidade contínua e, biologicamente, enraizada no ser humano. Isto pressupõe que, desde a infância, existe uma necessidade de procura, monitorização e tentativa de aproximação a uma figura de vinculação (normalmente figuras parentais), que é estabelecida como uma “base segura”.
Assim, as experiências de vinculação durante a infância, nas quais a criança experiencia uma relação satisfatória de amor, proteção, cuidado e intimidade são relevantes para o desenvolvimento saudável de uma criança. Uma boa relação de vinculação com os pais serve como base segura, sobre a qual o desenvolvimento ocorre e a personalidade se forma. É na relação vinculativa que o conceito de “eu” é formado, pelo que as reações dos pais às expressões individuais da criança vão influenciar a forma como esta se perceciona.
Para ter ideia, a literatura indica que as reações que o choro do bebé evoca na mãe (por exemplo, conforto, ou irritação/ indiferença) ficam registadas na memória emocional do bebé e podem servir como guia na avaliação de segurança ou risco em relações futuras. Aquando de uma relação onde a criança encontra alívio e conforto, é registado que a ligação aos outros pode ser uma fonte de conforto e prazer, e é criada uma imagem própria como sendo bom, amado, aceite e competente.
Também o saudável desenvolvimento neurológico da criança pode ser impedido pela ausência de conexões relacionais, limitando o desenvolvimento de capacidade de sentir e gerir emoções. Uma experiência de vinculação segura permite a criança desenvolver o hipocampo, área cerebral envolvida na memória e regulação emocional, para balancear a reatividade da amígdala (responsável pela ativação emocional), aumentando a capacidade de regulação emocional. Contrariamente, experiências traumáticas podem afetar o desenvolvimento e atividade do hipocampo, levando a uma maior dificuldade de gestão emocional. As relações saudáveis de vinculação são também necessárias para o desenvolvimento e integração do hemisfério direito (lado “emocional”) e esquerdo (lado “racional”) do cérebro.
De pouco serve ter apenas roupa, comida com fartura e o smartphone de última hora, quando se está inserido num contexto familiar conflituoso, ou omisso nos afetos, onde não existe uma experiência vinculativa positiva, a qual seria facilitadora de crescimento, aprendizagem e autoaceitação, contribuindo para uma boa saúde física e psicológica. Um desenvolvimento saudável precisa de uma relação onde há espaço para experiências emocionais.
As necessidades humanas estendem-se muito além de bens materiais. Assim, importa enfatizar a importância de relações, sejam estas amorosas, de amizade saudáveis, ou terapêuticas, com um profissional de saúde psicológica. Estas podem atuar como possíveis relações reparadoras, enquanto novas experiências de relações de vinculação segura. Mesmo que tenha crescido num ambiente difícil, no qual faltou muito mais que bens-materiais, pode desenvolver novas relações ao longo da vida. Não está sozinho(a).
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