Equipes sem gênero e sem cor: empresas do Ibovespa enviam dados confusos à CVM sobre ESG

A maioria das 83 empresas listadas no Ibovespa, índice das ações mais negociadas da Bolsa, não presta informações claras à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) sobre a diversidade das respectivas equipes. Muitas não indicam o total de homens e de mulheres na companhia, a maioria não apresenta qual a população não-binária, enquanto outras sequer revelam a raça ou a cor dos funcionários.

Essa é a conclusão de um levantamento feito pelo consultor em governança corporativa Renato Chaves, com exclusividade para a 💥️Folha. A pesquisa tomou como base os formulários de referência enviados este ano à CVM, com base no exercício de 2023. "Muitas empresas não dão a devida atenção aos dados de governança, preenchem com descaso porque não são cobradas por isso."

O especialista questiona como é possível que, em uma grande empresa, 100% dos funcionários prefiram não responder qual a própria cor. "Foi o que aconteceu com o frigorífico Minerva, com 13 mil trabalhadores no Brasil, e com a Rede D'Or, com 71 mil funcionários, que não informaram o percentual de negros e pardos. Da mesma maneira a Klabin, que tem 17 mil funcionários, não divulgou qual a divisão da equipe por gênero", afirmou. Já a Bradespar ignorou o questionário ESG, diz.

Apenas 11 das 83 empresas do Ibovespa responderam que uma parcela da equipe se declara não-binária ou "outros": em 87% das companhias, os funcionários são classificados como homens e mulheres.

Procuradas pela 💥️Folha, algumas das empresas disseram que buscam melhorar continuamente suas práticas ESG (governança ambiental, social e corporativa), enquanto outras discordaram dos dados apresentados na pesquisa. Confira as respostas ao final do texto.

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Os formulários de referência são relatórios online que devem ser enviados todo ano pelas companhias abertas à CVM, com dados financeiros, comentários dos administradores, entre outras informações referentes ao exercício anterior. Desde 2023, o formulário de referência vem acompanhado de um questionário ESG, que permite apontar o nível de diversidade racial e de gênero na companhia, por exemplo, além de identificar quanto as minorias estão representadas nas posições de liderança.

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Mas a própria CVM observou que as respostas não condizem com a realidade e prepara mudanças no preenchimento do questionário. "A área técnica da autarquia observou um número de preenchimentos incorretos e/ou incompletos", afirmou, em nota, à 💥️Folha.

"A SEP [Superintendência de Relações com Empresas] entendeu cabível fazer uma revisão do formulário de referência online, com a implementação de travas e avisos, com o objetivo de alertar os emissores sobre o preenchimento inadequado e, consequentemente, buscando garantir melhor qualidade da informação disponibilizada ao mercado e à sociedade", afirmou.

No questionário ESG, as empresas devem preencher sete tabelas para dividir os funcionários de acordo com as seguintes categorias de diversidade: localização geográfica (região Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste ou Sul); nível hierárquico (liderança ou não-liderança); identidade autodeclarada de gênero (feminino, masculino, não binário ou outros); identidade autodeclarada de cor ou raça (branco, preto, pardo, indígena, amarelo ou outros); e faixa etária (abaixo de 30 anos, entre 30 e 50, acima de 50 anos).

A companhia também precisa divulgar a composição de cada órgão da administração por gênero e raça. O questionário, no entanto, abriu espaço para a opção "prefere não responder". "Este foi o recurso usado pelas companhias não comprometidas com a governança", diz Chaves. "Ao indicarem um grande número de não-respondentes, as empresas mostram o quanto o ESG é um assunto menor para elas."

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PESQUISA APONTA MENOS DE 5% DE NEGROS NA LIDERANÇA; MULHERES SÃO 33%

No levantamento, Renato Chaves selecionou informações referentes à liderança composta por negros e por mulheres nas maiores companhias abertas da bolsa. O conceito de "liderança", no entanto, não é determinado pela CVM –cada empresa entende como quer. "Isso é um erro", diz Chaves. "Por princípio, quem tem subordinado é um líder. Ao não definir o que é liderança, a CVM torna mais difícil a comparação entre as empresas."

Com base nas informações que as próprias companhias enviaram à CVM, o levantamento identificou que as empresas do Ibovespa têm, em média, 4,8% de negros em posições de liderança. O número significa menos da metade da representatividade dos negros na população brasileira, que é de 10%, segundo o IBGE (sem contar os pardos).

Já em relação às mulheres, elas somam 33% da liderança, em média, nas companhias mais negociadas da bolsa. O percentual também abaixo da representatividade delas na população, de 51,5%.

