Ruínas de Brasília, reais e metafóricas, inspiram artistas em mostra no Rio

É uma vista clássica de Brasília, as torres do Congresso ladeadas pelas duas cúpulas desenhadas por Oscar Niemeyer, mas algo está fora da ordem. No lugar da limpidez do traço modernista, a estrutura de concreto na imagem é construída com estilhaços de vidro, restos de carpete e cartuchos de balas.

O trabalho de Vik Muniz, que abre a mostra "Brasília", agora em cartaz nas galerias da FGV Arte, no Rio de Janeiro, é uma construção às avessas, uma composição criada a partir de escombros, tudo o que foi deixado no rastro da depredação dos palácios da capital federal no dia 8 de janeiro do ano passado. É a visão cristalina da cidade alicerçada sobre os restos de sua destruição, um curto-circuito visual que restaura o monumento com seus próprios fragmentos.

Num movimento contrário, outro artista da mostra organizada por Paulo Herkenhoff leva à galeria as sobras dos ataques golpistas sem floreios ou disfarces. Siron Franco exibe um retalho do carpete do Supremo Tribunal Federal com as pegadas avermelhadas dos invasores, a terra rubra do cerrado marchando alvoroçada sobre a sede do Judiciário, um dos palácios mais depredados durante as invasões golpistas.

Franco expõe o tecido como um fotograma instantâneo da barbárie, um sudário da destruição das sedes do poder que dá um caráter tátil e emudecido à fúria daquela tarde de verão. É palpável a presença do tropel de gente que deixou suas pegadas ali, vestígios de um dia que não se apaga da memória, muito em parte por causa das imagens da destruição e de obras como essas, feitas a quente nos meses que se seguiram à tentativa de golpe.

O mais revelador nesse conjunto de trabalhos, no entanto, são as obras que mesmo décadas antes dos ataques deliberados a Brasília já pressentiam algo estranho no ar, sinais de tempestades que podiam se abater sobre os palácios da cidade seja pelas recorrentes crises políticas do país, seja pela panela de pressão que é uma terra desigual como a nossa.

Nada ilustra isso melhor no imaginário que os excessos plásticos, a arquitetura teatral e extravagante erguida no cerrado em contraste com as periferias violentas, as cidades-satélite muito mais perto do chão de terra batida do que de alguma órbita sideral. É próprio da construção da cidade, como quando Lucio Costa, o urbanista de Brasília, descreve em suas memórias o espanto diante de gente ordinária a transitar pela rodoviária que desenhou, o homem comum que não cabe no delírio formal do plano piloto.

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