Ela foi resgatada de trabalho doméstico: ?Dormia embaixo da mesa?

Camila Brandalise

De Universa, em São Paulo

Foi, inclusive, o que a escritora Neuza Nascimento, 63, ouviu ao trabalhar em uma casa de família quando era criança. "A patroa disse que eu seria a 'filha de criação' dela. Até o dia que me arrumei pro primeiro dia de aula e, ao ir em direção à porta principal, ela me mandou sair pela porta de serviço", disse Neuza.

Neuza conta que foi vítima de "tráfico de meninas negras" quando era criança e morava na cidade de Santos Dumont, em Minas Gerais.

"Um carro passou, era como o carro do ovo. Um homem perguntando quem tinha filha menina. Apontaram pra minha casa e, lá, ele convenceu minha mãe a me levar para Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Tinha cerca de 9 anos e fui trabalhar em uma casa, como doméstica. Não podia sair de casa pra nada, só pra comprar pão e margarina. E tinha que dormir embaixo da mesa, não tinha nem cama. E a alimentação eram restos de comida", relembra, revelando que também sofreu o crime de trabalho análogo à escravidão.

Foi a irmã que descobriu onde ela estava e a resgatou. Depois disso, acompanhou uma outra irmã, também como doméstica, em casas de família. Adolescente, diz ter "fugido", e passou a trabalhar em outras casas como faxineira e diarista. "Não tinha férias, 13º, nada. Me revoltava, chorava todos os dias", lembra. Aos 48, decidiu que não queria mais trabalhar em "casa alheia".

Neuza lançou um livro de contos sobre o cotidiano carioca - Divulgação - Divulgação Comprar livro

Em um curso de escrita em uma ONG que frequentava, descobriu o talento para a escrita. Hoje, Neuza é escritora, colunista do portal Lupa do Bem, voltada para iniciativas sociais, e estudante de jornalismo. Em julho de 2022, lançou um livro de contos "De Saracuruna a Copacabana", por financiamento coletivo.

"É isso que precisa ser entendido: acima de qualquer relação pessoal, que possa existir, como existem nas relações de trabalho em geral com chefes e subordinados em outras esferas, não faz com que não se enxergue a pessoa como profissional", diz a procuradora Elisiane Santos, do Ministério Público do Trabalho, especializada na área de trabalho análogo à escravidão.

No programa, Semayat Oliveira, jornalista e consultora do podcast "Mano a Mano", contou que a avó passou por situação parecida quando tinha apenas seis anos de idade. "Ela também começou a trabalhar nessa mesma lógica de 'ajudar' e 'ser amiguinha da família'. Isso é a escravidão moderna. Minha avó passou por isso, minhas tias foram empregadas domésticas, e o quadro só mudou a partir da educação", disse ela.

E afirmou: "Qualquer relação de trabalho pode ter afeto e carinho, mas não é por isso que a pessoa não deve ter os direitos garantidos, além de condições dignas de existência e salário digno."

"Muitas vezes esse crime é fechado entre quatro paredes", diz Cris Fibe

A jornalista e especialista em cobertura de gênero, Cris Fibe, também falou sobre as vítimas de escravidão em trabalho doméstico. Segundo ela, muitas vezes não sabemos que esse tipo de crime está acontecendo, mas reiterou a importância de denunciar quando há sinais de que pessoas estão sendo exploradas.

"É importante observar se há crianças e idosos que não fazem parte de determinada família e que estão ali sem se comunicar com a vizinhança", falou. Dá para fazer denúncias anônimas para a polícia -federal, civil e militar- ou pelo Sistema Ipê, do governo federal.

💥️Seguem aqui os outros temas que foram destaque nesta edição do "Sem Filtro":

65% das mulheres passam por algum obstáculo para se tornarem mães

Questões emocionais impactam a fertilidade feminina: uma pesquisa do Instituto Valenciano de Infertilidade, uma referência na área, diz que 65% das mulheres passam por algum obstáculo para se tornarem mães por questões psicológicas.

"Dizer que a mulher estressada pode estar atrasando a própria gravidez não diminui a pressão. A saúde do corpo está sim ligada à saúde mental e afeta tudo, mas falar isso acaba pressionando ainda mais e joga toda a responsabilidade nas costas da mulher, geralmente nas relações heterossexuais. Enquanto os homens não estão nem preocupados em fazer a gente relaxar na cama", disse Fibe.

"Queremos encaixar em padrão desde que mundo é mundo", diz Cris Fibe

Estudo revelou que a selfie aumenta em 6% o tamanho do nariz e, por isso, jovens estão procurando fazer a rinoplastia, cirurgia no nariz. "Eu tinha 7 anos quando comecei a me preocupar com o padrão [de beleza]. [...] Estamos sempre querendo nos encaixar em padrão, desde que mundo é mundo", disse a jornalista.

Assista ao 💥️Sem Filtro

Quando: às terças e sextas-feiras, às 14h.

Onde assistir: no YouTube de Universa, no Facebook de Universa e no Canal.

Veja a íntegra do programa:

O que você está lendo é [Ela foi resgatada de trabalho doméstico: ?Dormia embaixo da mesa?].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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