Correr, sim, mas até o bar, para tomar cerveja depois do treino
Correr, sim, mas até o bar, para tomar cerveja e comer pão depois do treino
Marina Rossi
A Damn Gang lembra um pouco o grupo francês Jolie Foulée (algo como "bela passada"). Em sua descrição no Instagram, eles se autodenominam "corredores sem talento". E seguem: "Alguns de nós treinam, muitos de nós, não. Todos bebemos e celebramos". As fotos falam por si. Nada de barriga chapada ou panturrilhas torneadas. Apenas pessoas correndo, bebendo e comendo. Ainda assim, nem tudo é bagunça. Eles participam de competições, fazem uniforme e até já assinaram um modelo de tênis —a Damn Gang tem patrocínio da Nike. Correr atrás de um copo —e não de um corpo— parece que também chama a atenção do marketing.
Aqui no Brasil, o movimento "Chapadinhas de endorfina" inspira especialmente as mulheres a praticarem alguma atividade física, sempre com foco no bem-estar e não no corpo. "Chapadinhas de endorfina para vencer as pressões estéticas", explica Marcela Ceribelli, CEO e diretora criativa da plataforma Obvious, que criou o movimento. "E eu falo no plural, porque os homens sempre tiveram isso no plural. E quando a gente se une, a gente fica mais forte nesses ambientes". A expressão surgiu quando ela tomava um café com pão na chapa em uma padaria depois de sair da academia sentindo bem-estar que o exercício proporciona no corpo. Em outras palavras, chapada. Hoje, o movimento tem mais de 400 mil seguidores no Instagram e prega o exercício possível, o movimento do corpo e as coisas "incríveis" que ele é capaz de fazer.
"Criou-se um estigma de que a academia pertence a um certo tipo de corpo", diz Marcela. "Você entra e o instrutor já pergunta qual o seu objetivo, se você quer ganhar massa ou perder gordura. E eu só penso que estou ali para colocar a minha cabeça em ordem, sabe?". E mais do que cuidar da cabeça agora, Marcela insiste em pontuar que o exercício de hoje é o investimento em envelhecer bem amanhã. "Uma caminhada de 20 minutos por dia previne o Alzheimer. A gente tá preservando o corpo do futuro", diz. "Músculo não tem nada a ver com o bumbum em Trancoso no final do ano, tem a ver com longevidade".
Todo mundo pode
A Associação Brasileira de Psiquiatria estima que mais de 70 milhões de pessoas em todo o mundo sejam afetadas por algum transtorno alimentar, incluindo anorexia, bulimia, compulsão alimentar e outros. E as mulheres são as mais acometidas por esses distúrbios. Soma-se a isso o fato de que as mulheres também praticam menos atividades físicas do que os homens.
De acordo com o levantamento da Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) do Ministério da Saúde, divulgada no ano passado, enquanto 42% dos homens não realizam nenhuma atividade física, esse percentual fica em 53% entre as mulheres. Jornada dupla, trabalho invisível e sobrecarga ajudam a sustentar essa estatística. E além dessa equação complexa, as mulheres ainda enfrentam a insegurança.
Criar um ambiente seguro, de maneira que elas possam correr em paz, é outro objetivo da Damn Gang. "Eu corro sozinha e sei o quanto é perigoso e desestimulante. Muitas mulheres chegam até a gente e depois querem treinar sozinhas na rua e são assediadas, assaltadas, agredidas... aí desistem", conta a publicitária Luciana David, também uma das criadoras da ✅crew. "Por isso a corrida em grupo é legal. E além disso, criamos a Sisterhood, uma competição de revezamento exclusivamente feminina".
A próxima edição da Sisterhood deve ocorrer em agosto, em São Paulo. "O objetivo é tirar a corrida desse lugar místico. Na primeira edição, em 2023, teve gente que formou time pelo Instagram, sem nem se conhecer", conta Luciana. "E a ideia é mostrar que a corrida é feita para todo mundo. Se você não vai na mesma velocidade que as demais, tudo bem. A gente quer abrir as portas para a corrida, e não segregar. Nosso rolê é dizer que todo mundo pode, porque no fundo, todo mundo pode mesmo".
Marcela Ceribelli, que também é autora do livre "Aurora - o despertar da mulher exausta" (Harper Collins), vai pela mesma linha e insiste que é preciso parar de tratar a atividade física como pressão. "O ambiente do esporte está ficando tóxico porque estamos exigindo números. E na verdade, basta ter ido".
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