Migrantes sem-abrigo retirados da Igreja dos Anjos querem ficar em Portugal - Executive Digest
Malik e Aladin não escondem o sofrimento dos nove meses passados na rua junto à Igreja dos Anjos, em Lisboa, mas, agora realojados, ainda que em condições não ideais, vincam a vontade de ficar em Portugal, “um bom país”.
Cai o dia e uma dezena de crentes católicos sai da igreja, no fim da missa. Em sentido contrário, entram alguns turistas, de mapa na mão, cujo olhar já não será perturbado pelas tendas que ali se acumulavam nem há um mês.
Em 04 de outubro, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) realojou em ‘hostels’ os 55 migrantes & oriundos de Senegal, Gâmbia, Mauritânia & que ali pernoitavam.
Já antes, outras 30 pessoas que viviam no mesmo local haviam sido reencaminhadas para respostas dirigidas à população sem-abrigo.
Concluída a operação de realojamento, a Junta de Freguesia de Arroios colocou uma vedação que agora impede o acesso ao jardim e à praça que abraçam a Igreja dos Anjos. A área ainda não foi limpa e são bem visíveis os vestígios de presença humana.
Num cartaz, a junta anuncia o que vai fazer no local: reforçar a iluminação, plantar mais árvores, melhorar o pavimento e reabilitar os sanitários.
“O jardim passará a ser delimitado por uma vedação metálica com cerca de dois metros de altura e terá um horário de funcionamento”, adiantou à Lusa fonte da junta, acrescentando que as obras deverão começar em novembro.
Malik, 43 anos, senegalês, e Aladin (nome fictício), 21 anos, gambiano, são dois dos 55 homens migrantes que foram distribuídos por três ‘hostels’ na zona da Praça do Chile.
As condições nos ‘hostels’ não são as ideais e os migrantes continuam sem saber por quanto tempo terão um teto, mas tanto Malik como Aladin estão agradecidos por os terem retirado da rua, numa altura em que já temiam o próximo inverno e uma vida encharcada, de novo.
Tudo foi tão “duro, devastador, absurdo” que é impossível não achar que se está “melhor” do que ao relento, dizem.
Porém, o quarto onde Aladin dorme “é congestionado”, com “quatro, cinco metros [quadrados]” e seis camas para seis pessoas. “É tão apertado… um quarto para seis pessoas não é confortável”, descreve.
“É o que temos e temos de o agarrar com todas as forças, porque não temos outro sítio e este foi o que nos deram”, constata.
Segundo Luís, que mora numa tenda na Avenida Almirante Reis, a 300 metros da Igreja dos Anjos, alguns migrantes saíram dos ‘hostels’ “um ou dois dias” depois do realojamento.
“Aquilo estava cheio de bichos, percevejos, baratas e muitas das pessoas não aguentaram a dor, o facto de aquilo estar cheio de bichos e a comichão e vieram para a rua”, conta, dizendo que viu “as mazelas, grandes babas, manchas vermelhas que tinham no corpo”.
Questionada pela Lusa, a Câmara de Lisboa desmentiu “que tal tenha sucedido”, afirmando que “as pessoas em situação de sem-abrigo que se encontravam a pernoitar junto da Igreja dos Anjos foram realojadas em três ‘hostels’, não existindo registos de qualquer abandono por falta de higiene”.
Aladin e Malik não se queixam da higiene. “Estamos muito contentes”, diz o senegalês. “Estamos com o nosso grupo, estamos tranquilos, é isso que queremos”. Isso e documentos, para conseguirem um trabalho que não seja precário como o que têm de momento, na área da construção.
Ambos esperam uma resposta para a regularização, depois de terem visto o seu pedido de asilo rejeitado.
Mariana Carneiro, ativista antirracista e pelos direitos das pessoas migrantes, começou a ajudar o grupo de homens que chegou em janeiro, quando só tinham “um cartão debaixo do corpo”.
Registou as suas histórias: “apanharam uma piroga, arriscaram a vida a atravessar o Atlântico para chegar a Espanha, perderam irmãos, família, amigos pelo caminho, uma viagem perigosíssima, alguns morreram de fome, outros atiraram-se ao oceano”.
