Agricultores e ONGs ficam em lado oposto a governos na transição energética no Nordeste

Representantes de movimentos sociais e de associações de pequenos agricultores se lembram do momento em que perceberam: estavam em campo oposto ao do poder público.

Em audiência com o governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), em outubro de 2022, eles levaram queixas contra o que consideram ações nocivas de parques eólicos e solares no estado.

Segundo três pessoas presentes, Azevêdo se esquivou. Disse que os acertos entre essas empresas e os donos de terras são contratos particulares. Não havia muito o que fazer quanto às queixas de acordos que favoreceriam apenas as empresas, de perda de espaço para agricultura em pequenas propriedades e remunerações consideradas irrisórias.

"Peçam qualquer coisa. Menos isso", disse em seguida, meio na brincadeira, meio a sério.

A Paraíba tem 61 parques eólicos e fotovoltaicos (solares) em operação. De acordo com a divisão de Desenvolvimento de Projetos de Assentamentos do Incra no estado, há mais 39 pedidos em análise. São R$ 4 bilhões em investimentos apenas nas usinas solares.

"Incentivamos esses projetos e buscamos fazer com que eles aconteçam de maneira rápida. A Paraíba tem um potencial gigante para a energia eólica", disse Azevêdo em agosto do ano passado.

É o mesmo em outros estados da região. Parques eólicos são responsáveis por 13% de toda a geração de eletricidade no país. O Nordeste produz 93,6% disso. Com trecho chamado de "corredor de vento", que avança pelo semiárido, a Paraíba está em crescimento.

É uma briga que chama a atenção por envolver bilhões de reais e prioridades políticas contra o interesse de pequenos agricultores, ONGs e associações de trabalhadores.

"As disputas territoriais e questões sobre a renda da terra emergem como um ponto focal da discussão sobre a expansão das energias renováveis no Nordeste brasileiro (…) A ausência de acompanhamento e fiscalização por parte do poder público subordina diversas famílias vulneráveis à especulação das terras e à apropriação por parte das empresas, tendo em vista o desequilíbrio e o desbalanceamento que há nas relações contratuais", diz relatório técnico publicado pelo Inesc, ONG sobre políticas públicas e direitos humanos.

O governo paraibano afirma ter tomado conhecimento das queixas por meio das redes sociais e pela imprensa. Não teria recebido manifestações oficiais.

"Os contratos são negócios firmados entre particulares, não tendo o governo da Paraíba qualquer poder para interferir em avenças formalizadas ente terceiros", diz a nota da assessoria, confirmando a visão do governador. Qualquer um que se sentir prejudicado deve buscar os órgãos competentes, completa.

"Houve uma audiência pública em que uma senhora reclamou do barulho [dos aerogeradores] e que não conseguia dormir. O conselho da representante da eólica foi para ela fingir que o ruído era o som das ondas do mar. O governo vê as eólicas como uma grande oportunidade, um cavalo selado que só passa uma vez. Mas é oportunidade para quem?", questiona Carmélio Reynaldo Ferreira, 72, vice-presidente da ONG Café Cultura, que atua em Santa Luzia, no semiárido paraibano.

Para empresas como a Neoenergia, que opera complexo de energia eólica e fotovoltaica na região, Santa Luzia é um exemplo dos benefícios que o investimento leva para a região. Pelos dados do IBGE, a arrecadação do município cresceu, nesta década, de R$ 55,6 milhões (2021) para R$ 80,2 milhões (2023). A renda per capita foi de R$ 14.621 (2019) para R$ 24.065 (2021).

"Eu não tenho nada contra as eólicas, não. Eu recebi contrato deles para ler, pedi para mudar cinco itens e mudaram quatro. Acho que elas trouxeram benefícios", diz o agricultor Armando Virgulino, 74, líder local.

Moradores de diferentes regiões lembram também que as empresas participam de casos de regularização fundiária de terras. É necessário fazer isso para que o arrendamento aconteça e a eólica ou solar cuida de toda a documentação, registros em cartórios, Receita Federal, cadastro rural e Incra.

"A EDF [Renewables] entrou em contato comigo de que ia desistir do contrato [do Parque Eólico Serra do Seridó]. Avisei que eles teriam de devolver toda a minha documentação regularizada. Cumpriram", afirma Daniel (nome fictício), morador de Junco do Seridó, na Paraíba, reconhecendo que a empresa também encontra oposição na região, o que causa conflitos locais.

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