Lulu Santos e Rita Lee, rei e rainha e uma vitrola da vida inteira

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Maria Ribeiro

Semana passada, sem saber que logo ficaríamos sem Rita, estive em um show do Lulu. O espetáculo, um especial de TV gravado ao vivo em um teatro do Rio de Janeiro, me devolveu uma alegria que julgava incapaz de recuperar, e que incluía passar dias sozinha entre letras e encartes dos meus três primeiros discos: "Saúde", da Rita; "Tempos modernos", do Lulu; e "Voo de coração", do Ritchie.

O texto que você lê agora era todo sobre Lulu Santos. O espetáculo da última quinta-feira, e que pode ser visto no Globoplay, comemorava seu aniversário de 70 anos. Aconteceu, por coincidência, no mesmo dia da morte do Paulo Gustavo, que naquele momento completava dois anos. Horas depois, a OMS decretaria o fim da emergência por covid-19 e tudo isso, de alguma forma, me lembrou da criança que se maquiava no quarto da irmã e da mulher que agora se despede da mãe.

Nunca fui fácil de dançar. Talvez o mundo se divida assim. Entre quem se move diante de uma caixa de som e quem fica com o corpo inteiro parado no pensamento. Adulta, achei que pertencia ao segundo grupo. Mas faltava o show certo, e quem sabe a face da morte. Faltavam Lulu e Rita.

De jeans, blusa azul e um batom vermelho que vou usar mesmo quando não estiver usando, passei o último dia quatro em um show que trazia a trilha sonora da minha vida toda. E encerrei, aqui dentro também, um estado de emergência e de tristeza que já durava alguns anos. Sim, passamos por uma pandemia que deixa um saldo de sete milhões de mortos, perdemos Fernanda Young, Gal Costa e agora Rita Lee. Mas é justamente por elas que, como Coca-Cola e parafraseando Antônio Cicero, tomo meu mundo de volta.

Segundo os neurocientistas, receber sons produz em nossos tímpanos movimentos geradores de cadeias de sinais eletroquímicos capazes de atingir o córtex auditivo de forma tão intensa que é como se todas as áreas do cérebro conversassem entre si. Não sei bem onde fica cada departamento, mas não tenho dúvida de que as músicas que me ensinaram a gostar de música me dão vontade de ir em frente. De persistir.

Há quatro dias, vimos, ou criticamos, a coroação do Rei Charles e da rainha Camila Parker-Bowles. Em Londres, onde Rita, pela primeira vez, pintou seus cabelos de vermelho, uma multidão foi para as ruas viver um pouco dessa história de amor. A instituição é obsoleta? Sem dúvida. O casal é pouco carismático? Cem por cento de acordo. No entanto, e a isso se junta meu ridículo apego à princesa Diana, problematizo sem deixar de me comover. Os caras ralaram para ficar juntos.

E só não acordei no sábado para acompanhar a cerimônia porque as coroas do meu reinado já têm donos há muito tempo. Ao rei Lulu, que há anos me faz cantar, e à rainha Rita, que me deixa de quatro e me dá prazer, toda a minha reverência. Prometo dançar para sempre, ser romântica e debochada e seguir rebelde até meu último dia.

Se Deus quiser/Um dia eu morro bem velha.

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