Na plateia, uma mulher abraçava a outra, que não parava de chorar

Na plateia, uma mulher abraçava a outra, que não conseguia parar de chorar
A atriz Julia Lund na peça "Vista" - Foto: Reprodução/Instagram @julialund

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Natalia Timerman

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Faz mais de dois anos que li "Vista Chinesa", mas o livro voltou à tona com toda a força quando assisti "Vista", a adaptação para o teatro com atuação de Julia Lund.

Não sei se é correto dizer que se trata de um monólogo. Responsável pela adaptação, o núcleo de pesquisa e criação Polifônica faz jus ao nome. A peça tem início com a leitura, pelas vozes de várias mulheres, de trechos do livro de Adriana Negreiros "A vida nunca mais será a mesma", que também parte de um estupro, mas aí narrado em primeira pessoa.

Os recursos de vídeo e microfone em "Vista" são bem-sucedidos em sustentar o vigor que já havia no romance, ainda que sejam experiências muito diversas, ler e assistir. A peça é um condensado do impacto que o livro já proporcionava. A impressionante cena da mesma atriz interpretando a delegada que a interroga e acaba fazendo eco à violência primeira ("como era a luva? Você tem certeza? Tem certeza? Tem certeza?") recruta o corpo inteiro de quem assiste, e principalmente de quem já foi vítima de alguma violência sexual (e eu não conheço uma mulher sequer que não tenha sido).

Mas as "Vistas" de Tatiana e Julia se propõem, com suas próprias vozes, a transformar o eco da violência em outro eco: o das mulheres que, juntas, não têm outra alternativa que não resistir.

É assim que leio tanto livro quanto peça: um tecido de vozes no centro do qual está, desta vez, Joana Jabace. Não sei se isso aconteceu na realidade, mas no livro, quando a mulher recém-violentada consegue enfim voltar para casa, já na porta é acolhida por uma amiga, que a abraça e a permite, então, desfalecer. Vejo essa amiga como o segundo círculo, em volta do oco da dor. E depois Tatiana Salem Levy. E depois Adriana Negreiros. E depois Julia Lund. E depois a mulher na plateia que abraçava a outra quando, finda a peça, não conseguia parar de chorar.

Uma mulher acolhendo a outra, cuidando da dor da outra, até que já não haja mais dor. Eles são muitos, mas nós somos muitas mais.

O que você está lendo é [Na plateia, uma mulher abraçava a outra, que não parava de chorar].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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