Será que chegou a hora de relembrarmos que somos latinos?
No contexto educacional brasileiro, nada parece mais urgente do que a discussão sobre a novíssima Política Nacional de Ensino Médio: o Projeto de Lei 5230/2023. A atual política, sancionada em 2017 pelo ex-presidente Michel Temer, é alvo de críticas em todos os lados do espectro político. Elas giram em torno da sua fragilidade, tanto na forma quanto no conteúdo, em relação ao objetivo de preparar os jovens para o futuro.
Entre os pontos mais polêmicos desse debate está a definição dos componentes curriculares obrigatórios da etapa de ensino. Esse "tira e põe" se efetiva na tentativa de articular duas coisas: proporcionar aos jovens uma formação integral e emancipatória e promover a inclusão qualificada no mundo do trabalho.
Nas últimas semanas, a Comissão de Educação e Cultura (CE) do Senado Federal sugeriu a inclusão da língua espanhola como componente curricular obrigatório, em alternativa à língua inglesa —que, atualmente, é estabelecida como obrigatória, mas cujos resultados de aprendizagem estão muito aquém do esperado.
Tal proposta é vista por especialistas como um avanço na retomada dos longínquos planos de promover o desenvolvimento integrado dos Estados latino-americanos. Contrários à proposta defendem que a abertura da possibilidade de ensino da língua espanhola prejudicaria professores de outras línguas, ignorando o fato de que o Brasil está envolto por países cuja língua oficial é o espanhol.
Neste sentido, é essencial relembrar e ressignificar nossa identidade como um povo latino, não apenas reforçando nosso passado comum como colônias ibéricas que se tornaram independentes em meados do século 19, mas projetando possibilidades de desenvolvimento integrado do bloco, tomando por referência os diversos projetos políticos históricos, como o Pacto ABC: estabelecido entre Argentina, Brasil e Chile no início do século 20 e que buscava formar uma aliança defensiva, servindo como uma das bases político-intelectuais para a criação do agora fragilizado Mercosul.
Mais importante do que recordar nosso passado comum é reconhecer que uma Política Educacional deve refletir um Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Segundo as Nações Unidas, a América Latina e o Caribe têm enfrentado um contínuo enfraquecimento nos últimos 20 anos, em parte devido à baixa integração entre os Estados. Em um cenário de instabilidade internacional, fortalecer o bloco latino-americano e caribenho é estratégico, uma vez que permite a ampliação dos poderes de negociação e barganha no contexto internacional.
O Brasil, como a maior economia da região, tem a responsabilidade de se posicionar como articulador dos interesses de desenvolvimento do bloco. Isso envolve a criação de uma Política Nacional de Ensino Médio que fortaleça os laços com nossos "hermanos hispanohablantes", retomando nossa identidade compartilhada, mas reafirmando nossa especificidade como Nação —aqui, a visão de Lélia Gonzalez sobre a Améfrica Ladina é particularmente relevante, pois evidencia nossa latinidade e afro-negritude, destacando o ímpeto de desenvolvimento com base em nossa diversidade como povo.
Incorporar a língua espanhola como componente curricular obrigatório não é apenas uma questão de possibilitar a aquisição de um novo conhecimento. Trata-se de abrir oportunidades para a integração e desenvolvimento regional por meio da juventude, oferecendo aos jovens instrumentos e oportunidades para construir um país e um bloco regional cultura e economicamente mais forte e integrado.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da 💥️Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Cleidson Borges foi "Ese camino", de Julieta Venegas.
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