A partir desses dados, Renato Chaves identificou as empresas do Ibovespa com os melhores e os piores índices de contratação de negros líderes (as que têm 10% ou mais de negros e as que têm menos de 1%), e também as que apresentam os melhores e os piores indicadores de mulheres em cargos de liderança (as que têm 50% ou mais e as que têm menos de 20%).

Entre as empresas mais bem colocadas na contratação de líderes mulheres está o Fleury com 69,9%. Outro destaque é o Assaí, uma das empresas que apresentaram o maior número de negros na liderança: 13,6%. Considerando pretos e pardos, o Assaí soma 65% dos colaboradores e 44% dos cargos de liderança –da gerência para cima, diz Sandra Vicari, vice-presidente de gestão de gente e sustentabilidade. "Somos a única varejista alimentar no top 10 da carteira Idiversa B3, que reúne as empresas de capital aberto com os melhores indicadores em diversidade racial e de gênero", diz.

Tanto no Assaí quanto no Fleury, a opção "prefere não responder" do questionário ESG não foi usada.

"Como uma empresa pode desenvolver políticas de recursos humanos adequadas se não sabe ao certo qual o perfil da sua equipe?", questiona Chaves, que lembra que o formulário de referência é o documento oficial das informações da empresa aos acionistas e investidores. "Não adianta dizer que tem relatório ESG, esse tipo de publicação não é obrigatória, faz quem quer", diz. "Para o mercado, o que contam são as informações que estão no formulário de referência e que deveriam, em tese, estarem corretas."


O QUE DIZEM AS EMPRESAS

A Bradespar, holding controlada pelo Bradesco, afirmou que não respondeu o questionário ESG por ter um "quadro reduzido de profissionais."

Questionados na última quarta (17) e quinta (18) sobre a baixa representatividade de lideranças negras nas equipes, Multiplan, Minerva, IRB Brasil e WEG não responderam até a publicação desta reportagem, na manhã de segunda (22). Já a Cosan preferiu não comentar.

O grupo hospitalar Rede D’Or afirmou que negros e pardos juntos somam 47% da liderança. "Considerando apenas posições a partir da gerência, correspondem a 38% dos cargos", diz.

A Itaúsa, holding que controla o banco Itaú, respondeu que tem uma equipe de apenas 86 colaboradores (mais de 50% mulheres) e que se dedica à "construção de um ambiente plural e com representatividade".

A concessionária de energia ISA Cteep disse adotar um programa para ampliar o percentual de públicos sub-representados. Nos últimos três anos, a participação de negros no total de funcionários aumentou de 20% para 27% e hoje os líderes negros somam 11% dos diretores, gerentes e coordenadores, disse.

A CSN e a CSN Mineração, que pertencem ao mesmo grupo siderúrgico, por sua vez, apresentam, segundo a pesquisa de Renato Chaves, um alto índice de negros na liderança (32,5% e 31,5%, respectivamente), mas uma baixa participação de mulheres nesse estrato (14,9% e 11,2%).

Em nota, o grupo CSN afirmou que os atuais índices de negros líderes comprovam o engajamento da empresa com a causa. Já a baixa representatividade de mulheres no comando ainda é um resquício histórico, mas desde 2023 o grupo vem trabalhando fortemente para melhorar essa participação.

Questionados na última quarta (17) e quinta (18) sobre a baixa representatividade de mulheres na liderança, WEG, Prio, 3R Petroleum e Engie não responderam até a publicação deste texto, na manhã de segunda (22). Já a Marfrig não quis comentar.

A Klabin disse que tem o compromisso público de alcançar 30% de mulheres em cargos de liderança até 2030, e que chegou a 25% no ano passado.

O Itaú Unibanco diz que, "para a CVM, é utilizada a premissa da autodeclaração dos colaboradores", e que 84% dos líderes não responderam ao censo. Já o seu relatório ESG aponta mulheres como 52% dos gestores. Até 2025, a meta é ampliar para algo entre 35% e 40% a participação feminina em cargos de gerência para cima.

A Eneva diz que procura criar um "espaço de trabalho diverso e inclusivo" no setor de exploração e produção de petróleo, no qual "as mulheres representam 17% da liderança". A companhia afirma ter registrado alta de 37% neste indicador nos últimos três anos.

A PetroReconcavo reconhece a importância de um time diverso em todas as esferas da companhia, e adotou um programa de diversidade e inclusão em 2023.

A SLC Agrícola diz que sua meta é atingir 15% de mulheres líderes até o fim do ano. Sem contar as 22 fazendas do grupo, considerando apenas os cargos corporativos, as mulheres são 22% da liderança, diz.

A locadora de caminhões e máquinas Vamos afirma que hoje as mulheres somam 23% de líderes da liderança e que, em 2023, 40% das pessoas promovidas foram mulheres.

Confira aqui as respostas das estatais BB, Petrobras, Embraer e Cemig.

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