A volta ao divã: quem sou diante do analista uma década depois
Na sala de espera, o mesmo tapete, o mesmo quadro, a imagem da floresta em tons de verde escuro e um pedaço de água — lago ou rio. Uma imagem tanto pacífica quanto perturbadora (algo no escuro das folhas, algo no recorte, a incompletude, talvez, a precisão excessiva de detalhes).
Na mesinha de canto, um vidro de álcool-gel, único sinal de que a pandemia também havia passado por ali, de que naquele recanto de mundo, ainda que fosse óbvio, o tempo também transcorreu.
Uma sensação de paz me invadiu. Abri a bolsa e comecei a tomar notas para este texto. Um lugar-pedra, escrevi, um lugar que fica enquanto o entorno corre; um lugar que me oferece uma ilusão de constância, a pacífica sensação de continuidade que Ecléa Bosi diz se desprender dos objetos em O tempo vivo da memória.
Eu deveria, percebi, de tempos em tempos, voltar a algum desses lugares. Uma esquina, uma casa, um cômodo, mesmo um caderno. Algo que tenha ficado. Algo que me permita prestar contas comigo mesma, perscrutar quem fui e o que me tornei, concluir que tanto mudei quanto continuei a mesma.
Já não tenho pai, já não tenho mãe. Bem, não um pai vivo, nem uma mãe com memória suficiente para continuar sendo minha mãe. Dele, tenho lembranças; dela, o cheiro, o corpo comandado por um cérebro corroído pelo Alzheimer e a incumbência de contribuir com as cuidadoras todo mês.
Tenho mais um filho, hoje, com quase seis anos. O que tinha quatro já está alcançando os treze. Olhei e sigo olhando na cara do amor, mas ele não é como eu imaginava; ele se transforma, se desloca, escorre junto das lágrimas, volta e vai.
Escrevi, continuo escrevendo, e descobri que minha casa é feita de palavras, tão frágil quanto elas, tão minhas e tão alheias, e que o que se chama de realização não é mais do que oferecer ao mundo o próprio avesso. E que a vida é esse transcorrer, sempre falho, incompleto, mas tão bonito, afinal. Mesmo que tantas vezes triste. Mesmo que visto do divã do analista tanto tempo depois.
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