TDAH existe? Como analisar a alta no transtorno por uso excessivo de telas
Imagem: iStock Três pesquisas recentes associam o aumento dos sintomas de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) ao uso excessivo de telas. Alguns sugerem até uma relação causal entre o aumento do tempo de tela e a incidência do TDAH, especialmente quando o uso é multitarefa. Mas, como é bem comum nesse tipo de quadro clínico, fica difícil definir o TDAH como patologia mental isolada quando há um avanço gradativo de transtornos associados, especialmente depressão, ansiedade, abuso de substâncias, autismo e stress pós-traumático. Dizer que a exposição a telas aumenta os sintomas pode sugerir uma relação entre TDAH, ambiente e interações sociais, ainda que seja combinado com determinações genéticas, fisiológicas ou neurológicas. Ronilso Pacheco Dar mídia a Malafaia é um desserviço à democracia Josias de Souza São Pedro dá as cartas em São Paulo Elio Gaspari O preço da privataria na saúde no caso de HIV Carolina Brígido Protegida de Lira cresce na briga por vaga no STJ O fato de o TDAH estar relacionado a uma vida com múltiplas demandas e dispersão da atenção pode sugerir também que ele não seja um transtorno, mas uma neurodivergência ou um funcionamento diferente da personalidade ou do cérebro. Por que, aparentemente, o TDAH declina com a idade? Fica a pergunta: qual seriam os traços essenciais, irredutíveis e próprios que definem o TDAH como doença? Isso nos leva a questões históricas da psicopatologia: 💥️1. Seriam as doenças mentais verdadeiramente doenças? Isso não quer dizer que elas não nos façam sofrer, demandem tratamento ou se reduzam a uma deficiência moral. Mas a definição de patologia exige alteração do funcionamento ou da estrutura do organismo. Portanto, só podemos classificar mudanças na atenção como doença quando descobrirmos plenamente como a atenção é afetada pelo funcionamento cerebral e neurofisiológico. Isso está longe de acontecer. Até a hipótese de que o TDAH não depende só da perturbação do cérebro pré-frontal poderia ser lida ao contrário: o excesso de decisões, telas e demandas altera nosso cérebro. 💥️2. Certos comportamentos podem ser patológicos em um contexto, mas adaptativos em outro. Alguns autores, como Cassell (1978) separam ✅doença (algo que o órgão tem) e ✅enfermidade (algo que um homem tem, adoecimento como experiência social, cultural e histórica). E distinguem ✅sinais (objetivamente percebidos por qualquer um) de ✅sintomas (dependem da narrativa e da forma como o paciente nomeia seu sofrimento). Isso poderia explicar a diferença de incidência do TDAH em diferentes culturas e países. Assim, a resposta aos psicoestimulantes é um efeito terapêutico ou uma adaptação do sujeito ao mundo que espera concentração maior que o sujeito pode dar? 💥️3. Quantos diagnósticos são pura contagem de sintomas? O TDAH está na seção dos transtornos do neurodesenvolvimento do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), ou seja, envolve o neurológico e o social. O DSM definição de sofrimento significativo, funcionamento mental ou dificuldades sociais a partir de convenções e categorias operacionais —que variam de acordo com classe social, raça, gênero e nível educacional. Então, fica a pergunta: quantos diagnósticos de TDAH são realmente baseados em ferramentas formais, como Conners, CBCL, Escala TDAH-2002, WISC-IV, Teste de Desempenho Escolar ou BPA, e quantos são por contagem de sintomas descritos pelo DSM? 💥️4. O termo "transtorno", em vez de "doença", vem da falta de demarcação precisa. Não existem marcadores biológicos consistentes, testagem confiável sobre alterações químicas, fisiológicas ou neurofuncionais ou causa orgânica para a maior parte das síndromes mentais. Os diagnósticos usam como categorias o convencionalismo operacional: regularidade estatística e de signos patológicos, e não causa e desenvolvimento de uma síndrome. Será que esta é uma boa hipótese para 31% a 53% dos diagnósticos de TDAH em adultos serem falsos positivos? 💥️5. Isso explica a alta comorbidade entre os transtornos. No resto da medicina, as doenças geralmente decorrem umas das outras. No TDAH, deduz-se que as alterações neurocerebrais são efeito do transtorno, não a causa. E existem esses níveis de coincidência com outros quadros: A definição do transtorno se torna difícil também por falta de consistência histórica. Está mais para o que o filósofo da ciência Ian Hacking chama de nominalismo dinâmico, ou seja, o poder da linguagem de estabelecer regras de ação e descrições que "criam" entidades. Usamos o realismo de entidades para descrever formas codificadas de sofrimento. As primeiras descrições do TDAH foram feitas quando a escolarização se tornava um processo compulsório e de massa nas sociedades europeias, o