Relembre dez textos do ex-ministro Delfim Netto publicados na Folha

O economista e ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto, que morreu nesta segunda-feira (12) em São Paulo, colaborou com a 💥️Folha ao longo de décadas com centenas de colunas escritas.

Relembre, a seguir, dez textos marcantes do economista.

Relembre textos de Delfim Netto

O amor ao próximo - 27.jan.1988

Dennis Robertson, um soberbo economista inglês, costumava dizer aos seus alunos que a principal tarefa dos economistas era minimizar o uso do mais escasso de todos os recursos: o amor ao próximo.

O prof. Robertson insistia com seus alunos para que desconfiassem de todas as propostas que requeiram, para o seu bom funcionamento, certas formas de altruísmo ingênuo, que realiza sempre o oposto de suas boas intenções.

Essa insistência pode parecer cínica para quem ignora o tamanho moral de Robertson, mas mostra uma realidade que tem dominado a política de muitos países.

O que pensava Delfim Netto?

Ainda agora, ela revela o seu aspecto devastador na formulação do que se chama "a política social" do projeto de Constituição, onde os nossos "progressistas", como bons altruístas amadores, têm tentado incorporar toda a sorte de medidas que não vão beneficiar o trabalhador, mas vão dificultar o funcionamento da economia de mercado.

Para entender isso com clareza é preciso recordar o seguinte:

  1. Ao longo de suas histórias o homem encontrou duas formas básicas de organizar a sua sobrevivência: o comando e o mercado;
  2. A forma do "comando" é a organização hierárquica a partir do centro (o comandante militar ou religioso, o partido, a igreja). Ela tem sido usada em mais de 95% do tempo de que se tem registro escrito. Ainda hoje ela é usada na maioria dos países que chamam a si mesmo de "socialistas".
  3. A forma do "mercado" foi descoberta pelo homem há menos de 300 anos. Em 1776, Adam Smith revelou que as pessoas, agindo de acordo com seus interesses, não produziam o caos, mas sim uma sociedade razoavelmente organizada, capaz de absorver com rapidez os progressos tecnológicos. Adam Smith viveu o começo da revolução industrial sem pressenti-la. Marx, um século depois, mostrou todo o potencial revolucionário para o progresso da humanidade dessa forma de organização pelo mercado a que se chamou "capitalismo" e destacou as suas injustiças;
  4. A interação entre o "mercado" e a ampliação da política pelo sufrágio universal foi corrigindo dramaticamente aquelas injustiças do "capitalismo", que se revelou, afinal, capaz de conciliar um razoável grau de eficácia produtiva, com um razoável grau de liberdade individual e com razoável segurança social, dentro do que se chama "economia social de mercado";
  5. As economias de "comando", como são as que se denominam socialistas, revelaram-se incapazes de conciliar a justiça social com a eficácia produtiva e a liberdade política, produzindo, de fato, uma nova Idade Média. Hoje são os próprios dirigentes dessas economias que reconhecem esse fato, como se lê no livro "Perestroika", de Gorbatchev.

A forma de organização pelo "mercado", isto é, pela livre iniciativa individual e pela concorrência, não foi invenção de ninguém. Foi descoberta acidental tornada possível por curtos instantes ocasionais de redução da vigilância do poder estatal. Ela revelou-se mais eficaz do que o "comando", tanto do ponto de vista produtivo, quanto do ponto de vista da liberdade individual e pode incorporar a segurança social.

Já em 1930, Lange e Lerner, dois economistas socialistas de envergadura, "descobriram" (e muito antes deles, Barone) que para uma administração eficaz, o sistema de preços (e as empresas) socialistas tinham de imitar o mercado.

Em 1961, Abel Aganbegyan (hoje o principal assessor econômico de Gorbachev e autor intelectual de "Perestroika") já se dedicava a desenvolver técnicas matemáticas que imitam o mercado. Isso parece novidade para os "progressistas" tupiniquins.

É preciso entender isto: o herói do "capitalismo" não é o empresário, mas o mercado, que significa a liberdade de iniciativa e a concorrência. Quando se deixa a um certo tipo de empresários a organização do capitalismo, eles o matam, exatamente porque tentam organizá-lo não em torno da concorrência, mas em torno de monopólios, de conluios, de reserva de mercado, de subsídios, de créditos com juros privilegiados, como aliás já alertava Adam Smith, em 1776! É preciso, portanto, proteger o capitalismo (a economia de mercado) também da ação de certos capitalistas!

Este é o ponto importante: na medida em que as decisões que serão incorporadas à Constituição dificultarem o livre funcionamento da concorrência; na medida em que elas estimularem a ação produtiva do governo que é reconhecidamente ineficaz; na medida em que criarem custos atuarialmente não estimáveis pelas empresas; na medida em que criarem reservas de mercado; na medida em que sacrificarem o mercado pela "segurança social"; elas estarão dificultando a organização da economia e tornando menos eficiente o sistema produtivo.

Como subproduto disso, estarão diminuindo as possibilidades de ampliação das liberdades individuais, e da segurança social, exatamente o oposto do que desejam nossos altruístas amadores mas, talvez, exatamente o que pretendem tantos "empresários" oportunistas!

O que você está lendo é [Relembre dez textos do ex-ministro Delfim Netto publicados na Folha].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

Wonderful comments

    Login You can publish only after logging in...