Portugueses entre os mais deprimidos: "Somos um povo estruturalmente negativista, mas isso não explica tudo&
A depressão é uma das doenças mentais com maior incidência em Portugal. Quais considera serem os fatores que mais contribuem para o desenvolvimento de depressão?
As perturbações depressivas são um conjunto diverso de patologias de diferente gravidade e cujos fatores etiológicos são múltiplos. Não há uma causa única para o adoecer depressivo, estando implicados fatores de ordem biológica, nomeadamente constitucional, genética e hereditária, e fatores ambientais, dos quais se destacam os relacionados com questões familiares, laborais, económicas e sociais.
Por que motivos a depressão tem maior incidência em Portugal do que em outras sociedades?
Este é um assunto que não está completamente estudado, e que merece sê-lo. Os estudos epidemiológicos e a investigação clínica básica, particularmente na área da saúde mental, são precários em Portugal. O investimento neste tipo de estudos tem sido muito descurado e a situação tem forçosamente de ser modificada. Só com bons dados se podem desenvolver boas estratégicas preventivas e de intervenção. Esta é uma área prioritária para a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental e faz parte da Reforma da Saúde Mental que está em curso.
Valorizamos as coisas erradas? Temos tipos de pensamento menos protetores?
Provavelmente, até por aprendizagem, somos um povo estruturalmente “negativista”, mas isso não explica tudo. O estigma associado à doença mental, a deficiente literacia em saúde mental e o não investimento em medidas de promoção da saúde mental e de prevenção da doença, de diagnóstico e tratamento precoces respondem, com toda a certeza, à atual realidade.
A depressão é considerada a epidemia dos dias modernos. De que forma é que o novo Centro de Responsabilidade Integrada (CRI) para a Saúde mental, na unidade local de saúde (ULS) de Lisboa Ocidental, vem ajudar a atenuar os efeitos da mesma?
A criação dos 15 primeiros Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) de Saúde Mental, na forma de projetos piloto, é um propósito inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a área da Saúde Mental. É um novo modelo de organização dos Serviços Locais de Saúde Mental em Portugal, integrado na reforma da Saúde Mental, que vai a meio, que tem o consenso generalizado dos profissionais e cuja continuidade o Governo já declarou apoiar.
O principal propósito da reforma é recuperar as décadas perdidas em termos de prestação de cuidados de saúde mental, comparativamente ao que se passa nos países mais desenvolvidos e com o que é defendido por estruturas internacionais, nomeadamente a Organização Mundial de Saúde, desenvolvendo respostas de maior proximidade e aumentando a acessibilidade dos cuidados.
Assim, é naturalmente expectável que a organização em CRI melhore a realidade epidemiológica da doença mental em Portugal e, para isso, é fundamental também o investimento em recursos humanos.
O que é que o CRI traz de diferente a estes doentes?
Não é só a patologia depressiva que está em causa, mas sobretudo a melhoria das respostas às pessoas com doença mental grave. De realçar, também, que este modelo de organização específico, bem como toda a legislação que saiu nos últimos dois anos referente à Saúde Mental, aponta para a importância da real integração de cuidados, nomeadamente com os Cuidados de Saúde Primários e estruturas da comunidade, como as autarquias, as escolas, a segurança social, a justiça, o trabalho, as instituições do terceiro setor e, sobretudo, as associações de famílias e de doentes. Por todas as razões referidas, a ideia é generalizar este modelo de organização, de modo a implementar a totalidade do previsto no Decreto Lei 113/2021, de 14 de dezembro.
Quais são as expectativas a longo prazo? Como serão medidos os resultados em saúde?
Os resultados serão medidos através de um conjunto de indicadores, já definidos para os projetos piloto, por uma Comissão de Acompanhamento liderada pelo Coordenador Nacional das Políticas de Saúde Mental, Professor Dr. Miguel Xavier. Integra ainda os restantes membros da CNPSM e respetivos coordenadores regionais, a Direção Executiva do SNS, a Administração Central dos Serviços de Saúde e Serviços Partilhados do Ministério da Saúde.
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