Estudantes de PALOP acusam escola do Porto de racismo, residências sobrelotadas e atrasos nas bolsas.pt - Ú
"Uma vez disseram-nos que só por sermos negros e termos um sinal na cara já somos discriminados" e a frase veio da "boca de um diretor da escola", conta José (nome fictício).
Um dos diretores da EPES, Paulo Pinhal, afirma que as "acusações não fazem qualquer sentido" e que "não correspondem à verdade". Contudo admite que houve atrasos "pontuais" de mais de um mês na entrega das bolsas devido ao Quadro Comunitário e ao novo 'software' de aprovação dos subsídios de alimentação e alojamento.
Paulo Pinhal admite também que pode ter existido "uma situação pontual de sobrelotação", mas destaca que "aquilo que há preocupação na escola é que as condições do alojamento ofereçam o número de casas de banho mínimo, que não ultrapasse os cinco ou seis alunos por casa de banho".
José é um aluno de 20 anos, de origem são-tomense e a estudar na EPES, uma escola privada pertencente à Academia José Moreira da Silva, cuja prioridade é a "promoção do sucesso educativo, combate ao abandono escolar e qualificação dos jovens".
"Quando cheguei fui colocado num apartamento em Ramalde. Um T3, para 14 pessoas. Só havia uma casa de banho", conta José, afirmando que a segunda casa de banho estava encerrada por ter "problemas de inundações" para o vizinho de baixo.
Cada estudante, relata, pagava 150 euros por mês, mais uma caução de 50 euros. O pagamento é feito pelos estudantes por transferência bancária para o IBAN cujo nome é Quotidiano Secreto Lda.
Depois de uns meses a morar num T3 para 14 pessoas, José conta que a EPES lhe indicou nova residência num T2 para nove pessoas, em Matosinhos, perto do Estádio do Mar, onde pagaria 255 euros/mês.
"O valor da bolsa de estudo mal dá para comer depois do alojamento pago e se não houver uma gestão bem feita da bolsa" os estudantes acabam "por passar fome", diz o estudante, acrescentando que a EPES, além de se atrasar várias semanas ou até meses para pagar as bolsas, ainda ameaça os alunos que queriam sair dos alojamentos da Quotidiano Secreto.
"Eles dizem que se nós perdermos o alojamento, a escola já não se responsabiliza por outro alojamento e que ficamos na rua. Quem sai do alojamento, não pode voltar. Temos de ficar e cooperar com o que eles dizem. Se é aquele valor, temos de pagar".
Quem também acusa a EPES de oferecer más condições de habitabiliade é Carla (nome fictício), uma estudante de 16 anos que viveu com mais 35 raparigas no dormitório da EPES, onde tinha apenas direito a uma cama que fazia parte de um beliche e a um armário, e onde passava frio. A renda era de 150 euros/mês por pessoa.
O dormitório da EPES foi desmantelado recentemente, porque a escola decidiu que precisava de "mais salas de aula", explicou Paulo Pinhal, admitindo, por seu turno, que a EPES foi visitada em setembro por três instituições, nomeadamente pela Saúde pública para identificar situações do alojamento e deu conselhos.
Questionada sobre se havia atraso na entrega da bolsa, Carla conta à Lusa que chegou a tardar dois meses e que nessa altura passou fome.
"Passei fome, porque não tinha o dinheiro (...) Nunca pensei passar fome em Portugal. Pensava que Portugal era melhor", diz, referindo que no país de onde veio, Angola, nunca passou fome.
O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) confirma ter conhecimento das acusações contra a EPES "desde outubro" e que contactou a Câmara do Porto para fazer vistorias, bem como informou a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) sobre as situações descritas que envolvem alunos provenientes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
"A Inspeção-Geral da Educação e Ciência determinou que fossem realizadas averiguações e uma Auditoria de Controle Financeiro. Também a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) encetou diligências relativamente às condições do edificado escolar", lê-se na resposta do MECI à Lusa.
O MECI comunicou à Câmara Municipal do Porto "as situações descritas no relatório de averiguações", por considerar que "compete aos municípios o acompanhamento e a fiscalização das condições das habitações, especialmente as que são por si arrendadas".
Carla conta que se por acaso algum aluno comprasse um aquecedor, não podia ligar. "Eles diziam que aumentava a energia e nós ficávamos no frio", diz, lembrando que sobreviveu a esta tormenta com a ajuda da Associação Porto Solidário, um organismo criado em 2023 que apoia cerca de 30 famílias do Porto desde a pandemia da covid-19.
Teresa Ponte, presidente da Porto Solidário, conta que a associação está a apoiar cerca de 20 estudantes da EPES. Os estudantes dos PALOP queixam-se de morar em sítios sobrelotados na zona de Ramalde, Marquês, Rio Tinto e na própria residência da EPES.
"São adolescentes e jovens, alguns menores de idade, rapazes e raparigas, cuja maioria vem de São Tomé e de Angola. Essencialmente pedem-nos alimentos, porque chegam a passar fome. Alguns vivem amontoados em apartamentos t3 com 14 pessoas", diz Teresa Ponte.
Segundo a responsável, a escola conhece as dificuldades dos estudantes, mas dizem que "não podem fazer nada".
Pedro (nome fictício), 19 anos, são-tomense, está a tirar o curso de técnico auxiliar de saúde na EPES e tem o sonho de ser médico. Mora num apartamento T2, com uma casa de banho, onde foram alojados mais 10 rapazes. Diz que paga 250 euros/mês, mais a caução.
Pedro relata qua a bolsa também lhe chega com atraso de um ou dois meses. "Às vezes, ao fim de semana, fico sem comer". O frio no alojamento aperta e a manta que tem é "pequena" e "leve".
Também Alex (nome fictício), 21 anos, de São Tomé e Príncipe, foi morar com 12 rapazes, num T3 orientado pela EPES e passou necessidades por causa do atraso no pagamento da bolsa.
"Tive de recorrer aos primos e amigos para não passar fome", diz, lamentando que a escola esteja a falhar com os alunos e a castrar-lhes a liberdade.
Paulo Pinhal, da EPES, disse à Lusa que as bolsas de dezembro vão ser processadas para serem pagas em "meados de janeiro".
*** Cecília Malheiro (texto), Estela Silva (fotos) e André Sá (vídeo), da agência Lusa ***
CCM // VM
Lusa/Fim
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