Bibliodiversidade, uma das bases da democracia
A falência de grandes redes de livrarias nos anos anteriores à pandemia comprovou que este não é um bom negócio para quem costumava passar suas férias anuais em estações de esqui ou capitais europeias. Para o Brasil, no entanto, seria muito interessante que uma pequena livraria de bairro fosse um negócio capaz de sustentar uma família, em qualquer periferia do país. E levar essa família de férias a algum lugar do mundo, se assim desejasse.
Essa perspectiva não parece muito factível em um país em que apenas 16% da população comprou pelo menos um livro nos 12 meses anteriores à pesquisa "Panorama do consumo de livros", divulgada no fim de 2023, e realizada pela Nielsen BookData e pela Câmara Brasileira do Livro (CBL).
O curioso é que, no geral, qualquer pessoa abordada na rua dirá que valoriza a leitura. Os não compradores de livros ouvidos pela pesquisa confirmam isso: para eles, o hábito da leitura é uma atividade importante, mas preço, falta de livrarias próximas e a correria do dia a dia são os principais fatores a afastá-los da aquisição desse bem.
Sabemos que existem outros meios de acesso à leitura, como as bibliotecas e os sebos, mas apenas 52% da população leu um livro inteiro e em partes ao longo de um período de três meses - que é o que a pesquisa Retratos da Leitura, principal referência do setor, divulgou em sua última edição, de 2023.
Uma série de decisões históricas - que remontam ao período colonial e escravista - afastaram a leitura da população brasileira. Os livros só puderam ser publicados no Brasil depois da chegada da família real portuguesa, em 1808, e a universalização da educação básica só se tornou lei com a Constituição de 1988.
Nesse contexto, o livro continua sendo um objeto distante do conjunto da população - não pelos argumentos que o ex-ministro da Fazenda Paulo Guedes quis usar para aumentar os impostos sobre o livro em sua gestão, ou seja, de que o livro não precisa de imunidade tributária por ser dedicado à elite. A mesma pesquisa Retratos da Leitura revela que 27 milhões de pessoas das classes C, D e E consomem livros. Mas seu valor simbólico, mesmo que considerado importante, ainda não o coloca como prioridade nas compras da maioria das famílias.
Além das informações e da cultura que veicula, o livro é um instrumento de intervenção social, em defesa da democracia, da igualdade e da equidade. Uma miríade de pequenas editoras hoje produz livros para nichos jamais atendidos pela indústria estabelecida, trazendo novas abordagens autorais, linguísticas e culturais para esse veículo que é um objeto ordenador da cultura, ponto de partida para outras manifestações culturais.
Hoje a bibliodiversidade está presente como nunca em feiras e festivais literários, nas compras públicas de cidades que realizam editais transparentes e inclusivos, no Programa Nacional do Livro Didático (o maior programa público de compra de livros do mundo) e em livrarias que se dedicam a nichos específicos ou dão destaque a pequenas e médias editoras em seus espaços expositivos.
A oferta de livros nunca foi tão diversa, e os prêmios literários também estão aí para comprovar. O Prêmio Jabuti, realizado pela CBL, principal do setor, acaba de fechar suas inscrições com mais de 3,8 mil obras, e um aumento de 14% nos títulos de literatura.
Atualmente, uma nova edição do Plano Nacional de Leitura e Escrita - que estabelece as diretrizes da política do livro no Brasil - está em gestação. Construir políticas públicas duradouras em torno do livro é primordial para reforçar as bases da nossa democracia. E deveria estar na plataforma de todos os candidatos às eleições municipais deste ano.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da 💥️Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Lizandra Magon de Almeida foi "1984", de David Bowie.
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