Saíram dos seus países “porque não tinham outra escolha e porque sentiam que estavam a fugir, nalguns casos da miséria absoluta (…), noutros de perseguição por várias razões, nomeadamente políticas”.
Espanha expulsou-os, sugerindo que fossem até Portugal e até lhes pagou o transporte até à fronteira, conta a ativista, membro da associação SOS Racismo.
Chegados a Lisboa, esperavam-nos “nove longos meses em que faltou tudo, faltaram condições sanitárias, faltou alimentação, faltaram cuidados de saúde e, principalmente, faltou dignidade”.
Por isso, a ativista responsabiliza: “As autoridades falharam em toda a linha no acompanhamento destas pessoas”.
Dado o historial de “promessas não cumpridas”, Mariana Carneiro é cautelosa em relação à solução oferecida pela autarquia.
A resposta dada em 04 de outubro “veio provar que, afinal, durante estes nove meses, eles podiam ter sido colocado em ‘hostels'”. Porém, lamenta, “ninguém quis pôr essa resposta em prática”.
Apesar de considerar que o acolhimento em ‘hostels’ não é a melhor solução”, Mariana Carneiro diz ter ficado “muito feliz de eles poderem sair da rua”.
“Era imperativo, as pessoas estavam extremamente desgastadas, não iam aguentar outro inverno, isto foi uma situação muito dramática, de crise humanitária grave e inaceitável no centro de Lisboa, na capital do país”, frisa.
Porém, “não há nenhuma indicação” sobre quanto tempo os migrantes poderão ficar nos ‘hostels’, menciona, realçando que se trata de espaços comerciais, onde vivem muitas outras pessoas, e que é preciso assegurar que há condições “para fazer um bom trabalho social, de acompanhamento social, psicológico, de encaminhamento para o mercado de trabalho, de acesso aos cuidados de saúde”.
Questionada pela Lusa, a Câmara de Lisboa respondeu que o tempo de permanência nos ‘hostels’ “não está definido”.
Aquilo que os migrantes têm, neste momento, “é a dormida, não há resposta de alimentação, não há resposta, até agora, de outros moldes, de saúde, social, etc.”, ressalva Mariana Carneiro, esperando que as promessas “não sejam um verbo de encher” e se concretizem.
“Estas pessoas têm estado num limbo e estas pessoas merecem, de uma vez por todas, que os seus direitos sejam respeitados”, vinca.
Para a vereadora do PCP na Câmara de Lisboa Ana Jara, falta “profundidade e estruturação” na resposta dada a esta população, que vive um problema que “não se resolve com a câmara, resolve-se com o Governo”.
A jornada foi “devastadora”, lembra Aladin, que acorda todos os dias às cinco da manhã para ir trabalhar. “Na vida nada é fácil, temos de fazer algo para conseguir algo”, relativiza.
“Todos nós temos um sonho, eu quero ser isto e aquele quer ser aquilo, mas todos temos um objetivo a atingir, trabalhar para ter êxito”, resume, ao chegar a casa, finda a jornada de trabalho, pelas oito da noite.
“Viemos para Portugal para trabalhar, para ajudar a nossa família, que vive no Senegal, para contribuir para a sociedade, pagar impostos”, elenca Malik.
“Nós queremos ficar aqui, queremos uma vida melhor, queremos ter documentos, como todos os portugueses. [Portugal] é um bom país, tratam-nos bem aqui”, aprecia.
“Eu adoro este país como se fosse a minha nação”, acompanha Aladin, que espera poder voltar a estudar para, um dia, conseguir fazer o que fazia na Gâmbia: trabalhar num hospital e ajudar a salvar vidas.
No entretanto, deixa um lamento: “Muitas pessoas que aqui vivem têm dinheiro, capacidades, têm tudo o que é preciso para ajudar. Mas não o fazem, apenas passam por nós, como se não fôssemos ninguém. E nós somos pessoas, filhas de um só deus”.
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