Estamos prontos para um caso Pelicot?.pt - Última hora e notícias de hoje atualizadas ao minuto

Imagine que acordava um dia e descobria que o seu marido, aquele com quem partilhou a vida durante décadas, a drogou sistematicamente para a oferecer como um pedaço de carne a dezenas de homens.

Pior: imagine que isto aconteceu durante anos a fio, sem que se apercebesse.

E agora, o pesadelo supremo: tentar obter justiça num país onde o sistema judicial parecia mais empenhado em proteger os agressores do que as vítimas.

Imagine que era a sua filha, a sua irmã ou a sua mãe.

Bem-vindos ao Portugal de 2025, onde o caso Pelicot poderia muito bem ser a próxima bomba prestes a explodir diante dos nossos olhos perplexos.

💥️A realidade chocante

Não é preciso uma análise profunda para constatar que o nosso país está tão preparado para enfrentar um caso desta magnitude como está para liderar uma missão tripulada a Marte.

Basta olhar para o recente escândalo de assédio no meio artístico do jazz para compreender a profunda disfunção da nossa sociedade.

A opinião pública, em vez de apresentar uma posição unificada, polarizou-se de forma alarmante, dividindo-se entre aqueles que defendiam as vítimas e os que se alinhavam com os agressores.

Por um lado, vimos a repugnante culpabilização das vítimas, com comentários como "ela estava a pedi-las", revelando uma mentalidade retrógrada que ainda responsabiliza as mulheres pelos abusos que sofrem.

Testemunhámos, ainda, uma descabida vitimização dos agressores, com lamentos do tipo "coitadinho do artista, vai ver a carreira arruinada", ignorando completamente o trauma infligido às vítimas.

Por outro lado, os defensores das vítimas argumentavam veementemente que era essencial acreditar nos relatos das mulheres e enfatizavam também a coragem necessária para denunciar, dado o estigma e a revitimização que frequentemente enfrentam.

Esta divisão extrema não só expõe a nossa incapacidade coletiva de lidar com casos de assédio, mas também sublinha a necessidade urgente de um diálogo social construtivo sobre consentimento, responsabilidade e justiça.

A polarização da sociedade neste caso revela uma falha fundamental na compreensão da dinâmica do assédio sexual e da importância de criar um ambiente seguro para as vítimas se manifestarem.

Se isto acontece num caso relativamente "simples" de assédio, imaginem o circo mediático e judicial que seria um caso Pelicot à portuguesa.

Teríamos advogados de defesa argumentando que a vítima "consentiu implicitamente" devido ao seu estilo de vida liberal, como a prática de swing, ignorando que o consentimento para uma atividade não implica consentimento para todas as atividades sexuais, muito menos para ser drogada e violada repetidamente.

Os procuradores argumentariam que o consentimento deve ser explícito, livre e esclarecido para cada ato sexual específico.

Enfatizariam, igualmente, que práticas sexuais prévias não constituem consentimento para futuros atos não consentidos, que o consentimento pode ser retirado a qualquer momento e que uma pessoa incapacitada não pode consentir.

Veríamos juízes, supostamente imparciais, questionando a credibilidade da vítima com base em estereótipos ultrapassados, como o seu histórico de relacionamentos ou a roupa que usava na altura do alegado crime.

E, claro, a cereja no topo do bolo: a inevitável teoria de que "era tudo um jogo sexual consentido".

💥️A raiz do problema

Mas não nos iludamos.

O problema não está apenas nos tribunais.

Está enraizado na nossa sociedade, que ainda continua a tratar o assédio e a violência sexual como "brincadeiras de rapazes".

Veja-se o caso do diretor do Continente, despedido por apalpar uma funcionária.

A reação de muitos? "Apalpa e sai, qual é o problema?"

O problema é que estamos a iniciar 2025 e continuamos a viver numa sociedade em que alguns sectores ainda normalizam o abuso.

Onde um "não" nem sempre significa "não" e onde o consentimento é um conceito tão abstrato como a teoria da relatividade para muitos.

E não pensem que isto são casos isolados.

São a ponta do iceberg de uma cultura tóxica que existe em algumas das nossas instituições.

Desde as universidades, onde professores são acusados de assédio, até às empresas onde o "apalpar" é visto como um direito adquirido de quem tem poder.

O mais assustador é que, muitas vezes, o principal perigo vem daqueles que estão mais próximos de nós.

O marido, o pai, o irmão, o tio ou o amigo de família.

Aqueles em quem confiamos cegamente e que, num piscar de olhos, se podem revelar monstros disfarçados de cordeiros.

💥️O sistema em curto-circuito

Se um caso Pelicot acontecesse em Portugal, o nosso sistema judicial, muito provavelmente, entraria em curto-circuito.

Imaginem 51 arguidos, cada um com o seu advogado, todos a gritar "ela consentiu" em uníssono.

Imaginem procuradores tentando explicar o conceito de consentimento a juízes, sendo que alguns destes ainda acham que "em briga de marido e mulher não se mete a colher".

E não nos esqueçamos da opinião pública.