que exigia maior nível de concentração, disciplina e quietude do corpo. Em 1798, o médico Crichton descreveu assim uma doença chamada Atentio Vulubilis, "mais frequente em crianças que nos adultos e em mulheres, menos atentas por natureza": Newsletter Um boletim com as novidades e lançamentos da semana e um papo sobre novas tecnologias. Toda sexta. Em 1902, o médico britânico George Still descreveu pela primeira vez sintomas parecidos com o TDAH e observou crianças com problemas de atenção, impulsividade e hiperatividade decorrentes do que chamou de "defeito de controle moral" causado por fatores hereditários ou lesões cerebrais. Nos anos 1940, o educador David P. Weikart buscou entender porque tantas crianças não prestavam atenção às aulas, sem se perguntar se a escola ou o método de ensino tinha algo que ver com isso. E muitos dizem que a encefalite letárgica, nos anos 1920, a disfunção cerebral mínima, nos anos 1960, e a dislexia, nos anos, 1970 já eram o atual TDAH. Foi em 1968 que o transtorno de "reação hipercinética" foi incluído no DSM 2 e passou a ser a primeira aparição contemporânea do TDAH. Mas é preciso atenção ao que significa "existir" quando se trata de doenças, enfermidades, transtornos, sintomas e formas de sofrimento mental. Por isso, quando Eisenberg declarou, pouco antes de morrer, que o TDAH era uma doença fictícia, não quis dizer uma falsa doença. Quis salientar que transtorno não é doença, que descoberta não é invenção e fictícia não quer dizer inexistente. O risco é que "empresários da saúde mental" aparecem para agenciar o TDAH e vende-se alívio produzindo diagnósticos e oferecendo uma explicação global para dificuldades do sujeito. Falei disso em outra coluna. ✅É como se toda a complexidade de determinantes ficasse reduzida ao nome. Como se dominássemos a coisa, nomeando-a. Devolvemos ao 'cliente' um lugar de pertencimento. Para quem sofre com inadequações, insuficiências e impotências, isso traz uma estranha satisfação de sentir-se parte de um sofrimento coletivo. Localizar a causa livra o sujeito da culpa, solidão e vergonha e traz uma leitura moral e estigmatizando dos sintomas psíquicos, que é parte da estratégia do "empresário da saúde mental". Por fim, as redes sociais tornaram-se o meio ideal para multiplicar este tipo de negócio que empilha artigos científicos e especialista para propagar um tipo de monetização da miséria neurótica. ✅Fontes citadas: ✅Zhou, Y., Jiang, X., Wang, R. et al (2023). The relationship between screen time and attention deficit/hyperactivity disorder in Chinese preschool children under the multichild policy: a cross-sectional survey. BMC Pediatr 23, 361 ✅Meng Zhuo, Ao Bo, Wang Wei, Niu Tongtong, Chen Yanan, Ma Xiaoqing, Huang Youliang (2024). Relationships between screen time and childhood attention deficit hyperactivity disorder: a Mendelian randomization study. Frontiers in Psychiatry, 15 ✅Thorell, L.B., Burén, J., Ström Wiman, J. et al. (2024) Longitudinal associations between digital media use and ADHD symptoms in children and adolescents: a systematic literature review. Eur Child Adolesc Psychiatry 33, 2503-2526 ✅Faraone, S. V., Perlis, R. H., Doyle, A. E., Smoller, J. W., Goralnick, J. J., Holmgren, M. A., & Sklar, P. (2005) "Molecular genetics of attention-deficit/hyperactivity disorder." Biological Psychiatry, 57(11), 1313-1323 ✅Faraone, S. V., Biederman, J., & Mick, E. (2006) "The age-dependent decline of attention deficit hyperactivity disorder: A meta-analysis of follow-up studies." Psychological Medicine, 36(2), 159-165 ✅Castellanos, F. X., & Proal, E. (2012) "Large-scale brain systems in ADHD: Beyond the prefrontal-striatal model." Trends in Cognitive Sciences, 16(1), 17-26. ✅Polanczyk, G., de Lima, M. S., Horta, B. L., Biederman, J., & Rohde, L. A. (2007) "The worldwide prevalence of ADHD: A systematic review and metaregression analysis." American Journal of Psychiatry, 164(6), 942-948 ✅Spencer, T. J., Brown, A., Seidman, L. J., Valera, E. M., Makris, N., Lomedico, A., & Biederman, J. (2014). "Effect of psychostimulants on brain structure and function in ADHD: A qualitative literature review of MRI-based neuroimaging studies." Journal of Clinical Psychiatry, 75(8), e915-e930. ✅Associação Americana de Psiquiatria. (2014). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª ed.). Porto Alegre: Artmed. pp. 59-66. ✅Arnsten, A. F. T. (2009). "The neurobiology of ADHD." Nature Reviews Neuroscience, 10(2), 67-76. ✅Joseph Knobel Freud (2014) Sobre O TDAH: Transtorno ou invenção? Ciência e Cultura. Cienc. Cult. vol.66 no.1 São Paulo 2014. Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados. ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do.Isso não significa que o TDAH não exista
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