Kamala Harris é a candidata afro-americana com mais chances de ser presidente do seu país
No dia 19 de novembro de 2023, Kamala Harris, ainda que de forma interina, se tornou a primeira mulher a assumir a função de presidente dos Estados Unidos, a nação mais poderosa do mundo, econômica e belicamente falando. O dado mais relevante desta informação: ela é uma política afro-americana.
Os EUA têm dado mostras, nas últimas décadas, de expressiva reviravolta no cenário político-partidário do país. O início da maior delas começou com a eleição e reeleição de Barack Obama (2009-2017) à Presidência. Foi o primeiro homem negro a alcançar o posto hierárquico mais importante da nação.
Na nova corrida à Casa Branca, Kamala Harris virou a candidata oficial do partido Democrata. Para um cenário político como o estadunidense, ter uma mulher candidata na corrida presidencial — ainda mais uma mulher negra – é algo tão desafiador quanto as chances dela ganhar as eleições contra Donald Trump. Estou convicto de que ela vai vencer.
Na história das eleições americanas, desde o primeiro pleito de 1789, até o outorgado sufrágio feminino em 1965, apenas nove mulheres negras – Charlene Mitchell; Margaret Wright; Shirley Chisholm; Lenora Fulani; Helen Halyard; Isabel Masters; Monica Moorehead; Cynthia Mckinney; Peta Lindsay — foram candidatas à Presidência. Todas perderam. A primeira delas, em uma candidatura de 1968; a última, em 2012.
O diretor cinematográfico John Ridley levou às telas, no início deste ano, a cinebiografia política sobre a vida e a trajetória de Shirley Chisholm, no drama "Shirley" ("Shirley para Presidente", título no Brasil), produzido e exibido pela Netflix. O filme conta os bastidores da rechaçada candidatura de uma mulher que precisou enfrentar de tudo, do machismo, eleitoral e partidário, até o racismo.
Agora temos um outro cenário, com Kamala Harris no páreo para comandar uma nação do tamanho dos EUA. Já no discurso na convenção que confirmou sua candidatura, além de falar de gênero e classe social, começou atacando o candidato adversário, chamando Trump de "um homem pouco sério", sendo aplaudida por estrelas como os casais Barack e Michelle Obama; Bill e Hillary Clinton – ex-presidente e ex-primeira-dama do país -; a apresentadora Oprah Winfrey; o cantor Stevie Wonder; o reverendo Jesse Jackson e o comediante Kenan Thompson, entre outros líderes e artistas.
Kamala Harris tem um grande desafio pela frente, que culmina no dia 5 de novembro, data das eleições americanas, onde precisará convencer o colégio eleitoral de cinquenta estados da federação. Não é fácil. No pleito de 2016, Hillary Clinton foi a mulher que mais recebeu votos populares, mas foi derrotada exatamente pelo colégio eleitoral.
Ao assumir sua candidatura, no meio do caminho da desistência do atual presidente Joe Biden, Harris ganhou apoio incondicional de seu partido e tem sido vista como uma candidata com chances reais de derrotar o ex-presidente Trump na sua agressiva campanha de retorno à cadeira mais poderosa do mundo.
Negra assumida e filha de indiana e com jamaicano, Harris tem sua imagem colada no universo feminino negro – e não só nos Estados Unidos, onde ela, como Michelle Obama, é popular. No Brasil, maior país de população negra fora do continente africano, a eleição de uma mulher nas condições dela impacta na autoestima de milhares de afro-brasileiros, sobretudo mulheres.
De acordo com a Justiça Eleitoral, por aqui, pelo menos 52,7% dos candidatos aptos a disputar as eleições municipais de 2024 são declarados pretos e pardos. Desses, 37,1% disputarão vaga para prefeito. Pretos e pardos são considerados negros segundo a legislação em vigor e adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Apesar de os Estados Unidos serem um país fortemente racista, a candidatura de Kamala Harris — e sua possível vitória no colégio eleitoral americano —, projeta uma bandeira de maior representação de negros na política para países como o Brasil.
Em 1910, o campista Nilo Peçanha foi o primeiro vice-presidente negro a assumir o comando da Presidência da república brasileira. Antes dele, elegeu-se pelo voto direto o paulista Rodrigues Alves, por duas vezes alçado ao cargo máximo da nação.
O falecido historiador Alberto da Costa e Silva, que pertenceu à Academia Brasileira de Letras, afirmava ainda que Campos Sales e Washington Luís tinham sangue africano, ou seja, eram negros. São desta mesma opinião o pesquisador Nei Lopes e o ativista Abdias Nascimento, que chegou a deputado federal e senador.
Com Kamala Harris na disputa presidencial americana, pode ser que os ares das eleições brasileiras sejam baforados pela democracia, que inclua mais mulheres e homens negros – e também os indígenas.
Na convenção, muito explorada pela imprensa, o ex-presidente Barack Obama disse algo que até agora reverbera no mundo e aqui entre nós: "Sim, ela pode".
De fato, Harris pode ser presidente dos Estados Unidos, como no Brasil pode ser o que ela quiser.
De Washington, a correspondente da Folha informa o que importa sobre a eleição dos EUA
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