Num país onde ainda se discute se uma mulher pode "pedir para ser violada" pela roupa que usa, imaginem o linchamento mediático de uma Gisèle Pelicot portuguesa.

💥️O despertar urgente

Mas talvez seja isso mesmo que precisamos.

Um abanão tão forte que nos obrigue a encarar de frente as falhas do nosso sistema.

Que nos force a reescrever leis, a reeducar juízes, procuradores, advogados e a revolucionar a forma como a sociedade vê o consentimento e a violência sexual.

Porque a verdade é que não estamos preparados para um caso Pelicot.

Mas temos de estar.

Para bem das Gisèles portuguesas que, neste preciso momento, podem estar a ser vítimas sem sequer o saberem.

Pelas mulheres que têm medo de denunciar porque sabem que o sistema as pode vir a tratar como culpadas.

E por todos nós, que merecemos viver numa sociedade onde a justiça não é cega, surda e muda quando se trata de proteger as vítimas.

É hora de acordar, Portugal.

Porque o próximo caso Pelicot pode estar mais perto do que pensamos.

E quando ele explodir, não poderemos dizer que não fomos avisados.

Imagine que era a sua filha, a sua irmã ou a sua mãe.

Agiria de forma diferente?

💥️Dois países, duas justiças

As diferenças no tratamento de um caso como o de Pelicot entre Portugal e França são muitas.

Em França, o julgamento transformou-se num evento público de grande envergadura, estendendo-se por 64 dias e catalisando um debate nacional intenso e necessário sobre consentimento e violência sexual.

Este processo não só expôs as circunstâncias do crime, mas também forçou a sociedade francesa a enfrentar realidades desconfortáveis.

Por outro lado, em Portugal, seria provável que um caso semelhante fosse tratado com muito menos transparência e visibilidade mediática, potencialmente privando a sociedade de um momento necessário de reflexão e mudança.

No que toca às sentenças, a disparidade é igualmente alarmante.

O sistema francês não hesitou em aplicar penas severas, com Dominique Pelicot a receber a pena máxima de 20 anos e os 51 cúmplices condenados a penas entre 3 e 20 anos.

Em contraste, o sistema português, com uma moldura penal mais branda para crimes sexuais (máximo de 10 anos neste caso), provavelmente resultaria em sentenças mais leves, com maior probabilidade de absolvições ou penas suspensas, enviando uma mensagem preocupante para a sociedade sobre a gravidade destes crimes.

Por fim, o tratamento da vítima revela outra diferença fundamental.

Em França, Gisèle Pelicot foi elevada a "heroína feminista", simbolizando a coragem de enfrentar não só os seus agressores, mas todo um sistema social que muitas vezes silencia as vítimas.

Em Portugal, seria provável que o apoio público e mediático fosse mais tímido, refletindo uma relutância cultural em abordar temas de violência sexual de forma aberta e construtiva, potencialmente deixando as vítimas mais isoladas e vulneráveis.

Estas diferenças reflectem disparidades profundas na forma como as duas sociedades encaram a violência sexual, os direitos das vítimas e a responsabilidade coletiva perante estes crimes hediondos.

💥️O perfil dos agressores

Um dos aspectos mais perturbadores do caso Pelicot é a diversidade dos agressores envolvidos.

Os 50 co-arguidos, apelidados de "Monsieur Tout-le-monde" pela imprensa francesa, eram homens aparentemente comuns, com idades actualmente entre os 27 e os 74 anos, provenientes de um amplo espectro socioeconómico e profissional.

Esta diversidade de perfis, que incluía desde operários a empresários, passando por funcionários públicos e profissionais liberais, desafiou estereótipos e revelou a face perturbadora da violência sexual: os agressores podem ser qualquer um, independentemente da idade, profissão ou estatuto social.

Esta realidade desafia a noção preconcebida de que existe um "perfil de violador" e sublinha a necessidade de uma abordagem mais abrangente na prevenção e combate à violência sexual.

💥️Medidas urgentes

Para enfrentar este desafio, é necessário implementar medidas urgentes:

Iniciar programas educativos nas escolas sobre consentimento, respeito e igualdade de género. Capacitar profissionais de saúde, educação e forças de segurança para identificar e lidar com casos de violência sexual. Lançar campanhas nacionais de sensibilização sobre violência sexual e doméstica. Aumentar as penas para crimes sexuais. Garantir apoio jurídico gratuito às vítimas. Desenvolver protocolos específicos para prevenção e intervenção em casos de violência sexual. Reforçar os serviços de apoio psicológico para vítimas. Implementar programas de formação especializada em violência sexual para os operadores judiciais. Criar mecanismos para garantir que as vítimas não sejam revitimizadas pelo processo. Estabelecer programas de reabilitação rigorosos para os agressores, visando reduzir a reincidência e proteger a sociedade após o cumprimento das penas.

Estas medidas não são meras sugestões, são imperativos para uma sociedade que se quer justa e segura.

Só assim poderemos estar preparados para enfrentar um caso Pelicot ou, melhor ainda, prevenir que tais atrocidades aconteçam em primeiro lugar.

É hora de agir.

O futuro das nossas filhas, irmãs e mães depende disso.

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