MG Guimê, Cara de Sapato e o machismo que também é meu
Juro que não queria falar do BBB. Hoje é terça-feira, ouvi dizer que é ano novo astrológico, acabou o verão, vai estrear a última temporada de ✅Succession. Ou seja: assunto não falta.
Fora que finalmente entendi: garantias, mesmo, só para banco suíço. No mais, é aqui se faz, aqui se paga: incertezas e injustiças, acaso e caos, luta de classes. Para você ver a versatilidade do lugar-comum.
Precisei passar dos quarenta para, em vez de fazer outra faculdade, entender que a montanha-russa é um brinquedo obrigatório, sem essa de medo, labirintite ou carrossel. O paredão é democrático e nos eliminará todos, mesmo os que ficam horrorizados com quem dá audiência a reality shows. Ou manja de jogo da discórdia (a-mo).
Eu alterno a personagem de acordo com a edição. Ora faço a superior e olho de cima —filtro de intelectual— para quem assiste a "tamanha baixaria"; ora viro uma torcedora fanática, tão selvagem quanto a tricolor que meu pai sonhou (e que nunca consegui ser). Quem sabe agora, com o sete a zero de sábado?
Big Brother Brasil. Vamos lá. Já vai fazer uma semana. Enquanto rolava a festa do líder —que naquele dia era em homenagem ao funkeiro MC Guimê— eu jantava com uma amiga querida. Entre filhos, franjas, contas e drinks, chegamos, finalmente, a homens. E não, não era sobre amor, a nossa conversa. Infelizmente. Falávamos sobre discriminação, sexismo e chefes abusivos. Aos quais, a propósito, feliz ou infelizmente, já estamos mais do que acostumadas.
Eu sei, você não aguenta mais essas palavras. Assim que der, eu mudo, prometo. Vamos rezar —-e agir— para que seja rápido. Nem que seja para variarmos o vocabulário. Ok, estou sendo irônica, mas não muito. É que odeio ser mais uma, embora seja.
Vamos lá. Sou mais uma mina com histórias de assédio, quem sabe um dia abra esse baú. Sou mais uma espectadora de um programa que me exclui de todas as rodas cabeça das quais ainda não fui tirada. Sou mais uma brasileira a ter torcido pela expulsão de dois héteros brancos. Homens que passaram do limite com uma estrangeira recém-chegada a um ambiente onde não conhecia ninguém — e não dominava a língua dos demais.
Porém, em algum lugar que ainda não consigo transpor com clareza para cá e tampouco para mim, não acredito que a conta seja tão simples. Concordo com a saída de Guimê e Cara de Sapato - torci por isso - mas não os cancelo como se o problema não fosse também meu. Ainda sou machista, ainda preciso aprender, ainda faço parte dessa terra de ninguém.
Essa semana, veio a público a história da adolescente de 15 anos que, atraída pelas redes sociais, deixou sua casa em Roraima para ser cozinheira em um garimpo ilegal nas terras yanomamis. O salário prometido era de seis mil reais. Em ouro ou em espécie. Quando a Polícia Federal a encontrou, em uma embarcação ao lado de outras menores de idade, a jovem contou que, uma vez no local "de trabalho", era obrigada a se prostituir e chegou a fazer até dezesseis programas por noite.
O BBB de verdade, infelizmente, não dá tanta audiência. O extermínio dos yanomamis, a exploração da floresta, das nossas garotas, dos indígenas: coisas que a gente vê e deixa para lá. Portanto, assim como peço desculpas para a mexicana Dania Mendez, que teve seu corpo tocado - sem consentimento - por dois rapazes do meu país, também peço desculpas às vítimas do garimpo. Que a gente seja capaz de odiar certo, independentemente da tevê.
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